Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sábado, 22 de janeiro de 2022

Brizola: Conferência na UNE em 1961 — o Brasil, os EUA e o Caso Cubano

Sábado, 22 de janeiro de 2022

Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul (1959-1963)

Hoje, no dia do Centenário de nascimento de Brizola, um discurso dele, magnífica peça de oratória e com o conteúdo de profundo analista político nacional e das relações internacionais.


Brizola: Conferência na UNE em 1961 — o Brasil, os EUA e o Caso Cubano

Por Hora do Povo Publicado em 20 de janeiro de 2022

LEONEL BRIZOLA

No dia 22 de janeiro, Leonel de Moura Brizola faria 100 anos.

Em sua homenagem, reproduzimos, aqui, a conferência que pronunciou na sede da União Nacional dos Estudantes (UNE), no Rio de Janeiro, a 16 de junho de 1961.

Esta conferência tem características únicas na obra de Brizola.

Primeiro, ela foi realizada antes da Campanha da Legalidade, que somente começaria após a renúncia de Jânio Quadros, mais de dois meses depois, em agosto de 1961.

Apesar disso, ele mostra uma fidelidade de Brizola em relação à análise do Brasil e à luta de libertação nacional, que ele manteria até a morte, 43 anos depois, passando por todas as vicissitudes que se seguiram ao golpe de 1964 e à ditadura.

Segundo esta conferência é o documento mais completo do pensamento de Brizola, em geral subestimado enquanto pensador.

O então governador do Rio Grande do Sul, depois de expor um balanço de sua administração, revelando sua concepção do elo entre educação e desenvolvimento, estende a visão ao conjunto do país.

É marcante a crítica ao modelo de crescimento do governo anterior —isto é, o governo Juscelino— que vê como fonte do agravamento das disparidades regionais, especialmente, as dificuldades do Nordeste brasileiro e do Rio Grande do Sul.

Como questão de fundo, Brizola examina a relação do Brasil com os Estados Unidos —política e economicamente. E elabora, ainda que em linhas gerais, um plano de autonomia do país em relação aos monopólios privados norte-americanos.

Por fim, ele aborda a questão cubana, na época, em estágio agudo — e não tenhamos dúvida (pelo menos, nós não temos), é uma das mais lúcidas análises da Revolução Cubana no momento mesmo de sua realização inicial.

Deixamos ao leitor um julgamento do texto de Brizola, frisando mais uma vez que ele foi escrito —e proferido— antes da Campanha da Legalidade e antes do golpe de 64. É difícil encontrar outro líder brasileiro que tenha se mantido tão apegado ao seu próprio ideário. (C.L.)

Srs. Presidente e demais dirigentes da União Nacional de Estudantes; Srs. Presidentes das demais Entidades aqui presentes ou representadas; Minhas Senhoras; Meus Senhores; e Estudantes do Brasil:

O convite que recebi desta Instituição que congrega representativamente a mocidade estudiosa do meu País, eu o aceitei não como uma deferência pessoal, mas como uma oportunidade a mim oferecida, como homem público. Oportunidade de dar uma contribuição ao meu País, contribuição basicamente fundada nos ensinamentos e experiências recolhidas pelo governante no desempenho de suas responsabilidades. Agradeço-a, e quero afirmar ainda que a considero um ato de simpatia e solidariedade da mocidade estudiosa de minha pátria à terra e à gente do Rio Grande do Sul; ao povo gaúcho, do qual sou, a um tempo, com grande honra para mim, representante e servidor.

Situo-me em face das grandes questões que vêm pressionando a consciência humana, nos dias atuais, os problemas que estão dramaticamente traumatizando a inteligência e a sensibilidade da humanidade em nossos dias como um homem liberto de prevenções, isento de preconceitos, totalmente livre do medo das palavras e do pavor das atitudes.

Considero-me um homem que se sente aberto a todas as correntes de pensamento de seu tempo e que, se nutre um preconceito, este é o de ser contra a intolerância, contra o obscurantismo, e todas as formas de fanatismo.

