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quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

“Dominância fiscal”, o novo espantalho

Quarta, 18 de dezembro de 2024

Usando jargão economês, blefe mais recente da Faria Lima é culpar os gastos do governo pela alta dos preços. Assim dobra-se a pressão sobre o governo por arrocho na área social, bloqueio de investimentos e juros cada vez mais elevados…

OutrasPalavras
por Paulo Kliass

Mercado x Democracia

Publicado em OUTRASPALAVRAS em 17/12/2024

Imagem: Fórum21/Reprodução


As forças ocultas do financismo passaram a adotar um conceito bastante polêmico da macroeconomia conservadora para justificar a continuidade do desastre perpetrado pela política econômica do governo. Fernando Haddad cede em tudo o que elas exigem, mas a voracidade dos chacais nunca é saciada plenamente. Eles sempre querem mais carne e mais sangue. A intenção é manter de forma permanente um clima de antevéspera do apocalipse, ameaçando com a presença do bicho do terror logo ali na esquina. Com isso vem a pressão para que a sociedade aceite o combo de juros nas estrelas e arrocho fiscal cortando na carne dos mais desfavorecidos. Quantas vezes já não ouvimos os berros de alerta de que o Brasil iria quebrar caso uma ou outra medida fora do escopo neoliberal fossem adotadas?

A chantagem das elites do financismo era de que o Brasil iria quebrar caso Lula fosse eleito presidente da República em 2002. Naquele período houve uma escalada especulativa do dólar, que chegou a atingir a cotação recorde de R$ 4,00/US$. Pois Lula venceu, tomou posse e os indicadores da economia só fizeram melhorar a partir de 2003. Por outro lado, tínhamos a proposta do senador Paim (PT-RS) de fixar o salário mínimo em 100 dólares, apresentada em 2003. Se ela fosse aprovada, os representantes do financismo diziam que o Brasil não suportaria. Pois o valor mínimo da remuneração do trabalhador chegou a ser bem mais, próximo a 300 dólares em 2008, e a economia brasileira continuou evoluindo muito bem, obrigado.

Pois o tema do momento é a questão da austeridade fiscal. Para o povo da Faria Lima seria fundamental a aprovação de medidas mais “duras” para reduzir as despesas orçamentárias primárias. Para esse pessoal, se o Brasil não eliminar do texto constitucional as garantias de pisos de despesas com saúde e educação, além de desindexar os benefícios previdenciários em relação ao salário mínimo, o país quebra. Simples assim: chantagem pura! Como não conseguiram emplacar essa pauta maximalista neste momento, agora eles fazem pressão para a aprovação do pacote de maldades encaminhado pelo governo ao Congresso Nacional, a partir de propostas elaboradas por Fernando Haddad. Ao escapar malandramente do debate a respeito do impacto das despesas financeiras no equilíbrio fiscal, escudam-se no argumento de que o foco deve se manter na abordagem “primária”. Ou seja, os R$ 870 bilhões de pagamento de juros da dívida pública ao longo dos últimos 12 meses ficam de fora de qualquer esforço de corte, contingenciamento ou limite.

Financismo: chantagem para assegurar ganhos

Pois agora, a bola da vez é a tal da “dominância fiscal”. Trata-se de um conceito utilizado para descrever situações em que a política monetária se torna ineficiente para conter o processo inflacionário. De acordo com esse raciocínio dos manuais do conservadorismo neoclássico, a autoridade monetária eleva a taxa referencial de juros, mas os preços continuam a subir. A razão para tal fenômeno seria a continuidade de geração de desequilíbrio nas contas púbicas – daí o termo dominância fiscal. Como se pode perceber, a sacada deste argumento da manga da camisa neste momento opera de forma a justificar a Selic nas alturas e a luta para arrochar ainda mais as despesas orçamentárias na área social e nos investimentos.

Ocorre que a elevação da taxa pelo Copom e a manutenção de taxas na ponta para os clientes em níveis ainda mais absurdos, por conta dos spreads inimagináveis em qualquer outro país do mundo, não tem resolvido o problema da inflação há um bom tempo. E a razão para tanto não tem nada a ver com o argumento da dominância fiscal. Na verdade, a equipe econômica tem utilizado um remédio inadequado para o problema do paciente. Ao longo dos últimos tempos, o Brasil não vive uma inflação por excesso de demanda. O índice de inflação tem crescido por conta dos preços de bens e serviços do lado da oferta. É o caso, por exemplo, dos alimentos, dos combustíveis, das tarifas de energia elétrica, dos aluguéis, dos planos de saúde, dos remédios e tantos outros que não respondem a aumentos nos juros.

