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(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 15 de julho de 2019

A vez dos jurássicos

Segunda, 15 de julho de 2019
Por PAULO METRI*

Nossa missão gloriosa será retirar as chuteiras penduradas atrás da porta e, ao ser escalado para ajudar na linha de frente, contribuir com a sociedade.


Nunca pensei que os seres jurássicos fossem “renascer”. E não falo da epopeia do aproveitamento do DNA deles encontrado em um mosquito, que acabara de saborear o sangue deles, há milhões de anos, pouco antes de ser confinado em âmbar.

Os jurássicos em questão são os que sobreviveram aos anos de tortura e assassinatos dos ditadores, aos anos da busca por preservação da frágil democracia conquistada, com a inocentação dos antigos torturadores e assassinos e a promulgação da Constituição Cidadã, aos poucos anos do pseudo salvador da pátria, aos breves anos de Itamar que, apesar de medidas corretas, errou fragorosamente ao escolher o sucessor, aos anos do prestidigitador que “flexibilizava” quando doava, que introduziu a competição no suposto “mercado perfeito” composto por cartéis, aos anos do contraponto, quando outro mundo foi mostrado ser possível, aos anos agridoce de conciliação entre o neoliberalismo e atos de inclusão social e, finalmente, aos últimos anos de escárnio e tristeza.
Espero que a sociedade não precise ir até o fundo do poço para começar a inflexão que irá reverter decisões recentes de destruição de nossa soberania, das nossas conquistas enquanto sociedade e, principalmente, da nossa autoestima. Porém, já aconteceu, no passado, do fundo do poço ser elástico, se esticando para além da profundeza de desgraça que afligia. Então, para a reversão de início imediato, os jurássicos podem ser a cavalaria dos mocinhos que chegará para o pronto reestabelecimento da felicidade do povo.

Nossa missão gloriosa será retirar as chuteiras penduradas atrás da porta e, ao ser escalado para ajudar na linha de frente, contribuir com a sociedade. Vamos utilizar muitos dados e fatos históricos, que estão todos nas nossas memórias, não precisando decorar nada. Deporemos porque, simplesmente, somos testemunhas da História.

Assim, poderemos começar lembrando o legado deixado por nossos pais, que na verdade é também o legado de Getúlio Vargas. Ele transformou em seus dois períodos no poder positivamente a face da Nação brasileira. Transformou um país agrícola em um país no estágio inicial da industrialização. Pegou um país com o trabalhador totalmente desprotegido da ganância do capital e o entregou com uma legislação de proteção a quem trabalha. Por isso, as gerações dos representantes do capital nunca o perdoaram e, sem esmorecer, prepararam uma ardilosa estratégia, que finalmente está dando certo, e hoje, está sendo desmontada a rede de proteção social vinda da era Vargas e aperfeiçoada durante a elaboração da Constituição.

Mas, Vargas fez muito mais que estes dois pontos. Ele criou as bases para uma verdadeira administração pública. Introduziu o concurso para a admissão nesta administração e elaborou planos de carreiras, prestigiando a meritocracia. Foi, no seu governo, que a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) foi implantada e o BNDES, a Petrobras e a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) foram criadas. O voto feminino foi conquistado durante seu período. Muitas vezes, ele tinha o apoio de forças políticas que comungavam do mesmo ideal. Um exemplo que pode ser dado é o do movimento “O petróleo é nosso”, que ajudou muito a conter a posição das petrolíferas estrangeiras e dos seus países de origem. Mas, além de tudo, Vargas era um político hábil, preocupado com os mais pobres e tinha o projeto de um Brasil soberano.

Recebemos, ainda, da geração dos nossos pais os legados de outros antigos presidentes. Juscelino Kubitschek trouxe desenvolvimento para o Brasil, em parte com a questionável abertura para o capital estrangeiro, mas muito graças à expansão da infraestrutura, à transferência da Capital para Brasília e à racional e frenética busca por realizações. João Goulart teria sido um ótimo presidente se o tivessem deixado governar. Ele apareceu em plena Guerra Fria com preocupações sociais. A imposição do perigo comunista às populações de países subdesenvolvidos e ricos em recursos naturais, com baixa politização, consistia na armadilha que beneficiava grupos externos. Assim, aceitamos combater os comunistas, um inimigo interno, que não representava grande ameaça, sob o ponto de vista militar.

Entrando em período maduro, no qual estava consciente de muitos fatos que nos circundavam, posso dizer sem buscar relevar qualquer agressão aos direitos humanos, que os governantes militares, apesar de representar período odiento, buscaram o desenvolvimento com grau razoável de soberania. Tivemos expansão industrial, com a participação de empresas genuinamente nacionais, e desenvolvimentos tecnológicos realizados no país por entes nacionais. Aos governos militares, sucederam governos eleitos democraticamente de tendências políticas diversas, com imenso alívio na questão dos direitos humanos, mas nenhum de grande expressão, até o advento de Lula. Cabe ressaltar no período, por sua face neoliberal, o governo FHC, causador de mais estragos que benefícios à sociedade.

Os governos Lula foram voltados para beneficiar a população, principalmente a mais carente. Sob este ponto de vista, lembrou muito o período de Vargas. Apesar do ato de listar os benefícios causados por Lula irritar muita gente, eu seria falho se não listasse alguns. 42 milhões de pessoas, uma população da Argentina, ascenderam nas classes de renda, sendo que mais de uma dezena de milhões deixou de ser miserável, ou seja, deixou de ter a perspectiva de morte iminente. Mais universidades, mais vagas nas universidades, mais financiamento para quem queria estudar, mais médicos para os pobres, maior facilidade para adquirir uma casa própria, mais empregos, mais verba para a expansão industrial, além de outras realizações, ocorreram nos governos Lula.

Neste ponto, é descoberto no cenário nacional, pela mídia e os estrategistas da direita, um antigo e obscuro parlamentar com as características de não se importar em fazer papéis inconcebíveis, desde que agrade aos menos politizados, de representar o herói anti PT, aproveitando a doutrinação contrária a este partido que a mídia do capital vinha impondo de longa data. Este candidato é eleito, com a irresponsabilidade da direita, pois sua eleição representou o apoio ao retorno de agressões aos direitos humanos. Além disso, ele foi eleito com compromisso único com os mais ricos e poderosos, quer sejam do agronegócio, dos bancos, do setor de armamentos, os evangélicos e a força superior a todas estas, a do governo norte americano.

Tenho esperança que estas e outras histórias, sendo contadas, irão contribuir para a reversão da queda acelerada do bem estar da população. Recebemos este “bem estar” dos nossos pais em melhor posição que a atual e não podemos entregá-lo degradado, como está, para nossos filhos. Desta forma, os jurássicos só estão liberados para morrer depois que espalharem a realidade em que encontraram o mundo e como ele foi, infelizmente, modificado.

*Paulo Metri é conselheiro do Clube de Engenharia e vice-presidente do CREA-RJ

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Fonte: Tribuna da Imprensa Sindical