Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

terça-feira, 23 de julho de 2019

Demolição de casas palestinas por Israel viola direito humanitário internacional, diz ONU; Sobre a Itália, relatores da ONU criticam criminalização dos resgates de migrantes

Terça, 23 de julho de 2019

Da
ONU Brasil

Menina palestina na Cisjordânia. A jovem e sua família foram forçadas a abandonar o local onde moravam duas vezes ao longo de 2018. Imagem de arquivo. Foto: UNRWA/Lara Jonasdottir
Menina palestina na Cisjordânia. A jovem e sua família foram forçadas a abandonar o local onde moravam duas vezes ao longo de 2018. Imagem de arquivo. Foto: UNRWA/Lara Jonasdottir
Três dirigentes das Nações Unidas afirmaram que a demolição por autoridades israelenses de prédios residenciais na comunidade palestina de Sur Bahir, na Cisjordânia, constitui uma violação do direito humanitário internacional. Na manhã desta segunda-feira (22), quando ainda estava escuro, centenas de soldados israelenses participaram de uma operação para expropriar moradores e destruir suas casas no vilarejo.
De acordo com a imprensa internacional, as expulsões e demolições ocorreram após a Suprema Corte de Israel decidir em junho último que as casas foram erguidas muito perto da barreira de separação na Cisjordânia ocupada, em violação a uma proibição. Os prédios visados pelas autoridades israelenses ficavam localizados dentro de Jerusalém Oriental.
“A destruição de propriedade privada em território ocupado só é permitida quando absolutamente necessária para operações militares, o que não se aplica”, afirmaram Jamie McGoldrick, coordenador humanitário da ONU, Gwyn Lewis, diretora de Operações na Cisjordânia para a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA), e James Heenan, chefe do Escritório de Direitos Humanos da ONU na região.
Na avaliação das autoridades, a decisão de Israel não é compatível com as obrigações do país sob o direito internacional humanitário.

Os dirigentes disseram ainda que a operação “resulta em despejos forçados e contribui para o risco de transferências forçadas, (já) enfrentado por muitos palestinos na Cisjordânia, incluindo em Jerusalém Oriental”.
“Entre os deslocados à força ou impactados no geral, estão refugiados palestinos, alguns deles enfrentando a realidade de um segundo deslocamento em vida”, ressaltaram as autoridades da ONU.
Vários palestinos relataram ter investido as economias de suas vidas inteiras nas propriedades, após conseguirem as permissões exigidas com a Autoridade Palestina.
“Nenhuma quantidade de assistência humanitária pode substituir um lar ou cobrir as gigantes perdas financeiras sofridas hoje pelos proprietários”, acrescentaram os dirigentes das Nações Unidas.
O pronunciamento aponta ainda que o episódio pode abrir um precedente para justificar novas demolições. “O que aconteceu hoje em Sur Bahir é de importância ainda maior, uma vez que muitas casas e estruturas agora correm o risco de enfrentar o mesmo destino.”
Em 2004, a Corte Internacional de Justiça decidiu contra a legalidade da construção da barreira Israelense. O tribunal também concluiu que as partes da barreira que adentram a Cisjordânia — incluindo Jerusalém Oriental e a região onde está Sur Bahir — não podiam ser justificadas por exigências militares. A presença da separação violava as obrigações de Israel sob o direito internacional, segundo a instituição.
Também em 2004, a Assembleia Geral das Nações Unidas exigiu que Israel cumprisse com suas obrigações legais, conforme determinado pela Corte Internacional de Justiça.
“Se tivesse havido ação concreta para garantir respeito a estes princípios, ao direito humanitário internacional e ao direito internacional de direitos humanos no geral, as pessoas de Sur Bahir não estariam sofrendo o trauma que estão sofrendo hoje nem as violações de seus direitos”, concluíram as autoridades da ONU.
==============

