Segunda, 28 de maio de 2012
Por Ivan de Carvalho

Estou
me referindo ao caso da entrevista que a repórter Mirella Cunha fez na 12ª
Delegacia em Itapuã, com um cidadão suspeito de roubo (que admitiu) e estupro (que
negou).
Alguns resultados já foram produzidos. Um deles
foi a informação da Band Bahia de que decidira suspender a repórter que fez a
entrevista enquanto se dedicaria a avaliar o caso dela e de outras pessoas da
emissora de modo a verificar a conveniência ou não de outras providências. Peça
menor da engrenagem, corda quebrando do lado mais fraco, Mirella foi a única
pessoa até agora punida.
Mas o essencial não é a punição, seja ela qual
for, de uma repórter, dos responsáveis pela produção e pela edição, de um
apresentador que tem o discernimento suficiente para compreender o que estava
acontecendo e, querendo, interromper o que representava uma violação, em curso,
da Constituição e dos direitos humanos.
É óbvio que, caso se tratasse de uma entrevista
em que a garantia constitucional de igualdade racial e a legislação pertinente
estivessem sendo clara e ostensivamente violadas, a entrevista teria morrido na
edição e, se por esta passasse, na apresentação do programa certamente a
entrevista não sairia incólume.
Outros resultados, além do anunciado na nota da
Band – e que é o de menor importância, pois a própria emissora, localmente e em
rede nacional, exibiu a entrevista e é ela própria, assim, responsável pelo
acontecido – já se manifestaram. A diretoria da Associação Bahiana de Imprensa
incluiu o caso na pauta de sua próxima reunião. Até ontem, o vídeo da
entrevista posto no Youtube já tivera 400 mil acessos. No twitter, o tema foi
presença constante no país e pontuou até fora dele, mas em Salvador foi parar
no primeiro lugar do trend topics. Redes
sociais, sites, blogueiros e colunistas trataram do assunto no país. Uma “carta
aberta” ao governador, à SSP-BA, ao Ministério Público estadual, à Defensoria
Pública estadual e à Sociedade Baiana foi feita, assinada e divulgada por
jornalistas e rapidamente ganhou muitas centenas de adesões de todas as partes
do Brasil.
O MP vai entrar no caso. O suspeito apresentado
na entrevista tinha um grande hematoma no rosto e disse que “foi uma maldade
que fizeram comigo”. Depois de dominado fisicamente? Então foi crime. Ao MP
cumpre responsabilizar o autor ou autores. Como ao MP e à Defensoria Pública,
junto com a autoridade do Poder Executivo responsável pelo sistema prisional, cumpre
zelar pelo que resta da integridade moral e física do preso. A Defensoria Pública
está obrigada a exercer a defesa do acusado, obviamente sem recursos para pagar
advogado particular.
Resta
ainda saber quem ou qual órgão entrará com uma ação por danos morais contra os
diversos responsáveis, pessoas (no lado da imprensa como no lado das
autoridades policiais) e entidades, como a empresa concessionária de TV e o
Estado da Bahia, em cuja estrutura está a 12ª Delegacia, de Itapuã. Podia ser
talvez qualquer outra.
Mas outro resultado a ser obtido – o principal de
todos eles – é acabar com o sistema de conseguir audiência à custa de direitos
e garantias constitucionais, cuja violação é tipificada no Código Penal. Citando
o comentário inteligente do jornalista Bob Fernandes, na semana passada, na Rádio
Metrópole, é preciso combater esse estilo de programa que se espalhou no Brasil
inteiro, de presumir “que se combate um crime cometendo outro”.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta segunda.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.
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