Considero-me um homem livre, um homem emancipado. Dos atributos que possa ter, o da independência é o que mais cultivo, e não o faço só por imposição de temperamento, mas, sobretudo, por considerar que homens públicos de nações como o Brasil precisam indispensavelmente pensar com a mais absoluta independência os problemas de seu tempo e os problemas de seu país. É uma condição da qual não podemos fugir. Ela nos é imposta pelo próprio fato de vivermos a contradição de dois mundos, o antagonismo de dois sistemas que surgem dominantes, entre os quais teremos de escolher o nosso próprio caminho, comprometendo, nesta escolha, de modo definitivo, o nosso destino.

Vivendo sob a pressão desse antagonismo é que sentimos —os homens públicos responsáveis, os homens públicos autênticos— a necessidade de libertação de nossa consciência de certos tabus e preconceitos, das ideias feitas e das concepções ultrapassadas. Libertação da consciência que nos permita raciocinar acima das contradições e dos antagonismos que dividem hoje o mundo; libertação da consciência que nos permita distinguir na massa de informações com que somos bombardeados diariamente, a todos os instantes, aquilo que é uma ideia ou um fato verdadeiro, do que é uma ideia pré-fabricada ou um fato adrede manipulado para nos impressionar.

Raciocinar como homens que não pertencem ou não se entregam ou não se imolam a qualquer dos dois sistemas em conflito; raciocinar apenas em termos de Brasil, vendo unicamente a nossa terra e o nosso povo, sem medo, repito, das palavras e, sobretudo, sem apego a soluções e fórmulas que devem ser mantidas unicamente porque nos foram legadas ou pelas simples razões de constituírem um hábito ou uma rotina mais ou menos consagrada.

Quando se defende um sistema social sem a ele aplicar a nossa crítica e, portanto, se tornar a nossa defesa consciente, nós não estamos defendendo um sistema de convivência humana. O mais certo será dizer, nesse caso, que o que estamos é defendendo privilégios que aquele sistema nos proporciona e que desejamos ver perpetuados.

Esta é uma atitude de medo. Não pode ser a atitude de um homem público, ou dos homens públicos de uma Nação como a nossa, que deseja vencer a pobreza, o analfabetismo, a doença e sua situação de país subdesenvolvido. (Palmas)

Se nada temos com a Rússia, devemos ter a coragem de dizer que nada temos com os Estados Unidos. Tudo o que temos é com o nosso próprio País, com as perguntas que nos inquietam, com os problemas que nos desafiam.

E que dizer dos que afirmam que, simplesmente porque fazemos parte deste hemisfério, sempre devemos estar incondicionalmente ao lado dos Estados Unidos?

Um homem público brasileiro, autêntico e independente, precisa ter a coragem de dizer, de afirmar e reafirmar que se a perspectiva que nos oferecem for a mesma que os Estados Unidos ofereceram a Cuba, então, decididamente essa perspectiva não nos serve. (Palmas)

É por isto que me inspira repulsa o procedimento dos que tentam imobilizar os que pensam com independência. Essa tentativa de imobilizar os que pensam com independência. Essa tentativa de paralisar, de imobilizar, de inutilizar a ação do pensamento emancipador, essas investidas contra os que não aceitam as portas do dilema ideológico do nosso tempo, não é mais do que a reação dos interesses criados e dos preconceitos que entravam a evolução social no sentido da civilização, de uma vida melhor, cada vez mais justa, mais digna e mais humana.

É uma técnica invariável dos que, em nome da conservação de privilégios e da manutenção de vantagens antissociais, de direitos socialmente peremptos usam, como estigmas, os qualificativos que costumam dirigir contra os que têm a coragem de sustentar um pensamento emancipador, qualificativos de extremistas, de perturbadores da ordem, de comunistas, de esquerdistas, de agitadores e até de antirreligiosos. Qualificativos aplicados todos os dias contra os que lutam, anseiam e desejam uma ordem social mais compatível com a dignidade da criatura humana.

