Quarta, 30 de outubro de 2013
Durante três dias, 54 especialistas discutiram o tema e incentivaram a continuidade do debate
DO MPDF
“Se te agarro com outro te mato!/ Te mando algumas flores e depois escapo”. A letra da canção
interpretada pelo cantor Sidney Magal, na década de 1970, à primeira
vista parece despretensiosa. Ao levar a música para o simpósio “Diálogos
Interdisciplinares para enfrentamento da Violência Doméstica contra
Mulheres”, o promotor de Justiça Antônio Suxberger conseguiu chamar a
atenção. O objetivo do assessor criminal da procuradoria-geral de
Justiça foi fazer os participantes atentarem para o papel da cultura pop
na disseminação e manutenção de uma sociabilidade que inferioriza a
mulher e naturaliza a violência contra ela.
Realizado
entre os dias 23 e 25, na sede do Ministério Público do DF e
Territórios (MPDFT), o simpósio buscou aproximar a Instituição dos
núcleos de pesquisa e movimentos sociais para construção de propostas de
políticas públicas que garantam a eficácia da Lei Maria da Penha
(11.340/2006). Segundo a coordenadora do NEPeM/UnB Tânia Mara Campos de
Almeida, o tema violência doméstica é marginal dentro das Instituições
de Estado e também das Universidades. “Por isso a importância dessa
iniciativa”.
Durante
o evento, o promotor de Justiça e pesquisador Bruno Amaral Machado
apresentou estudo comparado com o sistema espanhol, destacando a
necessidade de construir uma intervenção na violência doméstica que
privilegie a criatividade ao elaborar instrumentos e formas de
abordagem. A ouvidora do MPDFT, Maria Rosynete de Oliveira, lembrou que
essa questão não é apenas de segurança pública ou do sistema de Justiça
existente. “O processo judicial não é suficiente para combater a
violência doméstica contra a mulher. A Lei Maria da Penha fez aflorar e
exigir do Estado um novo comportamento e a sociedade também teria que
mudar a sua forma de ver esse fenômeno”, complementou a procuradora de Justiça.
Mas,
afinal, por que é tão difícil lidar com a violência doméstica? “Porque
para nós, seres humanos, a violência está no outro e nunca em nós",
disse a professora e pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas da
Mulher (NEPeM/UnB) Glaucia Diniz. Ela acrescenta que “esse estranhamento
e recusa em aceitar nossos aspectos sombrios nos distancia daqueles que
chegam à Justiça nessa situação e nos impede de usar nossas mais
poderosas armas humanas: a sensibilidade, a empatia, o colocar-se no
lugar do outro para buscar, a partir da realidade daquelas mulheres e
homens, a solução que menos danos possa causar a eles”.
Para
a antropóloga Lia Zanotta, o sistema de Justiça deve propor
intervenções que levem em conta o fator tempo, crucial para uma ação
mais eficaz na violência doméstica contra a mulher. "O processo criminal
não pode ter respostas finais imediatas, deve levar em consideração a
necessidade de criação de um tempo de diálogo com os envolvidos, para se
acompanhar a evolução do conflito e a efetividade da intervenção",
defendeu a pesquisadora do NEPeM. Além disso, não existe a promoção de
uma assistência jurídica especializada em gênero para maior efetividade
da Lei Maria da Penha, conforme ponderou a titular da 1ª Promotoria de
Justiça de Defesa da Mulher em Situação de Violência Doméstica e
Familiar de Sobradinho, Danielle Martins.
A
subprocuradora-geral da República e pesquisadora Ela Wiecko ressaltou
que "a violência doméstica contra a mulher, para além do gênero, é uma
questão de direitos humanos, a exigir do profissional uma especialização
nesse campo". Para Eveline Cascardo, psicóloga e pesquisadora da
Universidade Católica de Brasília "a pesquisa meramente observadora e
distante não interessa ao estudo da violência doméstica. É importante
que o pesquisador se torne um instrumento de modificação do campo
estudado, a fim de trazer algum resultado prático para uma vida menos
violenta para essas mulheres que procuram a Justiça".
