Sábado, 23 de abril de 2016
Da Ponte
Direitos Humanos, Justiça, Segurança Pública
PM, que no depoimento anterior disse que fazia patrulhamento de rotina, apresentou outra versão
Rafael Braga. / Foto: Luiza Sansão
Em audiência de instrução e julgamento no TJ-RJ (Tribunal de Justiça
do Rio de Janeiro), foram ouvidas, na tarde desta terça-feira (12/04),
testemunhas de acusação e de defesa do ex-catador de latas Rafael Braga
Vieira, de 27 anos, preso pela segunda vez
na manhã do dia 12 de janeiro último, quando se dirigia à padaria
próxima da casa de sua mãe, na comunidade Vila Cruzeiro, na Penha, zona
norte do Rio de Janeiro.
Ele foi abordado por seis policiais militares da UPP (Unidade de
Polícia Pacificadora) da comunidade, que o torturaram e o ameaçaram de
estupro e de “jogar arma e droga na conta” dele caso ele não delatasse
traficantes da região.
Preso na grande manifestação de 2013 na capital fluminense, Rafael cumpria pena em regime aberto e usando uma tornozeleira eletrônica desde 1º de dezembro de 2015.
Seriam ouvidos, na audiência desta terça-feira, dois dos seis
policiais que detiveram Rafael, mas um deles não compareceu ao TJ-RJ por
se encontrar hospitalizado, o que tornou necessária a realização de uma
nova audiência, que foi agendada para o dia 11 de maio.
Única testemunha de acusação ouvida na ocasião, o PM Pablo Vinícius
Cabral, lotado na UPP da Vila Cruzeiro, apresentou contradições em
relação ao depoimento dado na 22ª Delegacia de Polícia (Penha) na
ocasião da prisão de Rafael. A Ponte Jornalismo acompanhou a audiência com exclusividade.
Contradições no depoimento do PM
Na versão apresentada anteriormente, o policial afirmou que o grupo
de PMs fazia um patrulhamento rotineiro na comunidade Vila Cruzeiro
quando um morador informou um dos policiais de que havia uma pessoa
vendendo drogas na região conhecida como “Sem Terra”, e os policiais
então se dirigiram ao local, deparando-se com Rafael.
Já na audiência, Cabral afirmou que os PMs faziam uma operação na
região na manhã do dia 12/01 porque havia “engenheiros fazendo metragem”
no local e, quando receberam a denúncia do morador, ele e os colegas se
depararam com um grupo de pessoas, e todas teriam corrido em fuga,
restando apenas Rafael com uma sacola plástica nas mãos, contendo
“drogas e um ou dois morteiros”, segundo o PM.
Indagado pelos advogados de defesa de Rafael sobre ter afirmado no
primeiro depoimento que se tratava de um patrulhamento rotineiro, Cabral
respondeu que “operação na favela é todo dia” e naquele dia
especificamente a operação foi motivada pela presença dos engenheiros.
Sobre ter alegado anteriormente que, quando chegaram ao local denunciado
pelo morador, encontraram apenas “um meliante”, e na audiência ter
afirmado que havia um grupo, o PM respondeu que “devia ter uns dois ou
três, mas os outros correram”. O policial também afirmou não saber qual
era a firma de engenharia que “fazia metragem” na região naquela manhã.
Única testemunha de defesa viu Rafael ser agredido pelos PMs
Rafael não levava nada nas mãos, segundo a testemunha de defesa
ouvida na audiência, que mora na região e foi a única pessoa a
presenciar o momento em que Rafael foi agredido, pouco antes das oito
horas da manhã. “Eu estava no muro da minha casa, aí ele [Rafael] estava
passando, balançando os braços, aí eu mexi com ele, ri pra ele, e ele
passou. Aí quando ele chegou um pouquinho pra frente, tinha uns
policiais que abordaram ele, e no meio dos policiais tinha um alto,
branco, de nariz fino, que jogou ele pra um canto, começou a bater nele,
e bateu muito, e depois arrastou ele pro canto de uma parede. Aí já não
dava mais pra eu ver”, narrou a testemunha, que não será identificada
por questão de segurança.
Ela afirmou ainda que as agressões eram socos e chutes, desferidos
“principalmente pelo policial branco, alto, de nariz fino”. Ao ver o que
acontecia, ela foi avisar a mãe de Rafael, Adriana Braga. “Eu fui
correndo chamar a mãe dele e, quando ela chegou, já tinham levado ele”,
completou.