As experiências que, ao longo de minha modesta vida pública, venho recolhendo, como Secretário de Estado, como Prefeito de uma das maiores capitais brasileiras —Porto Alegre—, como Parlamentar, e agora como Governador, sedimentaram a convicção, em mim cada vez mais inabalável e mais viva, de que ou colocamos nossas energias a serviço da construção de uma ordem social mais justa, ou a Nação deixará de nos ouvir, a nós homens públicos, recusando o endosso de sua solidariedade às nossas palavras e às nossas atitudes. (Palmas)

Não teria o receio de dizer sem errar que, de um modo geral, os governantes cedo se acomodam, cedo perdem a virtude do inconformismo, ou porque as frustrações suscitadas pela máquina administrativa ou porque a estrutura a que estamos submetidos lhe imponham esse negativismo crepuscular, ou porque o uso do poder lhes corroa a fibra combativa; ou porque o espetáculo dos egoísmos personalistas lhe comunique certo ceticismo — qualquer que seja o motivo, o certo é que cedo se desfiguram.

Por dádiva de Deus, sinto-me cada vez mais inconformado, cada dia pulsam em mim, mais reavivados, os sentimentos de rebeldia, e empolgam-se os impulsos de independência, cada dia mais fortes.

Sinto-me a cada embate voltando à juventude. Percorrida a estrada, vejo que a mocidade continua sendo a grande flama e a insubstituível força de propulsão e de vanguarda de todos os povos e de todas as nações. Esse estado de espírito que é, graças a Deus, também o meu, hoje mais que ontem, eis o que me levou a aceitar a convocação da UNE, e das demais entidades estudantis, para aqui debater problemas do meu tempo e do meu Estado, da época que estamos vivendo, e da Pátria que devemos construir.

Em nenhuma Assembleia eu me sentiria mais identificado, com nenhum ambiente eu poderia estabelecer mais cálida e vibrante comunicação do que com esta Assembleia, palpitante de idealismo e de juventude. Neste auditório está representada a energia moça, a alma jovem do nosso País.

Há um mandamento a que os homens públicos se deveriam submeter com a maior constância e com a maior humildade. É aquele que deveria obrigar a todos nós ao convívio com os moços, como meio de evitarmos o perecimento espiritual, o envelhecer das ideias, a decadência de nossas próprias convicções.

Quem não sente e pensa como os jovens não está na vanguarda de seu tempo.

Os estudantes estiveram sempre à frente dos movimentos mais generosos que empolgaram o Brasil, pois são eles os bandeirantes da renovação, os pioneiros e anunciadores dos novos tempos.

Devemos proclamar esta verdade histórica: com os jovens estão os rumos do porvir.

Trago-vos um depoimento lastreado pelas atribulações da minha querência, os problemas, as angústias, as perplexidades e aspirações da minha comunidade. Não vos falo eu. Através de minha palavra fala-vos o Rio Grande do Sul, parcela do Brasil, parcela da América Latina. Porque somos uma porção do Brasil e da América Latina, os problemas comuns da Pátria e do Continente são também os nossos problemas. Eles se refletem na nossa comunidade, com a intensidade que as nossas condições políticas tornam incisivamente cruciantes.

Se ao depoimento da minha comunidade for dado acrescentar o meu, este não será outro senão o de um governante inconformado com a realidade de seu Estado, do seu País e do seu Continente.

De um governante que vem procurando concentrar, e está determinado a fazê-lo cada vez com maior decisão, as suas melhores energias na consecução de empreendimentos e reformas essenciais, a começar pelas reformas que libertem a Nação da ignorância e do analfabetismo, do atraso e da pobreza. Reformas que nos libertem do estado de apatia institucional em que vive o nosso País, em consequência da qual muitos dos generosos enunciados doutrinários de que quase todos falam, e inclusive vários deles vemos escritos na própria Constituição, permanecem apenas vivos nos lances de retórica, ou, quando muito, nos textos legais, destituídos, porém, de qualquer verificação prática ou de influência sobre a realidade. (Palmas)

A reforma que se consubstancia no desenvolvimento, eis a revolução a que aspiramos. Mas porque entendemos que devemos fazer o desenvolvimento para o homem, e não condicionar o homem à sua prática, a grande revolução que aspiramos, a qual, no nosso entender, precede à do próprio progresso econômico, é a da educação do povo, uma revolução que liberte o povo do analfabetismo e da ignorância.(Palmas)

Educação e desenvolvimento, eis os polos que empolgam a ação dos nossos esforços na Administração do meu Estado. A educação é o único caminho para emancipar o homem.

