Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sábado, 29 de janeiro de 2011

A crise no Egito e a paz

 Sábado,  29 de janeiro de 2011 
Por Ivan de Carvalho
O Egito, literalmente, pega fogo. Edifícios, veículos, especialmente veículos policiais. Mas o fogo principal está principalmente na mente das pessoas, as que protestam contra o regime do presidente Hosni Mubarak e as que integram sua estrutura de poder ou são a favor de seu governo.
 
    Este segundo tipo de fogo alastra-se, além das fronteiras do Egito, para todo o Oriente Próximo, que as pessoas e os meios de comunicação insistem e continuam insistindo em chamar de Oriente Médio.
 
    Até ontem, além do toque de recolher, o governo egípcio produziu o apagão dos celulares e da Internet (não havia o sinal nem para uma coisa nem para a outra) e proibiu a mídia clássica (jornais e emissoras de rádio e televisão). A intenção era a de não permitir a articulação dos protestos e impedir que a população tomasse conhecimento dos que acontecessem e de outros fatos incômodos ao governo. Assim, eliminou-se provisoriamente a possibilidade de liberdade de expressão – mas os protestos continuaram.
 
   O regime chefiado pelo presidente Hosni Mubarak é autoritário e um dos mais estáveis da região. E o Egito é o alvo mais cobiçado dos radicais islâmicos. O discurso dos que desde a terça-feira protestam nas ruas contra o governo egípcio é o de exigirem, além de melhores condições econômicas, um regime democrático, em que a liberdade tenha o lugar que lhe cabe e haja justiça social.
 
        O discurso é correto. É, aliás, aquele discurso ideal que algumas vezes é realizado em parte e raríssimas vezes no todo. E com certeza também é sincero da parte de muitos que o fazem. Mas não de todos ou, talvez, nem mesmo sequer da maioria. Os valores democráticos não são, infelizmente, um elemento relevante da cultura árabe, com exceção – há tempos atrás, hoje já não dá para dizer a mesma coisa, depois que a Síria violentou o país – do Líbano.
 
    Grande parte da oposição a Mubarak é articulada por pessoas bem mais autoritárias do que ele e certamente muito mais mal intencionadas. Essas pessoas, usando a demogagia em suas várias facetas, inclusive e, no caso, com insistência, uma distorcida argumentação religiosa, conseguem atrair multidões e dominá-las, como ocorre hoje no Irã e como ocorreu há não muito tempo no Afeganistão dos talibãs, dois países muçulmanos, ainda que não árabes.
 
    O que acontece agora no Egito é crucial para o curso e o desfecho do conflito entre Israel, de um lado, e os palestinos e outros nações árabes, do outro lado. O Egito de Mubarak tem sido – depois do acordo de paz que fez com os hebreus o então presidente egípcio Anwar el-Sadat, por isto assassinado, após a guerra árabe-israelense de 1973 e do qual participa ainda a Jordânia – uma âncora da paz na região, que a Síria, o Irã, o Hamas, o Hizbollah e outros atores tentam incendiar.
 
    Fechando o dia, ontem, sob a irresistível pressão dos fatos, Mubarak fez um pronunciamento em que prometeu assegurar ao Egito mais democracia, melhorar a economia e começar tudo isso demitindo e substituindo todos os seus ministros. Será suficiente esta promessa?
 
    O que vai acontecer no Egito e, também por causa disso, na região e no mundo? Em minha trevosa ignorância e sem saber o que prevê a CIA, melhor ir buscar informação na Bíblia, onde o Senhor, pelo profeta Isaías, fala ao povo de Israel: “De nada valerá buscardes o auxílio do Egito, porque não haverá paz; e Israel deve confiar apenas no Senhor”.
    Meu Deus...
- - - - - - - - - - - -
Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia deste sábado.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.