Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

O fundo do poço

Terça, 11 de dezembro de 2012
“Como vota aí de sua cela Vossa Excelência, deputado fulano?”
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Por Ivan de Carvalho
O constituinte brasileiro de 1988 tem sido qualificado de avançado, (talvez seja por isto que o PT se recusou a assinar a Constituição). Tem sido também qualificado de sonhador (por garantir coisas que só milagrosamente poderiam se concretizar). Tem sido qualificado de visionário. E ainda de extremamente detalhista, regulando coisas que melhor ficariam em uma resolução ou portaria.

            Agora está a ponto de ganhar novas qualificações – as de bisonho e estabanado, desatento e enrolado. É o que se depreende das discussões e votos da sessão de ontem do Supremo Tribunal Federal sobre se as sentenças condenatórias do STF são ou não determinantes para a perda dos mandatos dos réus condenados que são parlamentares ou se é ao Congresso (no caso, à Câmara) que cabe dar a palavra final.

            O artigo 15 da Constituição estabelece que uma condenação criminal transitada em julgado leva à cassação dos direitos políticos e, consequentemente, à perda de mandato. Entenderam que a perda do mandato é automática, cabendo à Câmara, tão somente, declará-la formalmente, sem alternativa, os ministros Joaquim Barbosa (presidente do STF e relator da Ação Penal 470, isto é, do processo do Mensalão) e os ministros Luiz Fux, Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello.

            Ocorre que o artigo 55 determina que um deputado ou senador condenado perderá o mandato, mas determina também que a decisão cabe à Câmara ou ao Senado, “por voto secreto e maioria absoluta”. Como é mesmo? Determina que perde, mas determina que isso ocorre “por votação secreta e maioria absoluta”. Se tem votação, o resultado pode ser a favor ou contra, ou não faria sentido votar. Então esse artigo, ao contrário do outro, não determina que o condenado perde o mandato, melhor seria dizer que pode perder – ou não.

            Bem, com o malemolente artigo 55, um primor de dispositivo constitucional em cima do muro, votaram os ministros Ricardo Lewandowski, Rosa Weber, Dias Toffoli e Carmen Lúcia.

            Resultado da sessão de ontem: quatro votos a quatro, empate. E o presidente Barbosa encerrou a sessão e marcou outra para quarta-feira – a decisão sobre o destino dos mandatos dos três deputados condenados. Com o escore em quatro a quatro, o ministro Celso de Mello, que ainda não votou, é o fiel da balança, a não ser que algum dos ministros que já votaram mude seu voto. Celso de Mello, decano do STF, em intervenções ao longo da sessão de ontem, já defendeu que a palavra final é do tribunal, cabendo à Câmara apenas formalizar a decisão, sem decidir (votar) coisa nenhuma. Caso Celso de Mello – para quem a perda dos direitos políticos acarreta a perda do mandato – vote como indicou e nenhum ministro mude o voto, a decisão será por cinco a quatro pela perda automática do mandato, a ser apenas necessariamente declarada pela Câmara.

            Mas o presidente da Câmara, o deputado Marco Maia, do PT, fez declarações segundo as quais a Câmara não deve submeter-se ao Supremo Tribunal Federal e, mesmo que o STF decida pela perda automática do mandato, a Câmara deve fazer a tal votação secreta para decidir se declara a extinção dos mandatos dos deputados criminosos. No voto secreto.

            Imaginemos que decida pela persistência do mandato do criminoso condenado. Aí, no uso de suas atribuições, a Câmara vai votar um projeto de lei, o orçamento da União, uma emenda constitucional. E o presidente Marco Maia então pergunta pelo telefone vermelho: “Como vota aí de sua cela Vossa Excelência, deputado fulano?”.

            Mas imaginemos ainda que o deputado fulano seja líder de bancada ou bloco. E o presidente, numa votação simbólica, pega o telefone vermelho e respeitosamente indaga: “Como votam o nobre líder Ali Babá e sua nobre quadrilha?”.
            Que não desçamos tão baixo.
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Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta terça.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.