Desenvolvimento sem educação é criação de riqueza apenas para alguns privilegiados. É fazer os ricos mais ricos e poderosos, e os pobres mais dependentes. Desenvolvimento sem educação, meus jovens Patrícios, é escravizar a criatura humana em vez de libertá-la. Os benefícios materiais e espirituais do desenvolvimento não podem ficar apenas nas mãos de alguns. Precisam ser amplamente levados a todos.

É necessário que o povo participe dos lucros sociais do desenvolvimento. Eis por que reafirmamos que a educação deve ser considerada como uma espécie de pré-requisito do desenvolvimento, pois que só ela prepara o homem ou para usufruir os benefícios do progresso ou o arma para reclamar conscientemente esses benefícios. (Palmas)

Pondo no meu Estado em execução um amplo programa de alfabetização, de difusão do ensino técnico, enfim, de valorização social das massas através da educação, nosso objetivo não é apenas o de preparar os nossos patrícios para as novas tarefas que o desenvolvimento pressupõe. É também o de prepará-los para usufruírem dos benefícios do desenvolvimento e neles despertar ou criar a consciência da grandeza que existe nas tarefas mais humildes, desde que elas se orientem no sentido positivo da vida social.

Porque compreendemos que o homem, a criatura humana, é o fim último de todas as coisas, foi que decidimos conferir, nos nossos planos de Governo, prioridade absoluta aos programas de educação.

Uma ideia do esforço, da tenacidade, do sacrifício e das energias empregadas na consecução deste programa, no tocante, por exemplo, ao ensino primário, pode ser colhida deste breve informe que agora ofereço aos moços do meu País: a 7 de março último, colocamos em funcionamento no Rio Grande do Sul 2 mil novas escolas, contra 1.700 existentes na rede estadual; mobilizamos 12 mil novos professores; colocamos ao alcance das crianças gaúchas 300 mil novas matrículas.

Neste mesmo ritmo intenso, enérgico, prossegue a execução do nosso plano educacional, de molde a permitir, —e peço que meus Patrícios de todo o Brasil atentem para esta informação,— que a 1º de março do próximo ano de 1962 proclamemos, em meu Estado, a escolarização de todas as crianças gaúchas.

Em 1º de março de 1962 em meu Estado atingiremos cerca de 4.500 novas escolas; a mais de 20 mil novos professores, e incorporaremos ao conjunto de matrículas oferecidas às crianças do Rio Grande do Sul mais 420 mil novas matrículas. (Palmas)

A propulsão dada pela atual administração gaúcha ao ensino primário, ocorre também em outros níveis de ensino, destacadamente o do ensino técnico, nas suas feições rural e industrial.

Estamos lutando por esses objetivos dentro da regra que é para nós norma invariável: um país pobre, carente de recursos, necessitando solucionar múltiplos problemas, tem de equacionar o problema educacional dentro da relação “professor – aluno – cruzeiro”, isto é, com cada cruzeiro disponível obter o máximo de educação, o que quer ainda dizer: o máximo de educação com o mínimo de cruzeiros.

Até agora no Brasil, meus jovens Patrícios, a educação tem sido uma atividade seletiva, e, a escola, quase um privilégio. Abandonamos a tese antidemocrática de construir escolas apenas para alguns, como se fossem palácios. Preferimos construí-las, visando sua popularização. Multiplicá-las por todos os pontos do território gaúcho, modestas, simples, mas ao alcance de todas as famílias e de todas as crianças, inspiração que talvez venha da minha própria origem. Entendemos que a educação é uma oportunidade que deve ser oferecida, tem de ser levada à criança e aos jovens, encontrem-se nas zonas urbanas ou nas áreas rurais mais distantes, mais longínquas. Vinculamos a escola à vida das comunidades, para que a escola possa atuar como instrumento de democratização social das novas gerações brasileiras.

