Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)
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domingo, 20 de outubro de 2013

O Inferno, na Primavera

Domingo, 20 de outubro de 2013
Quem planta vento, colhe tempestade. A máxima popular - que alguns atribuem a antigo provérbio bíblico - se ajusta, como uma luva, ao continente europeu, sitiado, no Mediterrâneo, por milhares de refugiados da série de conflitos que se convencionou chamar de “Primavera Árabe”.
A intenção da UE e dos EUA, ao incentivar o “vamos para a rua” nos países árabes, era destruir a coesão interna – se possível promovendo sua divisão geográfica - de países que, historicamente, se opunham à dominação ocidental naquela região do mundo. Leia a íntegra

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

De volta ao começo

Sexta, 7 de dezembro de 2012
Por Ivan de Carvalho

O tumulto político tomou conta do Egito, cujo regime autoritário liderado por Hosni Mubarack foi derrubado pelo movimento a que se convencionou chamar de Primavera Árabe. Este era um movimento claramente reivindicador de liberdade e democracia e prevaleceu em um primeiro momento. Mas dificuldades já eram previstas por qualquer pessoa atenta à conjuntura do Oriente Médio e tivemos oportunidade de, neste espaço, chamar a atenção para os riscos envolvidos na Primavera Árabe, seja no Egito, seja em outro país e no conjunto da região.

            Para o mundo como um todo, a questão crítica é a rivalidade entre alguns Estados árabes e até muçulmanos não-árabes (caso principal, atualmente, do Irã, como já foi do Iraque) e a facilidade com que os governos desses Estados nada democráticos conseguem manipular a opinião pública e as populações de seus países como instrumentos na hostilidade permanente que mantêm contra Israel.

            Voltando ao caso egípcio, onde ontem o Palácio Presidencial estava cercado por tanques após conflitos entre populares favoráveis e contrários ao governo que resultaram, na noite passada, em cinco mortes e mais de cem feridos. Na anterior, foram dois mortos e cerca de 160 feridos nos conflitos ocorridos no Cairo. Pelo menos em outras três principais cidades do país houve grandes manifestações da oposição, geralmente confrontadas por partidários do governo.

            A Primavera Árabe no Egito (como, de resto, em outros países em que o movimento venceu ou está em curso) tem caráter laico e seus objetivos são a liberdade e a democracia, esta, um regime a que os árabes não estão acostumados. Não têm disso a menor tradição, exceto quanto ao Líbano, que foi democrático e onde houve liberdade até que a Síria se imiscuiu em sua política interna e bagunçou o país, no interesse da ditadura vitalícia e hereditária dos Assad.

            Mas, com uma modesta vantagem de votos, Mursi, o candidato a presidente da Irmandade Muçulmana – uma organização política islâmica que era clandestina durante o regime autoritário do ex-presidente Hosni Mubarack – foi eleito presidente após a vitória da Primavera Árabe egípcia. As eleições foram duvidosas, porque somente às vésperas do pleito o principal adversário de Mursi assegurou na Justiça o direito de disputar o pleito. Assim, ele fez uma campanha “na dúvida” de que seria ou não candidato e isso é uma situação destrutiva para qualquer candidatura. Mesmo assim, perdeu por pouco.

Mursi assumiu uma porção de compromissos formais e públicos após eleito e começou a desrespeitá-los metodicamente, a cada oportunidade que aparecia. A última coisa que fez foi um golpe de estado mediante a edição de decretos em que assumiu plenos poderes e até, em um deles, colocou-se acima e a salvo de qualquer decisão judicial – juntamente com os seus decretos ditatoriais. Alegou que os superpoderes seriam provisórios, temporários, mas continua desfrutando de todos eles e pretende prosseguir assim por um bom tempo.

O golpe por decreto não foi aceito pelos que fizeram a Primavera Árabe no Egito, os protestos começaram e se ampliaram rapidamente, exigindo a imediata revogação de todos esses decretos e o adiamento de um referendo que pretende aprovar uma Constituição feita por uma Assembléia Constituinte eleita sem respeito às leis eleitorais e que as oposições ao partido da Irmandade Muçulmana, vendo que nada podiam fazer, abandonaram. Entre outras coisas, a nova Constituição institui a sharia (lei muçulmana) em um estado que se pretendia laico e é totalmente omissa quanto aos direitos das mulheres, que a sharia limita severamente.

As minorias no país se consideram ameaçadas, entre elas a cristã – no Egito existem mais de três milhões de cristãos, quase todos da Igreja Coopta. O outro grande problema é que, com a Irmandade Muçulmana no comando, o Egito pode voltar a hostilizar Israel, coisa que não faz desde a assinatura de um tratado de paz entre os dois Estados, na década de 70 do século passado.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta sexta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Governo americano autorizou venda de armas que reprimem a primavera árabe

Sexta, 20 de julho de 2012
Da Pública
Agência de Reportagem e Jornalismo Investigativo

Por Zach Toombs e R. Jeffrey Smith, da iWatch News

Enquanto critica a repressão a manifestações populares, Washington autoriza e estimula venda de armamento americano para países como o Egito e a Argélia

Uma cisão dentro do governo americano revela uma das maiores contradições no modo como o país se posiciona internacionalmente. Enquanto se anuncia como defensor da democracia, e apóia manifestações populares contra regimes totalitários pelo mundo, Washington autoriza vendas bilionárias de armas e equipamentos para controle de protestos (como gás lacrimogêneo) para esses mesmos regimes.

