Segunda, 28 de outubro de 2013
Por Celso LungarettiBlog Náufrago da Utopia
Em
1972, quando eu morava numa comunidade alternativa, um cachorrão manso
nos adotou. Foi entrando e, como não expulsávamos pessoas nem bichos,
resolveu ficar.
Nunca fui muito chegado a cães. Um deles me atacou de surpresa na minha
meninice: veio correndo e, sem dar um único latido, cravou os dentes na
minha perna.
Também não contribuiu para torná-los simpáticos o fato de meu tio ser
criador de coolies. Quando o visitava, lá pelos 14 anos de idade, uma
daquelas aspirantes a Lassie tinha a mania de pular sobre mim, quase me
derrubando; mantinha-se em pé com as patas dianteiras apoiadas no meu
ombro e me agraciava com borbotões de hálito fedorento, até que alguém
me tirasse daquela saia justa.
Mas, quando a carrocinha levou embora o mascote da nossa comuna, eu era o único homem disponível para resgatá-lo antes que o sacrificassem. Como não era tarefa para mulher, fui.
Ver aquela bicharada toda engaiolada, jururu, parecendo saber o destino que a aguardava, mexeu um pouco com meus sentimentos.
E mais ainda quando o cachorrão, reconhecendo-me, passou da tristeza ao paroxismo da alegria num átimo. Até urinou de júbilo.
Aí fiquei comovido de verdade. Gostei de ter empregado assim meu tempo e
não lamentei a grana utilizada para alugar uma kombi na volta, embora
nos fosse tão escassa.
Quanto aos beagles que os ativistas salvaram dos maus tratos, as madames
que me perdoem, mas considero-os muito mais importantes do que
cosméticos.
E não engulo o papo furado de que pesquisas de medicamentos relacionados ao câncer sejam sagradas.
Trabalhei em empresas de comunicação que divulgavam o lançamento de tais remédios. Detestava-os profundamente... porque não se destinavam a curar o câncer! Longe disto.
Sua verdadeira finalidade era e é, conforme alegações dos próprios fabricantes, a de dar qualidade de vida aos pés na cova e adiar um pouquinho o encontro deles com tanathos. A preço de ouro, claro.
[Antes que me esqueça: quem teve a repulsiva idéia de utilizar com tamanha impropriedade a expressão qualidade de vida, fez jus a outra expressão, a que o grande Zé Celso cunhou para designar os publicitários: filhos de Goebbels.]
Velhos incapazes de encarar a morte com dignidade pagam sem chiar os
preços escorchantes, empobrecendo os herdeiros. Quando morrem, deixam
uma terra arrasada para trás e são amaldiçoados pelos entes queridos.
Mas, maldita mesmo é a indústria farmacêutica, quando depena sujeitos
fragilizados pela paúra! Nunca entendi por que não se entopem com a
velha morfina, ao invés de caírem no conto do vigário dos tais
me(r)dicamentos de ponta...
Que sejam felizes os beagles! Que sofram os rapinantes, com (espero!) uma forte crise de abstinência de dinheiro mal ganho!