Selic acima da estratosfera

Mas o pessoal do sistema financeiro não quer abrir mão de seus ganhos fáceis. Assim, seguem pressionando, por meio de seus escribas de aluguel nos meios de comunicação, para justificar aumentos ainda maiores na Selic. A sanha é de tal ordem que eles conseguiram aprovar a elevação absurda de 1% na reunião mais recente do Copom e já apontam para mais 2% nos próximos dois encontros. É isso o que se lê no Boletim Focus do Banco Central (BC) – Selic a 14% no curto prazo. E também é o que está escrito com todas as letras na Nota divulgada pelo BC logo depois do encerramento da reunião do colegiado:

(…) “Diante de um cenário mais adverso para a convergência da inflação, o Comitê antevê, em se confirmando o cenário esperado, ajustes de mesma magnitude nas próximas duas reuniões.” (…) [GN]

Ora, como é público e notório que a elevação dos juros não está provocando quase nenhum efeito sobre a inflação, agora a bola da vez é a tal da dominância fiscal. Uma lógica e uma narrativa de se tirar o chapéu, em especial quando veiculada para o grande público leigo nos debates internos das correntes do pensamento econômico. Afinal, em uma primeira abordagem faz sentido, assim como parece razoável também a ideia enganadora de que não se poderia gastar mais do que se recebe. Só que não! A economia de um país – em especial um com soberania monetária, como o nosso – não pode ser analisada sob a ótica simplista e reducionista das finanças pessoais ou familiares. A totalidade das nações chamadas desenvolvidas mantêm déficit fiscal de forma sistemática há décadas e nem por isso estão à beira da falência. Ou seja, todos estariam “gastando mais do que recebem” nessa abordagem de economia de boteco.

No caso da aplicação da abordagem da dominância fiscal para o caso brasileiro atualmente, tampouco o argumento resiste a alguma análise mais detalhada. O problema da ineficácia da política monetária para conter preços não tem nada a ver com a questão fiscal. Como já observado, o problema é o diagnóstico equivocado das causas do crescimento dos preços. Já o suposto “problema fiscal estrutural” só existe na cabeça de quem pretende reduzir o Estado à sua dimensão mínima e pretende se aproveitar de um processo de privatização dos serviços públicos. Os índices de endividamento público do Brasil são bem menores do que os apresentados por países como Estados Unidos, Canadá, membros da União Europeia, Japão e outros. Mas a insistência da Faria Lima em criar esta espécie de antessala do fim do mundo faz com que a realidade se confunda com os desejos do povo do financismo. São artigos e colunas nos jornais. São entrevistas com especialistas e economistas, todos eles provenientes de bancos e instituições financeiras. Todos eles alertando para a tal da “gravidade da crise fiscal” e que, se nada for feito, o Brasil vai quebrar.

Lula precisa assumir o comando da economia

O fato concreto é que o Brasil já ocupa a segunda posição no ranking internacional de países no quesito taxa real de juros (Selic descontada a inflação). Estamos atrás apenas da Turquia, que passa por um aperto monetário ainda mais grave do que o nosso. A insistência de Fernando Haddad em vestir a fantasia do bom mocismo e buscar atender a todas as reivindicações da Faria Lima tem provocado grandes prejuízos ao país e ao governo Lula. A insistência em não flexibilizar a meta irrealista de inflação oferece na bandeja o argumento do financismo para seguir elevando a Selic – afinal, o crescimento dos preços estaria “descontrolado” (sic). Por outro lado, a inexplicável obsessão do ministro em cumprir a meta de zerar o déficit primário também joga água no moinho da estratégia draconiana de cortar e cortar e cortar as despesas a qualquer custo.

Enfim, o apelo ao conceito de “dominância fiscal” é apenas um revestimento supostamente sofisticado para perpetuar a política de mais do mesmo na economia – mais aperto monetário e mais austeridade fiscal primária. Com a profundidade explicativa de um pires, busca trazer um arcabouço teórico ultrapassado e que não se aplica em nada para qualquer tipo de diagnóstico razoável da situação econômica que o Brasil atravessa no momento.

