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(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 11 de julho de 2019

Eleições, Financiamento Público e a Crise da Democracia (Artigo)

Quinta, 11 de julho de 2019
Do 
MCCE*


Por
Melillo Dinis – Advogado e analista político em Brasília. Codiretor nacional do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral – MCCE
Em 2020 teremos eleições em todos os municípios brasileiros. Serão milhares de candidatos a vereadores e prefeitos. Mais uma vez a população será convocada a contribuir com a democracia brasileira. Além dos seus votos, os eleitores vão ter parte do seu dinheiro público nas campanhas. Desde decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que impediu empresas de fazer doações, o Congresso Nacional se movimentou para estabelecer as normas de financiamento público das campanhas políticas. Foi uma solução que adotou a ideia de que este é um caminho mais “constitucional”!
Em 2017 o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), criado pelas Leis nº 13.487 e 13.488, foi criado. O FEFC tornou-se uma das principais fontes de receita para a realização das campanhas. Foi um avanço. Contudo, os valores foram significativos e nas eleições de 2018 foi disponibilizado um total de R$ 1.716.209.431,00.
Além dele, antes do período eleitoral, os partidos políticos têm outros recursos públicos, o Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos, denominado Fundo Partidário (FP), constituído por dotações orçamentárias da União, multas, penalidades, doações e outros recursos financeiros. No mês de março de 2019, 21 partidos políticos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), receberam um total de R$ 76.875.422,50 de recursos do FP. Não foram todos os partidos existentes que receberam em face à cláusula de barreira, que estabeleceu novas normas para o acesso das siglas aos recursos do Fundo e ao tempo de propaganda eleitoral gratuita. O FP, criado em 1996 para bancar o custeio administrativo dos partidos políticos, cresceu quase 500% desde sua implantação e deverá chegar em 2020 a quase R$ 1 bilhão no próximo ano, segundo previsão do TSE.
A democracia custa muito. A ditadura custa muito mais. Inobstante esta constatação, há uma insensibilidade de uma parte dos políticos brasileiros com relação ao dinheiro público. Recente notícia informa que o relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), o Deputado Cacá Leão (PP-BA), abriu caminho para um aumento que cobre gastos com campanhas eleitorais nos municípios em 2020. O FEFC pode passar de R$ 1,7 bilhão de 2018 para R$ 3,5 bilhões em 2020 – o aumento é de 105%.
Diante do quadro social brasileiro, com milhões de desempregados e desalentados, das dificuldades tremendas das contas públicas, do aumento da fome e da pobreza, da necessidade de uma gestão pública ética, eficiente, eficaz e efetiva, a elevação das despesas com os políticos e suas campanhas acaba se transformando em uma afronta. É um exagero e falta um debate com a sociedade sobre o volume destes gastos.
A prática política no Brasil, especialmente quando o assunto é financiamento, beira o paradoxo. Somos tão pobres cidadãos que a prática política depende fundamentalmente de um grande financiador, seja o dinheiro privado das grandes corporações que o STF reduziu a presença no Brasil mas que sobrevive na forma de Caixa 2, seja o financiamento dos candidatos milionários ou seja o dinheiro público esbanjado como se não houvesse amanhã. A presença dos políticos nas redes sociais, que seria uma forma de reduzir custos, acabou virando o feitiço a favor dos feiticeiros e contra a população. Recordo-me sempre, nestes momentos, do jovem Winston Churchill. Ele foi parlamentar aos 25 anos, pelo Partido Conservador, no circuito eleitoral de Oldham, na velha Inglaterra. Sua campanha foi financiada por meio de palestras. Ele e seus poucos apoiadores organizavam eventos e arrecadavam recursos que eram utilizados para o financiamento. Ali ele treinava a sua retórica e conhecia seus eleitores. Claro que naqueles tempos os custos de campanhas eram mais simples. E é mais verdade ainda que há diferenças grandes entre a virada do século XX e estes tempos sombrios que estamos submetidos. Pior, Winstons são cada vez mais raros na política em todo o mundo. Aqui no Brasil, este tipo de político está em forte extinção.
A questão que precisamos discutir, além do custo do voto, é a infantilidade em que a nossa vida política se transformou. Além da arenga permanente que nos reduz cada vez mais a consumidores mimados e em cidadãos enganados, temos políticos desprovidos de qualquer outro caminho para suas campanhas que não seja o sangramento dos cofres públicos. O desencanto com a política persiste por conta de muitos espasmos anticívicos que são expelidos com frequência pelo Congresso Nacional. Eles só existem por conta de nosso pouco controle e quase nenhuma participação cidadã. A democracia, apesar de tudo, resiste. Sem uma reforma política que crie um sistema mais eficiente e justo, não sabemos por quanto tempo.

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