Além
de fomentar discussões, o simpósio trouxe a ideia do diálogo contínuo
entre pesquisadores e Ministério Público. A intenção é criar um fórum de
discussão permanente, a fim de resultar em propostas de políticas
públicas que permitam uma maior eficácia da Lei Maria da Penha. “Quando
uma Instituição com a credibilidade do MPDFT vem à público alçar a
violência doméstica como uma de suas metas de intervenção prioritárias,
ao propor um fórum permanente de diálogo com o campo de pesquisa e os
movimentos sociais, temos algo de inédito e promissor. E o NEPeM firma
aqui seu compromisso público e interesse de integrar esse fórum",
afirmou Tânia Almeida.
A
secretária executiva da Secretaria de Políticas para Mulheres da
Presidência da República, Lourdes Bandeira, reafirmou o interesse
institucional em integrar o fórum permanente e dialogar com o MPDFT, por
reconhecer o papel de destaque da Instituição no combate à agressão
contra as mulheres brasileiras. Lourdes Bandeira pediu maior rigor do
Ministério Público para fazer valer o artigo 61 do Código Penal, que
trata das circunstâncias agravantes na aplicação da pena, nos casos de
violência doméstica contra a mulher.
Apesar
de longo, o caminho percorrido pelo MP no enfrentamento à violência
doméstica contra as mulheres trouxe resultados positivos. Prova disso,
foram as pesquisas e dados apresentados pelo promotor de justiça Tiago
Figueiredo, que indicaram conquistas obtidas pelos grupos de discussão
de gênero com os agressores, indicando que projetos como as “Tardes de
Reflexão” merecem ser replicados nas demais cidades do Distrito Federal.
O
evento contou com a participação de 54 especialistas e pesquisadores
das mais diversas áreas. Dentre eles, a ouvidora do MPDFT, Maria
Rosynete de Oliveira Lima, e o coordenador do Núcleo de Direitos
Humanos, Thiago André Pierobom de Ávila, além dos promotores de justiça
Jefferson Lima Lopes, Lúcia Helena Barbosa de Oliveira, Carla Roberto
Zen, Cíntia Costa da Silva, Isabella Angélica dos Santos Chaves,
Diógenes Antero Lourenço, Mariana Fernandes Távora, Lia de Souza
Siqueira, Gabriela Gonzalez Pinto e Alessandra Morato, e também do Juiz
Ben Hur Viza e toda sua equipe, do TJDFT.
Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha)
A Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha,
tem como objetivo criar mecanismos para coibir a violência doméstica e
familiar contra a mulher, com base na Constituição Federal e na
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra
as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e
Erradicar a Violência contra a Mulher. Ela também propôs a criação dos
Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, alterou o
Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal, além
de outras providências.
A
partir da lei, quem praticar violência doméstica contra mulher pode ser
preso em flagrante ou ter a prisão preventiva decretada. Os agressores
também não podem mais ser punidos com penas alternativas. Há a previsão
ainda de medidas que vão desde a saída do agressor do domicílio até a
proibição de se aproximar da mulher agredida.
Quem
deu o nome e idealizou a Lei nº 11.340 foi Maria da Penha Maia
Fernandes. A farmacêutica em bioquímica sofreu de seu ex-marido duas
tentativas de homicídios, sendo um tiro e depois eletrocussão. Maria da
Penha lutou, por quase 20 anos, para que o agressor fosse punido pelos
crimes que cometera. O caso dela foi parar, inclusive, na Comissão dos
Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). Por conta
de sua longa busca por Justiça, em 2006, Luís Inácio Lula da Silva,
presidente da República à época, sancionou a lei que aumenta o rigor das
penas dos agressores de mulheres.
MPDFT no combate à violência doméstica
Em 2013, o MPDFT lançou a 3ª edição da cartilha Mulher, valorize-se: conscientize-se de seus direitos.
O objetivo desse instrumento é orientar as vítimas e a população quanto
à identificação da violência doméstica, informando a quem recorrer e
como denunciar.
A
cartilha foi distribuída nas circunscrições judiciárias, delegacias de
polícia e para os parceiros da Instituição. Aqueles que tiverem
interesse em adquiri-la, devem solicitar ao Núcleo de Gênero pelo
telefone 3343-9840/ 3343-9998.
Confira aqui a cartilha Mulher, valorize-se: conscientize-se de seus direitos.