É fundamental que o presidente Lula, logo depois que autorizado pela equipe médica, assuma para si o comando da agenda econômica. Caso Haddad continue articulando em nome do presidente, o risco que se apresenta é justamente o de reforçar o discurso da dominância fiscal. Afinal, ele foi um dos primeiros a vocalizar os riscos representados pela suposta crise fiscal. Foi ele o responsável pelo formato austericida do atual Novo Arcabouço Fiscal. Foi ele quem indicou a Lula o nome de Gabriel Galípolo para presidir o BC, a partir de janeiro próximo, e está chancelando a mesma política de juros de Roberto Campos Neto. Ou seja, o ministro da Fazenda personifica os dois elementos centrais da teoria da dominância fiscal: juros elevados e austeridade fiscal extrema.

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sexta-feira, 28 de abril de 2023

A atualidade do combate ao escravismo

Sexta, 28 de abril de 2023 



“Os exemplos brasileiros mostram que você tem que colocar o país em recessão para recuperar a credibilidade” - Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central
 
Roberto Amaral*
Chegamos ao terceiro milênio do que conhecemos como mundo civilizado, quinhentos anos de terra,  natureza e homens depredados, dois séculos de país independente, ainda em busca da dignidade: em 2023 navegamos na periferia do capitalismo a  cujo anti-humanismo intrínseco acrescentamos a miséria de brutal concentração de renda e riqueza, ou seja, de desemprego e fome, uma espécie de escravismo em plena revolução tecnológica. Somos campeões de desigualdade mesmo entre os mais pobres: 1% dos brasileiros mais ricos controla 31% da riqueza nacional. O Brasil é o segundo país com maiores desigualdades dentre os membros do G20 (o primeiro é a África do Sul). A renda média nacional de nossa população adulta é R$ 43,7 mil, sendo que os 10% mais ricos, com renda de R$ 253,9, são  donos de 58,6% da renda total do país (dados do World Inequality Lab).

Aqui a classe dominante festeja o desemprego, e um Banco Central autônomo em face dos interesses nacionais combate o desenvolvimento impondo ao país uma taxa de juros que sufoca a atividade produtiva, ao tempo que  atribui a persistência inflacionária à queda das taxas de desemprego e aos reajustes salariais, que abjura.

Quando o Banco Central aumenta os juros, seu objetivo claro é reduzir os investimentos produtivos (aqueles que criam emprego e fazem girar a economia) e, na sequência, o consumo das famílias (cujo poder de compra cai), criando um círculo  vicioso  que termina por promover a recessão, como, aliás, vimos no experimento do ministro Joaquim Levy em 2015. A chamada “autoridade monetária”, dispensada de prestar satisfações à sociedade, usa a ociosidade mórbida da economia, de particular o freio na já agônica atividade industrial, como medida anti-inflacionária e lamenta (lamenta o BC e lamenta a Faria Lima) que o desemprego tenha caído menos que o projetado, e que menos que o projetado tenha caído o consumo das famílias, adiando a recessão também projetada.

O cenário, no curto e no médio prazos — os tempos que nos interessam, pois no longo prazo todos estaremos mortos, como lembrava o esquecido Lord Keynes — é o encontro da recessão com a política contracionista imposta pelo Banco Central, com seu rol inefável de perversidades: retração da economia, concentração de renda, desemprego e fome. No segundo ou terceiro maior produtor de alimentos mundo, nada menos que 61 milhões de pessoas passaram  dificuldades para se alimentar em 2022, nada menos que 33,1 milhões não têm garantido o que comer (dados do Segundo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar). Nosso país, sob o reino do agronegócio, está, desde 2018, de volta ao Mapa da Fome.

Burocratas, empresários e prepostos de empresários e banqueiros pensam em uníssono (todos estudaram nas cartilhas da Escola de Chicago traduzidas pela Fundação Getúlio Vargas), e chegam às mesmas conclusões, porque em suas equações não há espaço para o elemento humano. Samuel Pessôa, escrevendo em julho de 2015 (“Luzes no final do túnel”) e comentando relatório do IBGE, comemora a queda dos rendimentos dos trabalhadores como fator deflacionário: “A ´boa notícia foi a queda de 5% do rendimento médio real. (...) A ´boa notícia`, portanto, foi que os salários nominais têm crescido a taxas cada vez menores (...)”.

