Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Não há bola da vez


Sábado, 19 de fevereiro de 2010 
Por Ivan de Carvalho
Uma das coisas interessantes que ocorrem nesse movimento de sublevação de uma parte importante dos países muçulmanos, com ênfase em nações árabes, é que praticamente não se pode identificar uma bola da vez. O que torna ainda mais importantes e imprevisíveis o fenômeno, seus desdobramentos e desfechos.

Caso se queira buscar origens remotas, pode-se lembrar o assassinato do primeiro-ministro libanês Rafic Hariri, no qual existem fortíssimas suspeitas de participação síria, e que ainda causa instabilidade política grave no país. Ou a suspeitíssima reeleição, em 2009, com os protestos da oposição vergonhosamente roubada sendo reprimidos a cacetadas, do presidente-ditador Mahmoud Ahmadinejad, no Irã.

Mas deixemos essas histórias de lado, ao menos por hoje, já que são tantas e tão feias e malcheirosas que contaminariam o sábado. Vamos nos restringir, digamos, ao que acontece agora nos desertos incandescentes.   No momento, não há mesmo como identificar a bola da vez. No primeiro instante, foi a Tunísia. E lá se foram décadas de autoritarismo. Mas o que será posto no lugar? Depois a bola da vez foi o Egito. E renunciou, eufemismo para deposto, o presidente-ditador de 30 anos de mando. A terceira bola da vez...

Não existe a terceira bola da vez. O espaço regional está cheio de bolas da vez. O governo do Marrocos, por enquanto, agüenta-se sem grandes protestos da oposição e promessas de reforma. Mas no Iêmen, os protestos populares são fortes e o presidente-ditador de três décadas já prometeu não renovar o mandato, não botar o filho no lugar e mudar outras coisas. A Argélia ainda se segura apenas com protestos esporádicos e fortemente reprimidos, razão talvez de serem esporádicos.

Mas no Bahrein, sob domínio de uma dinastia sunita (principal vertente dos islamismo) há mais de 40 anos, protestos de inspiração xiita (a segunda maior vertente do islamismo) já resultaram em batalhas de rua que deixaram pelo menos oito mortos e somente ontem, na repressão a um protesto, houve 50 feridos. Alguns estão em estado crítico. Os Estados Unidos estão pedindo ao governo do Bahrein moderação e atenção às reivindicações dos manifestantes.

Na Jordânia, surgiram manifestações de reivindicação de empregos e redução dos preços de alimentos (que estão subindo em quase todo o mundo, não só no Brasil). As coisas começam a se agitar também no Iraque e no Senegal. Mas as atenções, no momento, além do Bahrein, estão voltadas mais para o Irã e a Líbia.

No Irã, aquele presidente-ditador de quem Lula gosta, Ahmadinejad, que nega haver existido o Holocausto, convocou manifestações de apoio ao governo e de repúdio às oposições. Convocação preventiva. Pois protestos contra a ditadura dele e dos ayattollahs foram convocados para os próximos dias. Aliás, já no começo da semana partidários e opositores do regime entraram em cheque em Teerã durante o funeral de um estudante morto a tiros numa manifestação contra o governo. Coincidentemente, o líder opositor iraniano Mir Hussein Moussavi sumiu desde terça-feira, segundo denunciaram suas filhas a um site oposicionista. A casa da família está com as comunicações cortadas. Na quarta-feira, outro site informou que a casa de um dos filhos de Mehdi Karroubi, outro líder opositor, teria sido atacada por forças de segurança.

Enquanto isso, na Líbia, há quatro décadas sob as botas do coronel Muammar Gaddafi, as próprias autoridades admitiram 14 mortes em protestos contra o regime.

Creio que as brumas da madrugada e as tempestades de areia dos desertos ainda escondem muitas coisas a serem reveladas em futuro muito próximo.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia deste sábado.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.