Segunda, 31 de agosto de 2015
Andreia Verdélio* - Repórter da Agência Brasil
Andreia Verdélio* - Repórter da Agência Brasil
Povos indígenas e tradicionais poderão decidir como e se determinado conhecimento tradicional poderá ser usado. Na foto, a aldeia guarani Mata Verde Bonita
A Lei da Biodiversidade, sancionada em maio,
prevê que comunidades tradicionais, povos indígenas e agricultores familiares
possam negar o acesso de pesquisadores e representantes de indústrias ao
conhecimento e a elementos da biodiversidade brasileira. De acordo com o
gerente de projetos do Departamento de Patrimônio Genético do Ministério do
Meio Ambiente, Henry Novion, o consentimento prévio informado será o
instrumento usado para condicionar os acessos e no documento constarão todas as
regras a serem seguidas pelos setores acadêmicos e produtivos.
“A lei reconhece quem vai dizer como determinado
conhecimento vai ser usado e não é o governo, não é universidade, não é a
empresa. A lei diz que quem vai dizer como, segundo usos, costumes e tradições,
o conhecimento pode ou não ser usado é o povo que detém aquele conhecimento. É
o povo que dá o consentimento”, explicou Novion.
O gerente acrescentou que, na regulamentação da lei, estará
previsto o responsável legal por dar esse consentimento, se será uma associação
local, por exemplo, ou uma organização ou federação que represente as
comunidades e povos. A regulamentação tem prazo de 180 dias para ficar pronta,
a partir da sanção da lei.
Manoel da Silva Cunha é extrativista na Reserva Extrativista
do Médio Juruá e diretor do Conselho Nacional das Populações Extrativistas e,
de acordo com ele, a comunidade já discute alguns conhecimentos que não tem
interesse em compartilhar com a indústria e a academia. “Temos alguns tipos de
uso de plantas, que têm rituais que o poder não é só nosso, foi o espírito que
ensinou e não temos interesse de repassar. Mas têm muitos conhecimentos e muito
patrimônio genético que estão aí para ter uma função social e ambiental e não
estão tendo. A pesquisa e as empresas precisam chegar e a comunidade precisa
abrir esse conhecimento. Eu não tenho dúvida de que a cura do câncer está aí,
que a cura da aids está aí, só precisa pesquisar.”
Para ele, entretanto, as comunidades tradicionais e povos
indígenas precisam ter autonomia e soberania sobre esse conhecimento. “Se ela
[a comunidade] não quer abrir, que não sofra nenhum tipo de represália ou
pressão nenhuma, que sejamos soberanos nessa decisão. Que não seja o governo
que diga o que a gente abre ou não, que a lei não dê esse privilégio às
empresas.”
O procurador da República no Distrito Federal Anselmo
Henrique Cordeiro Lopes, representante do Ministério Público no Conselho de
Gestão do Patrimônio Genético (Cgen), destaca que a regulamentação da lei deve garantir a
paridade na composição do conselho, a conformação do comitê gestor do Fundo de
Repartição de Benefícios. Entretanto, segundo ele, o conceito de consentimento
prévio informado deve ser muito bem apropriado pelos povos e comunidades
tradicionais.
“Ele [o consentimento] é que condicionará o acesso ao
patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado, dando aval para
pesquisa, desenvolvimento tecnológico e exploração comercial e industrial. Se
as comunidades não souberem o que é o consentimento prévio informado, não
saberão qual o seu principal direito, direito de ser consultado e poder de
dizer sim ou não, de forma bem esclarecida e que seja o melhor para a
comunidade”, disse Lopes.
O índio Alberto Terena, da Aldeia Buriti, de Mato Grosso do
Sul, explica que será um processo muito complexo para seu povo dividir seus
conhecimentos de forma comercial, mas espera que possam assegurar o direito de
negar esse acesso. “Há algumas coisas para nós que não se mede em valor.
Qualquer medicamento não envolve só o remédio em si, mas toda uma
espiritualidade de um povo, uma crença. A lei, às vezes, não vem pra dar uma
segurança, ela vem pra ser infringida, burlada. E, a partir de agora, vamos
lidar com influências muito poderosas, da indústria de cosméticos e
farmacêutica. Queremos, com a regulamentação, que aquilo venha em nosso
benefício, mas percebemos que vamos entrar na briga do mercado.”
Segundo o diretor do Departamento de Patrimônio Genético do
Ministério do Meio Ambiente, Rafael Marques, o estado deve trabalhar na
fiscalização para que o consentimento seja respeitado. “A legislação não foi
feita pautada pelas empresas, o direito deles [dos povos e comunidades] está
assegurado, de ser consultado antes que o acesso seja feito.”
Representantes de povos e comunidades tradicionais e povos
indígenas estiveram reunidos, na última semana, em uma oficina de capacitação para a
regulamentação da Lei da Biodiversidade, em Rio Branco, no Acre. O próximo dos
seis encontros regionais ocorre esta semana em Belém, no Pará, de 2 a 4 de
setembro, e uma oficina nacional está programada para em Brasília, em outubro.
Os eventos são organizados por um grupo de trabalho da Comissão Nacional dos
Povos e Comunidades Tradicionais e, conduzidos pelo Departamento de Patrimônio
Genético do Ministério do Meio Ambiente.
Desde o dia 12 de junho está aberta, na página do ministério, a consulta pública sobre
a regulamentação da lei e, a partir da primeira semana de setembro até 16 de
outubro, a minuta do texto do decreto será inserida para críticas e sugestões.
*A repórter viajou a convite do
Ministério do Meio Ambiente.