Já em nossos dias, o Valor (24/4/2023), em coluna assinada pelo repórter Alex Ribeiro, registra que a inflação não cai, apesar da política de juros altos, porque “a taxa de desemprego não vem subindo, até agora, da forma esperada e os reajustes de salários estão mais fortes do que o Banco Central antecipava”. O governo se empenha na promoção de emprego e renda, o Banco Central se empenha em gerar desemprego. O governo precisa investir para promover o desenvolvimento econômico; o BC, expressando a vontade da Faria Lima, cobra a redução de gastos e impõe o “equilíbrio fiscal” — e, assim, e a um só tempo, desorganiza a produção, promove o desemprego e reduz o poder de compra da população. Confessadamente persegue a recessão e já nos deixa próximos do casamento da estagnação com a inflação. Segunda maior concentração de renda do planeta, convivemos com a maior taxa de juros reais: 9,1%, contra -0,7% do Canadá, 0% dos EUA, 4,4% do México, 2,2% da França, -4,2% da Itália, 4% da Rússia em guerra, 2,9% da China, -4,2% da Turquia e -3,2% do Japão (fonte: tradingeconomics.com).

Nada obstante a realidade, o presidente do BC reafirma que a meta da instituição é combater a inflação mediante a elevação dos juros, e sua vontade é, nas circunstâncias, imperial. Mas ainda não é tudo, porque a casa-grande é insaciável. Impõe o culto do ajuste fiscal, mantra do monetarismo que conquista almas à direita e à esquerda, sem necessidade de demonstração. Assim não se discute, nem no governo nem no Congresso, e muito menos na academia e nos sindicatos, o caráter do modelo econômico que nos é imposto pelo grande capital — sem que tenha por trás de si o amparo da soberania popular que é o arrimo do mandato do presidente Lula, a quem é imposto um modelo de país e de economia que nega o pronunciamento eleitoral do dia 30 de outubro do ano passado. E nega, acima de tudo, as necessidades de desenvolvimento do país, que requer gastos, investimentos em infraestrutura e saneamento, em saúde, em educação, ciência e tecnologia, além de incentivos à necessária e urgente recuperação da indústria manufatureira. O país, inerme, não se dá conta dessa violência contra a soberania popular e as bases da democracia representativa, que é a usurpação do poder pelo Banco Central.

A esquerda de um modo geral  absorveu o discurso do “equilíbrio fiscal” defendido pelos donos do poder.  Trata-se de um modelo verdadeiramente de fundo escravista, revela o ranço da casa-grande: um modelo baseado na manutenção de baixa atividade econômica, elevado desemprego e achatamento dos salários, tudo para garantir as taxas de lucro do capital.  É o desespero do pobre que garante o "equilíbrio" exigido pelos donos do poder.

Abandonada a alternativa industrial-desenvolvimentista, pela qual oportunamente optaram as grandes potências de hoje, somos, lembrando a origem colonial, uma grande província agroexportadora das commodities requeridas pelo   chamado                “ primeiro mundo”. Os principais produtos comercializados pelo Brasil no último ano foram soja (14%), óleos brutos de petróleo ou de minérios betuminosos, óleos crus (13%) e minério de ferro in natura e seus concentrados (8,6%), reforçando o setor primário como protagonista da economia do país (https://www.domaniconsultoria.com). No terceiro milênio como na colônia, no império e na república velha. 

Padecemos os males essenciais do capitalismo e contribuímos com a iniquidade de monstruosa  desigualdade de renda, que aumenta a pobreza e aprofunda o atraso, na mesma medida em que concentra o poder nas mãos de uma minoria mínima de biliardários desvinculados da produção de riquezas e da geração de emprego. Nossa burguesia, isto é, a burguesia aqui instalada, se conforma como procuradora da banca internacional. Naturalizamos a violência em todos os modelos imagináveis, desde o genocídio das populações nativas (recentemente reavivado pelo bolsonarismo), e o escravismo, larvar, ostensivo, da colônia e do império, até, na modernidade capitalista, as mais variadas formas de trabalho análogo à escravidão. Não me refiro apenas às formas clássicas de exploração do trabalho humano no campo, a corveia, a meação, a exploração do agregado, do morador. Mas já a formas de espoliação que a imprensa identifica como “similares à escravidão” encontradas nas modernas vinícolas do Sul desenvolvido de  hoje. 