Não é por motivo de orgulho, mas pelo desejo de servir, que afirmamos que a obra educacional realizada pelo povo gaúcho pode significar uma experiência piloto para todo o Brasil e para a América Latina: para o Brasil onde, de 8 milhões de crianças em idade escolar, somente 4 milhões dispõem de escolas; e, para a América Latina, onde 50% das crianças em idade escolar não têm sequer como aprender a ler.

A mesma ênfase que demos em nosso Estado à educação, nós a comunicamos aos programas de desenvolvimento. Como o Nordeste brasileiro, e demais regiões não-industrializadas, o Rio Grande do Sul passou a pagar, e vem pagando pesado tributo à política de desenvolvimento econômico implantada em nosso País, nos últimos anos. Caracterizou-se essa política, fundamental e exclusivamente pela concentração geográfica do desenvolvimento em limitada área do País, e, ainda assim, concentração em favor de grandes grupos econômicos. Reservados ao resto do País foram apenas o sacrifício e as deformações de tal política. (Palmas)

Insensível aos apelos procedentes de toda a parte, o último governo da República insistiu na orientação de criar um único centro dinâmico para o desenvolvimento, em área restrita do território brasileiro. Dizia-se, então, que uma vez implantado o centro dinâmico único, ele levaria o progresso às demais áreas do País, com as chamadas “ondas de desenvolvimento”, que compensariam àquelas áreas de transferência de recursos operada com a implantação do referido centro. Não foi o que se verificou. O que receberam as demais áreas foi um impacto econômico negativo, consubstanciando na marginalização de sua agropecuária e de seu incipiente parque de bens de consumo. Como as demais áreas brasileiras continuaram e continuam sendo, primordialmente, economias agrárias ou economias sustentadas na elaboração de matérias primas, procedentes da agricultura ou da pecuária, o regime de trocas comerciais entre o centro dinâmico e as tais regiões não beneficiadas com a implantação da indústria de bens de capital, passou a se fazer de forma danosa para as áreas marginalizadas. Esta é exatamente a “doença econômica” que vem afetando o meu Estado, a minha comunidade, doença que, através dos tempos, proletarizou o Nordeste, e vem levando a sua população a uma crescente situação de desespero. (Palmas)

Este é um problema, porém, meus Patrícios, cujo exame mereceria e ocuparia o espaço de toda esta Conferência. É o tema empolgante, atual, importantíssimo, das disparidades regionais brasileiras. Infelizmente, nesta oportunidade, não é possível abordar tão magna e palpitante questão como seria do meu desejo. Deixo, pois, o seu debate para a primeira ocasião que estiver ao meu alcance.

Desde já, porém, formulo aqui o meu apelo aos moços do meu País para que tomem contato com os estudos técnicos, com os relatórios, com os pronunciamentos responsáveis sobre esse problema. Só o fato de debatê-lo representa grande serviço prestado ao nosso País, às comunidades brasileiras distantes, que estão reclamando e esperando de todos nós a modificação dessa trágica deformação do nosso desenvolvimento.

Hoje, ao lado destas referências sobre o nosso Estado, no que toca aos problemas de educação, desejo falar ainda sobre outra matéria.

Quero referir-me à situação em que se encontra o nosso País; a essa encruzilhada decisiva, histórica, que está vivendo nossa Pátria; referir-me a esse momento grave de decisão, a esse instante que está exigindo a mais responsável atenção e definição dos homens públicos de nossa geração.

