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(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Agosto, mês da visibilidade lésbica: por que é importante falar disso?

Sexta, 28 de agosto de 2020
Comissão de Gênero e Raça da PRR1 traz o foco também para o lesbocídio
arte retangular com fundo branco e um post-it com a escrita que dia é mesmo?.
Arte: Ascom/PRR1
Agosto é um mês importante para o movimento lésbico no Brasil: no dia 19 é celebrado o Dia do Orgulho Lésbico, no dia 29, o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica. Por que é importante falar de visibilidade lésbica? Com esse questionamento, a Comissão de Gênero e Raça da PRR1 traz o foco para o tema e para desafios que as mulheres lésbicas atualmente enfrentam.

O atraso em políticas públicas direcionadas ao grupo, especialmente em questão de saúde e segurança, a falta de dados e informações sobre a população lésbica, e, principalmente, a discriminação, a violência contra as lésbicas, o lesbocídio, são algumas das pautas levantadas pelo movimento lésbico, que, no Brasil, foi iniciado há cerca de 40 anos.
Breve história - O movimento lésbico no país surge em 1979 com o Grupo de Ação Lésbico-Feminista (LF), como uma ramificação do grupo Somos – pioneiro na comunidade LGBT – e trouxe discussões sobre machismo, feminismo, prazer e sexualidade feminina, afirmação da identidade lésbica. Em meio a divergências internas do Somos, composto principalmente por homens homossexuais, as integrantes do LF se desvincularam do grupo e assumiram a denominação de Grupo de Ação Lésbica Feminista (Galf), considerado o primeiro grupo formado exclusivamente por lésbicas.

O Galf foi protagonista de um episódio que ficou conhecido como o pequeno Stonewall Brasileiro (evento que marca o Dia do Orgulho LGBTQI+, veja mais aqui). No dia 19 de agosto de 1983, mulheres do grupo ocuparam o Ferro’s Bar, em São Paulo, após a proibição da venda do primeiro boletim de lésbicas do Brasil, Chanacomchana. A manifestação resultou no Dia do Orgulho Lésbico. O grupo deixou de existir em 1989, mas outros surgiram – como a Articulação Brasileira de Lésbicas (ABL) e o Coletivo Nacional de Lésbicas Negras Autônomas (Candance Br).

O Dia Nacional da Visibilidade Lésbica, celebrado em 29 de agosto, por sua vez, faz referência ao Seminário Nacional de Lésbicas (Senale), que ocorreu em 1996 e reuniu cerca de 100 mulheres no Rio de Janeiro. O Senale surgiu a partir da necessidade de um espaço próprio para discutir as demandas e posicionamentos do movimento lésbico no Brasil. Atualmente, o fórum ocorre em diversos estados do país.


Invisibilidade e lesbocídio – A invisibilidade pode ser compreendida como a exclusão do indivíduo do pleno exercício de direitos, como o acesso a políticas públicas, e mesmo num comportamento coletivo de indiferença e discriminação. No caso de mulheres lésbicas, a invisibilidade se manifesta de diversas formas, como apagamento da sexualidade, fetichização, negligência na área da saúde, agressões físicas e psicológicas, até atos mais extremos, como o estupro corretivo e o lesbocídio.


A escassez de informações oficiais e a inexistência de um banco de dados sobre a violência contra lésbicas levou à criação do Dossiê sobre Lesbocídio no Brasil, realizado por pesquisadoras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O estudo define lesbocídio como a morte de lésbicas por lesbofobia ou discriminação contra a existência lésbica. Diferente do feminicídio – que geralmente se insere em um contexto doméstico e familiar -, o lesbocídio é um crime de ódio e não necessariamente envolve vínculo familiar ou conjugal.

O dossiê define vários tipos de lesbocídio: declarados; como demonstração de virilidades ultrajadas; cometidos por parentes homens; cometidos por conhecidos sem vínculo afetivo ou consanguíneo; cometidos por assassinos sem conexão; suicídio; relacionados a múltiplas opressões e tráfico de drogas; como expressão de desvalorização das lésbicas.

Segundo o estudo, entre 2014 e 2017, foram registradas 126 mortes. Dessas, 55% tiveram como vítimas lésbicas não-feminilizadas, ou seja, mulheres que não seguem estereótipo feminino estabelecido socialmente. Dos 126 casos, 54 ocorreram em 2017, resultando em uma média superior a um caso de lesbocídio por semana. Nesse ano, também, 83% das mortes foram causadas por homens. São Paulo foi o campeão em número de casos.

Os dados foram obtidos por meio do monitoramento de redes sociais, sites e jornais. Todos os casos localizados passaram por análises para checagem das informações. No entanto, as pesquisadoras ressaltam que a falta de registros oficiais das mortes e violências contra mulheres homossexuais prejudica a compreensão do problema e a busca por soluções para seu enfrentamento.


Atlas da Violência 2020 – Segundo o Atlas da Violência 2020 divulgado nessa quinta-feira (27), houve aumento de 19,8% dos casos de violência contra a população LGBTQI+ em 2018, em relação a 2017.


No mesmo período, casos de violência psicológica aumentaram 7,4%. Já os casos de violência física tiveram alta de 10,9%. Outros tipos de violência passaram de 1.192 registros em 2017 para 2.108 no ano seguinte, ou seja, aumento de 76,8%. Acompanhe aqui o infográfico.

O relatório também aponta o problema da escassez de dados e indicadores para o avanço da agenda LGBTQI+. “Um primeiro passo no sentido de resolvê-lo seria a inclusão de questões relativas a identidade de gênero e orientação sexual no recenseamento que se aproxima. Paralelamente, é essencial que essas variáveis se façam presentes nos registros de boletins de ocorrência, para que pessoas LGBTQI+ estejam contempladas também pelas estatísticas geradas a partir do sistema de segurança pública. Sem esses avanços, é difícil mensurar, de forma confiável, a prevalência da violência contra esse segmento da população, o que também dificulta a intervenção do Estado por meio de políticas públicas”, conclui o estudo.

O Atlas da Violência é elaborado a partir de uma parceria entre o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e o Instituto de Econômica Aplicada (Ipea). Para a elaboração de dados referentes à violência contra a população LGBTQI+ foram consideradas denúncias registradas pelo Disque 100, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), e dos registros do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde.