Quinta, 26 de
dezembro de 2013
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
Por Ivan de Carvalho

A
Irmandade, uma organização fundamentalista islâmica fundada no Egito à época do
regime ditatorial do presidente Gamal Abdel Nasser, mas presente hoje em muitos
Estados de maioria muçulmana e com representação em dezenas de países,
conquistou a presidência do Egito em eleições quase inteiramente livres
promovidas sob uma administração controlada pelos militares após a Primavera
Árabe haver derrubado o regime autoritário do presidente Hosni Mubarack.
No
entanto, o presidente Mohamed Mursi, que na rápida campanha eleitoral procurara
parecer um moderado e em acordo com as regras legais adotadas, pouco após
assumir o cargo começou a meter os pés pelas mãos. A maior investida de Mursi
contra o regime democrático, que fora a reivindicação básica da Primavera Árabe
no Egito (como pareceu ser em outros países e acabou revelando uma face diversa
ao assumir o poder, quando assumiu), foi editar algo bem semelhante a um Ato
Institucional (daquele tipo que o regime militar brasileiro se utilizara).
Por
esse ato, Mursi se colocava acima do Poder Judiciário, de modo que seus atos
não podiam ser apreciados (e eventualmente anulados no todo ou em parte pela
Corte Suprema). E, na sequência, passou a assumir poderes que só reforçavam a
característica ditatorial que aquele primeiro golpe político (de sobrepor-se ao
Judiciário) imprimiu ao novo regime.
Mursi
não traiu a Irmandade Muçulmana. Esta e Mohamed Mursi traíram a Primavera Árabe
e, com isso, traíram o próprio Egito. O país, seu povo, com um imenso movimento
popular e nas eleições que se seguiram, optara por um Estado democrático e
laico. Mursi, eleito sob estes pressupostos já inscritos na Constituição sob a
qual tomou posse do cargo de presidente, tentou impor à mais importante e mais
populosa nação árabe um Estado ditatorial e teocrático.
Creio
que vale lembrar que diante dessa conduta do presidente eleito, centenas de
milhares de pessoas voltaram às ruas outra vez para protestar contra Mursi e a
Irmandade Muçulmana como antes o haviam feito contra o regime de Hosni Mubarak,
que passara três décadas no poder. Surgiu um claro impasse entre o governo de
Mursi e as manifestações pela democracia, até que a situação foi levada a um
ponto (até pela indisposição de Mursi e da Irmandade Muçulmana de cederem na
usurpação de poderes que praticaram) em que o Exército deu prazo de 48 horas
para eles “se entenderem”, do contrário – era um ultimato – interviria.
Não
houve entendimento algum, a essa altura nem mesmo os manifestantes estavam a
fim de uma conversa e com uma boa razão – Mursi e a Irmandade Muçulmana já
haviam tirado as máscaras, haviam se revelado não merecedores de confiança de
quem quer que desejasse democracia e um Estado laico. O tempo se esgotou e,
como havia anunciado, o Exército extinguiu o impasse.
Mursi foi destituído e detido. E então a
Irmandade Muçulmana, que havia sido convocada por ele a fazer contra-protestos,
chochos nos últimos dias de Mursi no poder, crescendo após sua queda, mas sem
demora com uma ação policial devastadora na Praça Tahrir, no centro do Cairo e
que havia sido ocupada por adeptos de Mursi. O Exército deu um prazo (curto)
para que os manifestantes esvaziassem a praça e, como eles não o fizeram, a
polícia foi fazer o serviço – e usou violência ilimitada.
Daí em diante, a Irmandade Muçulmana
viu-se cada vez mais vigiada e limitada em suas atividades ostensivas, como
ocorrera em várias fases de sua história no Egito (sob os governos de Nasser,
de Anwar Sadat (menos), de Mubarak (que ao assumir libertou alguns membros da
Irmandade que estavam presos), que acabou não conseguindo conviver bem com a
organização, que se lhe opunha. Após a queda de Mursi e a impossibilidade de
abalar o novo governo com manifestações de rua, a Irmandade Muçulmana voltou à
sua estratégia recorrente – o terrorismo. A decisão do Conselho de Ministros
foi consequência do ataque a bomba de terça-feira contra um prédio da polícia,
quando morreram pelo menos 14 pessoas e cerca de 140 ficaram feridas.
- - - - - - - - - -
- - - - - - - - -
Este artigo foi
publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta quinta.
Ivan de Carvalho é
jornalista baiano.