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(Millôr Fernandes)

terça-feira, 17 de setembro de 2019

PGR afirma que escolas têm obrigação de combater discriminações de gênero, identidade e orientação sexual

Terça, 17 de setembro de 2019
Do MPF
Posição foi defendida em Ação Direta de Inconstitucionalidade que pede correta interpretação do Plano Nacional de Educação
Foto de um quadro negro, onde se lê a palavra 'Educação' escrita a giz pela mão de uma pessoa.
Arte: Secom/PGR
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, entende que é cabível a interferência do Supremo Tribunal Federal (STF) para garantir interpretação do Plano Nacional de Educação (PNE) que inclua, entre suas diretrizes, o combate a discriminações por gênero, identidade de gênero e orientação sexual no ambiente escolar. A manifestação refere-se à Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.668/DF, proposta pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) contra dispositivos da Lei 13.005/2014, que aprovou o plano. O partido questiona a ausência de menção expressa ao dever constitucional das escolas de prevenir e coibir o bullyng homofóbico, transfóbico e machista, excluído do texto original do PNE durante o processo legislativo.

A ação contesta o artigo 2º, inciso III da lei, bem como 17 metas inseridas no anexo do ato normativo. Os dispositivos abordam o combate a todas as formas de discriminação e preconceito, mas são omissos em relação ao enfrentamento da intolerância de gênero e orientação sexual especificamente. Para o partido, a ausência de referência literal a esse tipo de discriminação tem ensejado interpretações da norma em sentido oposto, ou seja, de vedação à abordagem da temática em sala de aula. Na ação, pede que o Supremo esclareça a inexistência de tal proibição na lei ou, alternativamente, que declare sua inconstitucionalidade.
Para justificar o pedido, a ADI cita diversas leis estaduais e municipais que, baseadas em interpretação equivocada do PNE, retiraram dos respectivos planos de ensino qualquer menção a gênero, identidade de gênero ou orientação sexual. Relata ainda casos de ações concretas contra docentes que discutiram temas como homofobia, transexualidade e integração entre gêneros no ambiente escolar.
Parecer – Para a procuradora-geral, a ilegitimidade da lei impugnada está presente, na hipótese, no que ela deixou de prever de modo expresso. Em parecer enviado ao SupremoDodge afirma a necessidade de fixação da correta e adequada abrangência do conteúdo do Plano Nacional de Educação, tendo como parâmetro a Carta Magna. Sob essa perspectiva, defende a aplicação da técnica da interpretação conforme a Constituição para que a Corte reafirme o combate a discriminações de gênero, identidade de gênero e orientação sexual no ambiente escolar como diretriz do PNE. “O não detalhamento dessa específica espécie de discriminação pelo Plano Nacional tem como efeito, além da possível imposição de silêncio sobre o tema nas escolas, a inércia quanto ao efetivo combate a atitudes discriminatórias nesse campo”, justifica.
A PGR também rebate o discurso da desnecessidade de detalhamento do que seriam “todas as formas de discriminação”, alegado por parlamentares ao excluir a referência específica à discriminação por gênero, identidade de gênero e orientação sexual. Para Raquel Dodge, ao contrário, “a não explicitação acarreta manifesta inconstitucionalidade, porque dá margem ao descumprimento do propósito constitucional de erradicação de discriminações nesse campo e de promover educação integral, para o respeito ao próximo”. Ela cita ainda que, em suas metas e estratégias, a lei manteve a indicação expressa aos demais grupos notoriamente vulneráveis, como negros, pessoas com deficiência, população do campo, comunidades indígenas e quilombolas.
Na manifestação, Raquel Dodge sustenta que o combate à discriminação de gênero e orientação sexual no ambiente escolar está amparado em diversos preceitos constitucionais, como o direito à educação, com foco no desenvolvimento da pessoa para o exercício da cidadania; os princípios da dignidade humana, da igualdade e da proibição de proteção insuficiente às crianças, adolescentes e jovens; além dos objetivos constitucionais de promoção do bem de todos e de dever de combate a toda forma de discriminação. Ressalta ainda que a falta de detalhamento do PNE em relação ao combate a esse tipo de discriminação vai de encontro à normatização internacional e à orientação dos organismos internacionais protetivos de direitos humanos.
Por tudo isso, a PGR manifesta-se pela procedência do pedido, para que o Plano Nacional de Educação e suas metas sejam interpretados conforme a Constituição, garantindo assim a atuação combativa às discriminações por gênero, identidade de gênero e orientação sexual no ambiente escolar, reconhecendo-se o dever constitucional de ampla proteção às crianças LGBTI e às pessoas cis e trans.