A herança escravagista e colonial, a ocupação predatória da natureza e dos homens na terra achada, são essenciais na moldagem da sociedade brasileira de nossos dias, exacerbadamente excludente,  mas não encerram a história toda. É preciso ter sempre em conta o papel crucial desempenhado pela classe dominante aportada e aqui criada. A renúncia a um projeto próprio de sociedade, a opção consciente pelo atraso, pelo agrarismo e pela dependência econômica, política e cultural, o império autoritário e a república sereníssima, sem povo, obra de nossas elites, são essenciais na moldagem da história presente.

Coloca-se para o governo de centro-esquerda a resistência, e para os socialistas a denúncia do modelo político-econômico que aí está. O modelo capitalista vigente, que, de um lado, exige a expansão da fronteira agrícola para garantir superávits das exportações no mercado global; de outro, tem como pré-condição a produção crescente de pobreza e miséria (pilar do “equilíbrio fiscal”), o que, por exemplo,  empurra ribeirinhos e demais trabalhadores precarizados para dentro das reservas indígenas, em busca de sobrevivência — objetivo que a imensa maioria persegue. 

A preservação do meio ambiente tanto quanto o combate à fome e ao desemprego  está ameaçada pela simples continuidade do modelo — ainda que não tenhamos mais um facínora na presidência.

O grande tema da atualidade brasileira, neste 2023, portanto,  é a abolição da escravidão. 
 
 
* Com a colaboração de Pedro Amaral
 
Os textos de Roberto Amaral podem ser encontrados em www.ramaral.org

terça-feira, 29 de novembro de 2022

Não há teto para engordar os rentistas

Terça, 29 de novembro de 2022


Despesa com juros da dívida cresce sem controle — e pode chegar a 600 bi neste ano. Mas garrote fiscal das elites estrangula apenas a seguridade social, estratagema para mais privatizações. Cinismo esconde a verdadeira “farra do orçamento”

OUTRASPALAVRAS
Publicado 29/11/2022

Uma vez confirmados os resultados do processo das eleições de outubro pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), as especulações e pressões exercidas pelos representantes do sistema financeiro voltaram-se imediatamente para a formação do novo governo. Apesar do silêncio criminoso do Bolsonaro e de sua recusa em assumir publicamente a derrota nas urnas, ampliam-se a cada dia as dificuldades políticas para que ele consiga promover algum tipo de golpe, com a ajuda do comando das Forças Armadas, para impedir a posse de Lula em 1º de janeiro próximo.

A impunidade oferecida pelo atual governo às manifestações golpistas e terroristas que se espalham pelo país afora é preocupante, pois o Brasil corre o risco de permanecer acéfalo durante este final de novembro e todo o mês de dezembro. Na verdade, o núcleo duro do bolsonarismo busca de inúmeras maneiras criar obstáculos de toda ordem para inviabilizar a transição entre governos de maneira civilizada e republicana. Como já é de amplo conhecimento, a orientação de tal estratégia política vem de fora. Steve Bannon e seus comparsas pretendem transplantar para a realidade brasileira o fiasco da tentativa de ocupação do Capitólio, quando a intenção era impedir a posse de Biden como presidente dos Estados Unidos, após sua vitória contra Donald Trump.

No entanto, ao que tudo indica, as preocupações do povo do financismo de nossas terras passam longe desse risco de ruptura institucional ou do agravamento escandaloso do quadro de miséria social e econômica envolvendo a grande maioria de nossa população. Sua influência junto aos grandes meios de comunicação se faz presente por meio de editoriais, artigos encomendados de “especialistas” e matérias exigindo que Lula apresente imediatamente o nome de seu “comandante da economia”. A pressão é pela nomeação de alguém com perfil próximo a seus interesses, de preferência um banqueiro como Henrique Meirelles ou Pérsio Arida.

Financismo pressiona por austeridade irresponsável

Para além do nome do ocupante do cargo, tenta-se criar novamente o conhecido clima de antevéspera do apocalipse, caso suas propostas de natureza conservadora não sejam incorporadas pelo novo governo. Nesse caso, o foco principal é a continuidade da austeridade fiscal a todo custo. Os escribas buscam bombardear qualquer iniciativa que vise flexibilizar as regras draconianas do teto de gastos orçamentários, seja por meio da revogação pura e simples da EC 95, seja através da chamada PEC da Transição ou ainda pela adoção do caminho da simples edição de créditos extraordinários. De qualquer forma, a intenção de Lula é viabilizar nos orçamentos de seu terceiro mandato a existência de recursos para cumprir com o programa para o qual foi eleito. Simples assim.