Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Sinuca de bico

A doação de passagens de pedestres e áreas verdes do Gama para policiais da PM e dos Bombeiros ainda vai dar muita dor de cabeça para as autoridades do DF, apesar de até o momento a maior dor de cabeça provocada pela Lei 780 de 2008 ter ficado com os moradores do Gama.

A lei que prevê a doação já é alvo de duas ações diretas de inconstitucionalidade, Adins, uma apresentada pelo Ministério Público Federal e outra pela Ordem dos Advogados do Brasil, Seção DF, e mais uma ação popular, todas elas requerendo a anulação da Lei 780 por considerá-la inconstitucional.
Também há quase duas centenas de moradores que possuem da Justiça decisão liminar que proíbe a ocupação das passagens pelos policiais da PM e dos Bombeiros. Só com um dos advogados que defendem os interesses dos moradores há mais de 170 liminares obtidas pela Justiça. Até o momento houve apenas duas ações, uma com dez moradores e outro com apenas nove, em que um mesmo juiz sentenciou pela improcedência do direito desses moradores. O advogado está recorrendo da decisão ao próprio juiz. Caso a sentença desfavorável seja mantida, o advogado recorrerá ao Tribunal de Justiça do DF. É bom lembrar que o tribunal vem até o momento decidindo a favor do pleito dos moradores. Acredita-se que se o juiz não reformar sua decisão os moradores ganharão a causa ao apelarem para o Tribunal de Justiça.
O presidente da Codhab - Companhia de Desenvolvimento Habitacional do DF, José Luiz Neves, e o deputado licenciado Paulo Roriz, secretário da SEDUH - Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Habitação, estão com um problemão, entraram numa sinuca de bico. Eles foram questionados no dia 19 de agosto pela Ordem dos Advogados do Brasil/DF – OAB - sobre o processo de doação de áreas verdes e passagens de pedestres do Gama a policiais da PM e dos Bombeiros.
A OAB quer descobrir o grau de transparência (ou opacidade) desse questionado processo de destruição das áreas verdes e passagens de pedestres. A Ordem dos Advogados deseja conhecer a relação dos policiais contemplados com as áreas verdes e passagens de pedestres. Também quer que a Codhab e a Secretaria da Habitação informe o número de matrícula de tais policiais, bem como em que Diário Oficial do DF foram publicadas essas doações.
Será difícil, muito difícil mesmo, responder às questões acima. Não por inexistência das informações no governo do DF, mas sim pelo alto risco de a população tomar conhecimento de que o processo pode não estar primando pela transparência, pela retidão de procedimentos e de critérios na escolha dos militares que se candidataram à doação de uma área verde, área que é também passagem de pedestres da cidade do Gama.
Os dois auxiliares do governador Arruda para a área da habitação, José Luiz Neves e o deputado licenciado Paulo Roriz, poderiam aproveitar a oportunidade e explicar também quais os procedimentos formais que tomaram diante da divulgação pela mídia de casos de militares que apesar de não se enquadrarem na Lei 3.877 de 2006 (lei que trata do programa habitacional de interesse social) terem sido beneficiados com a doação das passagens de pedestres e áreas verdes na cidade do Gama. São militares que possuiriam renda familiar maior do que os 12 salários mínimos, que é o máximo de renda familiar que alguém pode ter para ser beneficiado pela Lei 3.877, ou não residiriam no Distrito Federal nos últimos cinco anos, que também é um pré-requisito para ser enquadrado no programa habitacional do governo do DF.
Não responder à OAB poderia ser uma alternativa dos dois servidores públicos. Mas essa é uma alternativa da qual eles, possivelmente, não se valerão, pois, caso assim façam, lhes trarão sérias complicações jurídicas. São claras a constituição e legislação complementar no que se refere a esse tipo de obrigação que se impõe ao servidor público.
A constituição em seu artigo 5º, inciso XXXIII, reza que “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.
O prazo para a prestação de informação é determinado pela Lei 9051 de 19 de abril de 1995. Em seu artigo 1º essa lei expressa que “As certidões para a defesa de direito e esclarecimentos de situações, requeridas aos órgãos públicos da Administração centralizada ou autárquica, às empresas públicas, às sociedades de economia mista e às fundações públicas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, deverão ser expedidas no prazo improrrogável de quinze dias, contado do registro do pedido no órgão expedidor”.
Diante do previsto na legislação brasileira não restará outra coisa à Codhab e à SEDUH - Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Habitação que não seja a resposta ao pedido da Ordem dos Advogados do Brasil. E espera-se que a OAB/DF, que enfrentou a ditadura, resistiu ao arbítrio, defendeu a democracia, certamente tomará as providências legais para responsabilizar os servidores públicos que porventura não respondam ao questionamento.
O requerimento de informações foi entregue pela OAB à Codhab e à Seduh no último dia 19 de agosto. Já estamos no dia 4 de setembro, portanto quase que estourando o prazo de 15 dias que o presidente da Codhab e o secretário da Habitação têm para cumprir a obrigação de informar.
É bom salientar que a Lei 3.877 de junho de 2006 determina em seu artigo 4º que para “participar de programa habitacional de interesse social” o interessado “deve residir no Distrito Federal nos últimos cinco anos” e “ter renda familiar de até doze salários mínimos”. Quando das doações dos lotes, um sargento da PM ou dos Bombeiros, mesmo recém formado, ganhava acima dos 12 salários mínimos. Isso, pelo que se sabe, está inclusive provocando um mal-estar entre alguns policiais, pois alguns soldados se sentem preteridos no recebimento dos lotes.
A OAB quer saber. A população também. E o governo tem a obrigação de explicar. Caso não esclareça direitinho é porque a coisa é mais feia do que no momento se fala e se acredita ser. Veja também
Enquanto a Justiça não decide pela inconstitucionalidade
da Lei 780/2008 as áreas verdes vão sendo destruídas.
A foto acima mostra a derrubada com motoserra de castanheiras 
em área verde no setor Shisleste do Gama