Itália: relatores da ONU criticam criminalização dos resgates de migrantes

Embarcação da organização Sea Watch resgata refugiados e migrantes no Mar Mediterrâneo. Imagem de 2016. Foto: ACNUR//Hereward Holland
Embarcação da organização Sea Watch resgata refugiados e migrantes no Mar Mediterrâneo. Imagem de 2016. Foto: ACNUR//Hereward Holland
Especialistas em direitos humanos da ONU manifestaram preocupação neste mês (18) com a detenção e a imputação de processos criminais contra a alemã Carola Rackete, capitão da embarcação de resgate de migrantes Sea-Watch 3. A navegadora foi presa em junho último depois de aportar em Lampedusa, na Itália, com 40 migrantes a bordo do navio. Em julho, Carola foi solta, mas a ativista continua enfrentando acusações na Justiça.
“Resgatar migrantes em apuros no mar não é um crime”, disseram relatores da ONU.
“Instamos as autoridades italianas a cessar imediatamente a criminalização de operações de busca e resgate.”
Carola Rackete foi detida e colocada em prisão domiciliar em 29 de junho de 2019. Em 1º de julho de 2019, Rackete se apresentou a uma juíza por acusações de que havia ignorado a polícia e ancorado em Lampedusa. Ela também era acusada de ter batido em um barco de patrulha da polícia.
A juíza rejeitou as acusações no dia seguinte e decidiu que Carola havia cumprido seu dever de resgatar pessoas em apuros no mar. A magistrada ordenou a libertação imediata da alemã.
Desde então, Carola recebeu ameaças de morte e de estupro e foi alvo de diversas mensagens sexistas na Internet.
A alemã continua sob investigação em procedimentos criminais distintos, por acusações relacionadas aos supostos fatos de ter colocado em perigo as vidas de policiais e de facilitar a migração ilegal. Se condenada, Carola pode enfrentar até 15 anos de prisão.
“As tentativas em andamento de suprimir operações de busca e resgate de organizações não governamentais colocam em risco as vidas de migrantes que tentam cruzar o mar”, disse Obiora Okafor, especialista independente da ONU sobre direitos humanos e solidariedade internacional.
“Esta perseguição pode ter um efeito inibidor sobre defensores dos direitos de migrantes e sobre a sociedade civil como um todo”, acrescentou Michel Forst, relator especial sobre os defensores de direitos humanos.
Após sua decisão de libertar Carola, a juíza italiana Alessandra Vella tem sido atacada na mídia. O ministro do Interior italiano, Matteo Salvini, disse nas redes sociais que a decisão pela soltura foi um “julgamento político”, que permitiu a libertação de uma “criminosa”. Salvini convidou a juíza — que ele descreveu como uma “esquerdista” — a tirar a toga e se candidatar à eleição pelo Partido Democrata.
“Acusações políticas e ideológicas feitas contra um juiz por autoridades do Executivo, simplesmente pelo cumprimento de uma norma bem estabelecida do direito público internacional, que estabelece um dever de resgatar pessoas em apuros no mar, constitui uma séria quebra dos princípios da independência judicial e da separação dos poderes”, afirmou Diego García-Sayán, relator especial sobre a independência de juízes e advogados.
“O dever de respeitar e aceitar os julgamentos e as decisões do Judiciário constitui um corolário necessário do princípio da separação dos poderes.”
Ainda segundo García-Sayán, “políticos devem se abster de comentar sobre decisões judiciais, especialmente quando procedimentos legais ainda estão em andamento”.
“Declarações públicas e ataques pessoais de figuras políticas do alto escalão são uma séria interferência na autonomia de juízes individuais e podem ter um efeito de enfraquecer a autoridade do Judiciário como uma ramificação autônoma do poder do Estado”, acrescentou.
Especialistas da ONU já haviam manifestado preocupação, em duas cartas oficiais ao governo italiano, com a criminalização e o bloqueio da ajuda humanitária para refugiados e migrantes no Mar Mediterrâneo. As cartas lembraram a proibição de que navios de ONGs desembarquem em portos italianos.
Em 14 de junho de 2019, a Itália aprovou um decreto emergencial que impôs multas aos navios por cada pessoa resgatada no mar e transferida para território italiano. O decreto também permite que as embarcações tenham suas licenças revogadas ou suspensas.
“Essas medidas legislativas precipitadas têm o potencial de prejudicar seriamente os direitos humanos de migrantes, incluindo vítimas de detenções arbitrárias, torturas e outras sérias violações de direitos humanos”, disseram os especialistas.
Segundo os relatores, essas leis são diretamente contrárias às obrigações da Itália com os direitos humanos, incluindo a obrigação de respeitar e proteger o direito à vida.
Além de Diego García-Sayán, Michel Forst e Obiora Okafor, também assinaram o pronunciamento conjunto o relator especial sobre direitos humanos de migrantes, Felipe Gonzáles Morales, e a relatora especial sobre violência contra as mulheres, Dubravka Simonovic.