A contradição veio à tona depois de um racha na publicação de relatórios feitos por diferentes setores do governo em maio e junho desse ano. De um lado, os departamentos envolvidos com a proteção aos direitos humanos criticam os governos de outros países por falta de princípios democráticos, citando abusos ao direito de expressão, reunião, discurso e escolha política. Do outro, setores ligados aos assuntos político-militares exaltam o sucesso do governo americano no estímulo a um mercado bilionário que só cresce: à exportação de armamento.

Para se ter uma ideia do tamanho desse mercado, o relatório do Departamento de Estado sobre assistência militar, de 8 de junho, afirma que o governo aprovou U$44,28 bilhões em carregamentos e armas para 173 nações no último ano. Entre elas, há lugares onde há fartos relatos de violações de direitos humanos, como Emirados Árabes, Qatar, Israel, Djibouti, Honduras, Arábia Saudita, Kuwait e Bahrein. E pelo menos três países onde o governo local reprimiu a resistência democrática no ano passado – Argélia, Egito e Peru. Além do governo do Egito, que comprou equipamentos para dispersar manifestante, como o gás lacrimogêneo, com o aval de Washington.

No mesmo ano em que estourou a primavera árabe, cresceu a exportação de armas americanas – comércio que o governo americano prefere chamar de “parceria”. As vendas de armas autorizadas alcançou U$44,28 bilhões no ano passado, U$10 bilhões a mais que em 2010. Segundo o departamento de estado americano, deve haver um aumento de 70% no ano que vem.

Essas vendas – somados à a exportação feita diretamente de governo para governo, que são supervisionados pelo Pentágono – fazem dos Estados Unidos o maior provedor mundial de armas convencionais, segundo o Instituto Internacional de Estocolmo para Pesquisa sobre Paz (Stockholm International Peace Research Institute). Rússia, França e China estão logo atrás nesse ranking. Os EUA cresceu recentemente nesse setor graças à expansão das vendas para o Brasil, Arábia Saudita e Índia.

“Nós vamos continuar a pressionar e defender a venda de armas dos Estados Unidos”, disse Andrew Shapiro, Secretário Assistente da Secretaria de Assuntos Político-Militares do governo americano, em coletiva de imprensa sobre a exportação de armas em junho. “Estamos esperançosos de que as vendas para a Índia aumentem. Fizemos grande progresso nessa relação na última década”. Segundo ele, na última década, as vendas de armas para a Índia saltaram de “quase zero” para U$8 bilhões.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Os banqueiros são os ditadores do Ocidente

Quinta, 22 de dezembro de 2011
Robert Fisk (The Independent, UK)
Escrevendo da região que produz a maior quantidade de clichês por palmo quadrado em todo o mundo – o Oriente Médio –, talvez eu devesse fazer uma pausa e respirar fundo antes de dizer que jamais li tal quantidade de lixo, de tão completo e absoluto lixo, como o que tenho lido ultimamente, sobre a crise financeira mundial.

Mas… que seja! Nada de meias palavras. A impressão que tenho é que a cobertura jornalística do colapso do capitalismo bateu novo recorde (negativo), tão baixo, tão baixo, que nem o Oriente Médio algum dia superará a acanalhada subserviência que se viu, em todos os jornais, às instituições e aos ‘especialistas’ de Harvard, os mesmos que ajudaram a consumar todo o crime e a calamidade.

Comecemos pela “Primavera Árabe” – expressão publicitária, grotesca, distorcida, que nada diz sobre o grande despertar árabe/muçulmano que está sacudindo o Oriente Médio – e os escandalosos, obscenos paralelos com os protestos sociais que acontecem nas capitais ocidentais. Fomos inundados por matérias sobre os pobres e oprimidos do ocidente que “colheram uma folha” do livro da “Primavera Árabe”; sobre manifestantes, nos EUA, Canadá, Grã-Bretanha, Espanha e Grécia que foram “inspirados” pelas manifestações gigantes que derrubaram regimes no Egito, Tunísia e – só em parte – na Líbia. Tudo isso é loucura. Nonsense.

A verdadeira comparação, desnecessário dizer, ficou esquecida pelos jornalistas ocidentais, todos ocupadíssimos em não falar de rebeliões populares contra ditaduras, tanto quanto ocupadíssimos em ignorar todos os protestos contra os governos ocidentais “democráticos”, desesperados para separar as coisas, dedicados a sugerir que o ocidente estaria apenas colhendo um último alento dos estertores das revoltas no mundo árabe. A verdade é outra.

O que levou os árabes, às dezenas de milhares e depois aos milhões, às ruas das capitais do Oriente Médio, foi uma demanda por dignidade, a recusa a aceitar os ditadores &  famílias e claques de ditadores que, de fato, viviam como se fossem donos de seus respectivos países. Os Mubaraks e os Ben Alis e os reis e emires do Golfo (e da Jordânia), todos acreditavam que tinham direitos de propriedade sobre tudo e todos.

