Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

A volta do patrulhamento

Sexta, 8 de janeiro de 2010
Por Ivan de Carvalho
Petistas estão preparando uma perseguição ao cantor e compositor baiano Caetano Veloso, durante o carnaval em Salvador, no qual o filho de dona Canô costuma marcar sempre e fortemente sua presença. Pretendem vaiá-lo nos “circuitos top” do carnaval, em todas as ocasiões em que ele neles apareça.
O jornalista Levi Vasconcelos, que assina a coluna Tempo Presente no jornal A Tarde, foi o casual autor de um flagrante de planejamento da ação petista, em um restaurante da Pituba. Ali ele não estava bisbilhotando – o que seria normal, tendo em vista sua profissão –, mas também não é surdo. Ouviu muito bem o que diziam os petistas que estavam lá.
    Dirigiu-se a eles, com a natural intenção de obter mais detalhes, mas os militantes petistas trataram de desconversar, dizendo que aquilo que haviam dito não era bem aquilo que haviam dito. Assim como quem diz que uma rosa não é uma rosa, o tipo de desconversa que não engana sequer um foca, jornalista iniciante, muito menos um experiente profissional de imprensa, como é Levi.
    Que imediatamente ligou as vaias programadas às críticas feitas por Caetano Veloso ao presidente Lula no fim do ano passado, qualificando-o de “analfabeto, grosseiro e cafona” e acrescentando depois que, no Brasil de hoje, quando se trata de Lula, só vale elogio. “Quem malha, leva pau”, completou na ocasião o astro principal do tropicalismo. E quando sua querida mãe, dona Canô, pediu desculpas a Lula pelas declarações do filho querido, Caetano se apresentou em um show cantando “eu não peço desculpas / e nem peço perdão”.
    Ontem, a direção estadual do PT garantia que o partido não está programando vaias para Caetano. Mas a direção vai segurar a galera dos militantes? Pelo que Levi ouviu do grupo de militantes no restaurante, o esquema já está sendo montado. Sem o conhecimento da direção e à revelia dela, presume-se, supõe-se e até podem alguns acreditar mesmo.
    Lula pode ter discordado do que sobre ele disse Caetano, mas nem como indivíduo nem como presidente se sentiu difamado ou injuriado. Do contrário, também presume-se, teria entrado com uma ação penal contra o autor.
Lula, suponho, deve se considerar invulnerável – se bem que Aquiles também era, até que uma seta lhe atingiu o tendão que move o pé pelo qual sua mãe o segurara para mergulhar-lhe o corpo no rio Estige. Mas aquela parte não tomou o banho mágico.
Por que escrever tanto sobre vaias em potencial ainda para o carnaval? A resposta é simples. A prioridade delas não é, obviamente, atingir Caetano Veloso, que já se revelou intimorato, mas intimidar outros que, como ele, sintam-se tentados a criticar Lula e, por extensão, o PT. É a restauração do patrulhamento, esta “polícia do pensamento” à qual facções políticas autoritárias recorrem com frequência.
Aí lembro-me da atriz Regina Duarte dizendo que tinha “medo de Lula”. E de quanto ela apanhou por isto, e de quantos por isto silenciaram, até que Caetano Veloso levantasse da rede e resolvesse falar e cantar.

Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta sexta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano

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Observação do Gama Livre. Veja a seguir Caetano dizendo que não pede desculpa e nem pede perdão.