Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 22 de junho de 2011

A prioridade do circo


Quarta, 22 de junho de 2011 
Por Ivan de Carvalho

Obtidas para o Brasil junto à Fifa e ao Comitê Olímpico Internacional a realização, aqui, da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016 – tudo sob garantias de que o país estaria pronto para abrigar adequadamente tais eventos – passaram imediatamente os responsáveis pela preparação do circo a nada fazer.

            E assim o tempo passou, e os planos foram ficando atrasados, mas as coisas continuavam paralisadas. E então, de repente, o governo federal descobriu que nada estava sendo feito por ele mesmo e quase nada por outros co-responsáveis menores.

           Estabeleceu-se então o pânico. Mas um pânico calculado, pois o atraso fora planejado. Precisava-se encontrar às pressas um sistema fora da lei (da lei atual, entenda-se) que facilitasse a contratação das muitas e milionárias obras necessárias sem o emaranhado criado pela legislação normal sobre licitações, geradora, em nome da lisura, de certa morosidade.

            Como se haviam atrasado as coisas, inventou-se um Regime Diferenciado de Contratações, por muito criticado porque na diferenciação está uma redução dos cuidados com a lisura e na suposta celeridade que proporcionará está a incúria da administração pública que não começou a fazer as coisas nos devidos tempo e ritmo, mesmo conhecendo desde o princípio com quanto tempo contava para atender os requisitos com os quais se comprometera internacionalmente.

            A proposta do RDC foi enviada ao Congresso. E brande-se agora uma espécie de suposto argumento definitivo, o de que teria sido tudo combinado com o Tribunal de Contas da União, cujos membros são todos nomeados pelo presidente da República. Mas, segundo o TCU, que parece querer disfarçadamente reduzir sua responsabilidade no grave episódio, nem foram os ministros do TCU que examinaram, foram os técnicos. Pior, pois estes entendem do assunto, são especialistas, enquanto os ministros ainda teriam, alguns pelo menos, a desculpa da ignorância.

            O RDC tem vários problemas, mas o principal deles é o de pretender manter secretos os orçamentos das obras relacionadas (às vezes nem tão relacionadas, pois o RDC abre espaço para isso) com a Copa e as Olimpíadas. Trocando o dinheiro graúdo em miúdos: cobram impostos, mandam para o inferno a transparência da qual tanto se falava e ainda se fala de vez em quando, contratam por preços secretos que podem ser aumentados sem que se saiba em quanto e os que pagaram os impostos podem ver as competições pela televisão. Depois de tudo, as obras ficarão aí, umas mais outras menos úteis.

            Bem, acompanho com interesse a Copa do Mundo e alguns eventos das Olimpíadas, embora essas coisas não turbem minha mente ao ponto de deixá-la incapaz de pensar em outras coisas. Não estou sujeito a esse fenômeno tão freqüente.      

            Cabe ao Congresso acabar com essa estória de orçamentos secretos, afastando os reforçados temores – refletidos amplamente na mídia, salvo pelos “blogueiros progressistas” – de assaltos ao dinheiro que nos foi cobrado mediante tributos.

            Infelizmente, não dá mais para desistir da Copa do Mundo e das Olimpíadas. Pois se a população soubesse que as obras iam custar tanto (e vão mesmo) e que esse dinheiro existe, talvez preferisse que a maior parte dele fosse aplicada em saúde, educação, segurança pública, erradicação da pobreza.

            Mas, pelo que se vê agora, e apesar dos discursos, as prioridades não são essas e sim a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Os imperadores romanos controlavam seus súditos com pão e circo. No Brasil, decidiu-se optar pelo exclusivismo do circo.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta quarta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.