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(Millôr Fernandes)

terça-feira, 17 de setembro de 2019

PGR pede suspensão imediata do decreto que reduz participação popular no Cons. Nac. dos Direitos da Criança e do Adolescente

Terça, 17 de setembro de 2019
Do MPF
Para Raquel Dodge, decreto é inconstitucional e causa lesão a preceitos fundamentais como a proibição ao retrocesso institucional
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, requereu a suspensão imediata e posterior declaração de inconstitucionalidade do Decreto nº 10.003/2019, por reduzir a participação popular no Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). Também solicitou a impugnação integral da norma por meio de uma arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), que foi encaminhada ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta segunda-feira (16). Segundo Raquel Dodge, as alterações no funcionamento do Conanda causam lesão a quatro preceitos fundamentais: princípios da participação popular, da proibição do retrocesso institucional, do direito à igualdade e do direito da população infanto-juvenil à proteção pelo Estado e pela coletividade.
A petição ressalta que “o caráter democrático participativo foi praticamente esvaziado” com mudanças como: a redução no número total de representantes, o método de escolha a cargo de processo seletivo a ser elaborado pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, o estabelecimento de mandato de dois anos e a vedação de recondução dos representantes das entidades não-governamentais, redução na frequência das reuniões e a dispensa de todos os membros do Conanda na data em que o decreto entrou em vigor.
Para a procuradora-geral, mudanças que à primeira vista poderiam ser classificadas como “sutis” colocam sob risco o equilíbrio representativo do conselho. Além disso, afirma que o decreto teve “clara índole normativa”, quando seu papel é “explicitar o modo pelo qual a administração operacionalizará o cumprimento da normal legal”. Uma das atribuições do Conanda é a definição de diretrizes por meio da gestão compartilhada entre governo e sociedade civil para elaboração das políticas envolvendo direitos humanos. “Nesse ponto, é necessário destacar a importância, para a plena consecução da competência do colegiado, de que suas regras de composição atendam aos princípios fundamentais de democracia participativa”, pontuou.
Outro aspecto evidenciado por Raquel Dodge foi o de que os direitos políticos não se limitam à participação popular indireta por meio da eleição de representantes. “A participação popular direta é dimensão essencial do exercício da democracia, tanto na função fiscalizatória, como na tarefa de elaboração de políticas públicas. Isso porque o modelo de democracia adotado pela Constituição Federal de 1988 é misto – democracia semidireta –, em que se combina representação política com institutos de participação popular direta”, completou.
Ao citar a mudança que previu o chamado voto de qualidade em caso de empate nas deliberações – pelo o presidente do colegiado – , ela afirma que “é sintomático observar que, ao reformar o texto do artigo 78, do Decreto nº 9.579/18, a norma impugnada retira a referência à paridade entre os representantes do Poder Executivo e da sociedade civil na composição do Conselho. Vê-se claramente que as mudanças buscam, de fato, reduzir o âmbito de participação da sociedade civil no Conanda”.
Quanto à vedação ao retrocesso institucional, Raquel Dodge explica que esse princípio está ligado diretamente à proteção dos direitos humanos e que decorre de diversos mandamentos constitucionais. Pontua ainda que a proibição do retrocesso é compatível com jurisprudência do STF – corte que já impediu o retrocesso político, civil e social.
Compromissos internacionais – A procuradora-geral listou convenções ligadas à temática da defesa dos direitos humanos das quais o Brasil é signatário. Para ela, as mudanças do decreto traduzem uma violação do artigo 19 da Convenção Americana de Direitos Humanos por ter como consequência uma fragilização do Conanda enquanto instrumento de implementação do dever de proteção do Estado aos direitos das crianças e adolescentes.