O Egito pertencia à Mubarak Inc.; a Tunísia, a Tunisia à Ben Ali Inc. (e à família Traboulsi) etc. Os mártires árabes, das lutas contra as ditaduras, morreram para provar que seus países pertencem a eles, ao povo.

E aí está a real semelhança que aproxima as revoluções árabes e ocidentais. Os movimentos de protesto que se veem nas capitais ocidentais são movimento contra o Big Business – causa perfeitamente justificada – e contra “governos”.

O que os manifestantes ocidentais afinal entenderam, embora talvez um pouco tarde demais, é que, por décadas, viveram o engano de uma democracia fraudulenta: votavam, como tinham de fazer, em partidos políticos. Mas os partidos, imediatamente depois, entregavam o mandato democrático que recebiam do povo, do poder do povo, aos banqueiros e aos corretores de ‘derivativos’ e às agências ‘de risco’ – todos esses apoiados na fraude que são os ‘especialistas’ saídos das principais universidades e think-tanks dos EUA, que mantêm viva a ficção de que viveríamos uma ‘crise de globalização’, e não o que realmente vivemos: uma falcatrua, uma fraude massiva, um assalto, um golpe contra os eleitores.

Os bancos e as agências de risco tornaram-se os ditadores do ocidente. Exatamente como os Mubaraks e Ben Alis, os bancos acreditaram – e disso continuam convencidos – que seriam proprietários de seus países.

As eleições no ocidente, que deram poder aos bancos e às agências de risco, mediante a conluio de governos eleitos – tornaram-se tão falsas quanto as urnas que os árabes, ano após ano, eram obrigados a visitar, décadas a fio, para ‘eleger’ os proprietários deles mesmos, de sua riqueza, de seu futuro.

Goldman Sachs e o Real Banco da Escócia converteram-se nos Mubaraks e Ben Alis dos EUA e da Grã-Bretanha, cada um e todos esses dedicados a afanar a riqueza dos cidadãos, garantindo ‘bônus’ e ‘prêmios’ aos seus próprios gerentes pervertidos. Isso se fez no Ocidente, em escala infinitamente mais escandalosa do que os ditadores árabes algum dia sonharam que fosse exequível.

Não precisei – embora tenha ajudado – de Inside Job, de Charles Ferguson, essa semana, na BBC2, para aprender que as agências de risco e os bancos nos EUA são intercambiáveis: o pessoal que lá trabalha muda-se sem sobressalto, dos bancos para as agências, das agências para os bancos… e todos, imediatamente, para dentro do governo dos EUA.

Os rapazes ‘do risco’ (a maioria, rapazes, claro) que atribuíram grau AAA aos empréstimos e derivativos podres nos EUA estão hoje – graças ao poder vicioso que exercem sobre os mercados – matando de fome e medo os povos da Europa, ameaçando-os de ‘rebaixar’ os créditos europeus, depois de se terem associados a outros criminosos do lado de cá do Atlântico, associação que já se construía desde antes do crash financeiro nos EUA.

Acredito que dizer menos ajuda a vencer discussões, mas, perdoem-me: Quem são esses seres, cujas agências de risco metem mais medo nos franceses hoje, que Rommel em 1940?

Por que os meus colegas jornalistas em Wall Street nada me dizem? Como é possível que a BBC e a CNN e – ah, santo deus, também a al-Jazeera – tratem essas comunidades criminosas como inquestionáveis instituições de poder? Por que nada investigam – Inside Job já abriu o caminho! – desses escandalosos corretores duplos?

Fazem-me lembrar o modo igualmente acanalhado como tantos jornalistas norte-americanos cobrem o Oriente Médio, delirantemente evitando qualquer crítica direta a Israel, imbecilizados por um exército de lobistas pró-Likud, dedicados a explicar aos leitores e telespectadores por que devem confiar no “processo de paz” norte-americano para o conflito Israel-Palestinos, porque os ‘mocinhos’ são os “moderados” e todos os demais são os ‘bandidos’ “terroristas”.

Os árabes, pelo menos, já desmascararam todo esse nonsense. Mas quando os manifestantes contra Wall Street fazem o mesmo, imediatamente passam a ser “anarquistas”, os “terroristas” sociais das ruas dos EUA que se atrevem a exigir que os Bernankes e Geithners sejam julgados pelo mesmo tipo de tribunal que julga Hosni Mubarak. Nós no Ocidente – nossos governos eleitos – criamos nossos ditadores. Mas, diferentes dos árabes, ainda mantemos intocáveis os nossos ditadores, intocáveis.

O chefe de governo da República da Irlanda, Enda Kenny, solenemente informou ao povo que seu governo não é responsável pela crise em que se debatem todos os irlandeses. Todos já sabiam, é claro. O que ele não contou ao povo é quem, então, seria o responsável. Já não seria mais que hora de ele e seus colegas primeiros-ministros da União Europeia contar o que sabem? E quanto aos nossos jornalistas e repórteres?

Fonte: Tribuna da Imprensa