Defesa requer relaxamento de prisão ou liberdade provisória com base em fragilidade de provas
Os advogados de defesa de Rafael, Carlos Eduardo Martins, Ednardo
Motta, João Henrique Tristão e Lucas Sada, do DDH (Instituto de
Defensores de Direitos Humanos) apresentaram ao juízo um requerimento de
relaxamento de prisão, “por claríssima ausência de motivação para que
ela subsista”, ou, subsidiariamente, de liberdade provisória do acusado,
visto que “o mesmo possui ocupação lícita, no escritório de advocacia
João Tancredo Advogados, trabalhando na condição de auxiliar de serviços
gerais, bem como possui residência fixa, fatos que foram comprovados no
âmbito de sua audiência de custódia”.
Adriana Braga, mãe de Rafael, no TJ-RJ após a audiência. / Foto: Luiza Sansão
Foram apresentadas ainda, pela defesa, as seguintes diligências: “que
seja oficiado ao Comando da 7ª UPP, do 16º Batalhão [na Penha], nomes e
dados de todos os policiais em serviço na referida UPP na manhã do dia
12/01, e os “nomes e dados de todos os PMs envolvidos na operação, bem
como anotações do livro de plantões e trocas de turno”; que a referida
UPP seja questionada sobre “qual a firma de engenharia que realizava
obras na comunidade no dia em que o acusado foi detido”; “que seja
determinado o fornecimento dos registros de GPS das viaturas utilizadas
na incursão e das imagens das câmeras instaladas na sede da UPP,
referentes à manhã do dia 12/01, especialmente as que ficam à frente do
contêiner”; que a SEAP (Secretaria de Estado de Administração
Penitenciária) forneça os dados de registro da tornozeleira eletrônica
que Rafael portava, referentes à manhã em que foi detido, a fim de
demonstrar precisamente a localidade onde o mesmo foi abordado e detido.
A defesa pediu ainda que sejam ouvidos os demais policiais militares
que participaram da abordagem a Rafael, aos quais o PM ouvido na
audiência, Pablo Vinícius Cabral, se referiu como: soldados Lago e
Faustino, os cabos Farley e Pimentel. Havia ainda o PM Rodrigues, que,
segundo o depoente, faleceu.
Devido ao número de diligências, o Ministério Público irá estudar o
caso e deverá responder às solicitações feitas pela defesa de Rafael
dentro de aproximadamente cinco dias.
“Não foi ainda completada a prova. A princípio, existem contradições a
serem exploradas, mas como o caso é complexo, complexo por apresentar
versões em disputa, acredito que tenhamos que apurar mais e colaborar
para o esclarecimento do que aconteceu naquele dia de fato. Os pedidos
de diligência são bastante razoáveis, na medida em que se prestam a
esclarecer a situação real do dia de sua prisão”, avalia Carlos Eduardo
Martins, advogado de defesa de Rafael, em entrevista à Ponte Jornalismo.
Ativistas da Campanha Pela Liberdade de Rafael Braga fazem manifestação em frente ao TJ-RJ. / Foto: Luiza Sansão
Segundo a mãe de Rafael, Adriana Braga, o filho demonstrou esperança
de ter sua inocência reconhecida na audiência, quando ela o visitou um
dia antes (segunda-feira, 11/04), na penitenciária de Bangu (Cadeia
Pública Paulo Roberto Rocha), unidade prisional onde ele se encontra,
localizada na zona oeste do Rio de Janeiro. “Ele estava tão ansioso,
falou ‘mãe, vou ser julgado inocente e quinta-feira eu estou em casa’.
Ele estava alegre”, conta.
Ao final da tarde, na porta do TJERJ, ativistas da campanha Pela
Liberdade de Rafael Braga, que se reuniram ao meio-dia para uma
manifestação em defesa do ex-catador em frente ao Fórum, ainda
aguardavam, em vigília, a aparição dos advogados de defesa, para lhes
dar notícias de Rafael.
Desde 2013, o grupo se reúne semanalmente e recolhe doações para
Adriana Braga levar ao filho preso, além de espalhar o rosto de Rafael,
em cartazes e graffitis, por toda a capital fluminense, levando a
mensagem de que o jovem negro e pobre preso em 2013 e novamente detido
em 2016 não foi e não será esquecido.
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