Em verdade, meus Patrícios, individualmente não há homem público autêntico neste País, que não deseje ardentemente enfrentar a realidade brasileira. Mas por que, a despeito de tantas manifestações de vontade, não passamos à ação concreta e não realizamos as reformas que todos os homens públicos autênticos preconizam como indispensáveis ao Brasil? Por que, dos quase 200 projetos de reforma agrária propostos ao poder competente, o Congresso Nacional, nenhum deles, sequer o mais brando deles, consegue converter-se em realidade? Por que, meus Patrícios, essa nossa incapacidade de reformar, de executar as modificações que nós próprios proclamamos como indispensáveis para que o nosso País venha romper, definitivamente, o subdesenvolvimento?

Para mim, meus jovens Patrícios, aqui está a chave do que muitos chamam de “o enigma brasileiro”.

Nos dias em que vivemos, o sistema capitalista tem a sua sede, o seu centro polarizador nos Estados Unidos, e em outros centros secundários de nações de vanguarda no Ocidente. Do mesmo modo podemos dizer que o mundo comunista tem o seu polo, o seu centro polarizador, na Rússia.

Longe iríamos nesses comentários se fôssemos decompor o complexo das relações de dependência entre o núcleo do sistema capitalista e as áreas de sua influência. Essas relações são tão óbvias que têm caráter axiomático, vale dizer, são uma verdade que dispensa demonstrações. A mesma observação é válida para o mundo comunista. Se o capitalismo vem se humanizando nos Estados Unidos, nós, latino-americanos, podemos considerar inteiramente dispensável demonstrar que, fora dos Estados Unidos, e em particular na América Latina, esse capitalismo se manifesta e se desenvolve de forma diferente, isto é, com toda a sua primitiva crueldade. (Palmas)

Os homens públicos dos Estados Unidos não nos demonstraram até agora terem compreendido esta grande verdade tão meridiana, tão clara na sua evidência. A rigor, e infelizmente, os dirigentes norte-americanos que até agora, com raras exceções, têm tratado conosco e com toda a América Latina, ao invés de revelarem que compreenderam esta verdade, de se mostrarem a ela sensíveis, ao contrário, vêm o Governo e os homens públicos dos Estados Unidos, dando cobertura ao capitalismo cruel, sem alma, que está estagnando, destruindo, desvitalizando as populações da América Latina. (Palmas prolongadas)

Espero, sinceramente, que eles, e as agências noticiosas, e os seus aliados, amigos e dependentes instalados em nosso próprio País, não me chamem de comunista, por tal afirmação. (Palmas)

Não há dúvida que os países que sofrem a influência de um dos sistemas que hoje dominam o mundo têm nas suas relações com a nação polarizadora do sistema a causa e a força determinante das feições que possam adquirir e apresentar, interna e externamente. Suas feições, as feições desse país, refletem a intensidade e a natureza das relações que ele mantém com a nação polarizadora. Tais países têm sua realidade estrutural modelada de acordo com aquelas relações. A rigor, dificilmente essas nações podem adotar reformas ou transformações em sua estrutura interna que venham a afetar, direta ou indiretamente, o complexo, a trama dos interesses criados pelas aludidas relações.

Eis por que, em meu modesto entendimento, as reformas de estrutura de que o nosso País necessita para romper corajosamente a barreira do subdesenvolvimento, dependem de uma questão essencial, questão preliminar que consiste na revisão profunda dos termos de nossas relações com os Estados Unidos. (Palmas)

Quero-vos dizer que esta afirmação decorre de uma convicção muito intensa, fruto de uma longa evolução de meu pensamento. Eu não sou inimigo dos Estados Unidos. Estou apenas cumprindo o dever de pensar alto e com independência.

Digo-vos, meus jovens patrícios, meus Patrícios de todo o Brasil, que esta não é a palavra de um simples espectador mas a de um homem investido na responsabilidade de governar um dos maiores Estados da Federação. Ao termo de minha experiência de governante, da experiência que tenho recolhido da minha vida pública, eis que chego a esta conclusão: se o nosso País quiser, realmente, realizar as reformas que necessita fazer, a fim de evoluir rapidamente para um estágio superior de desenvolvimento, precisa rever, revisar profundamente o sistema de suas relações com os Estados Unidos.

Com isto não estou culpando individualmente ninguém – estou apenas enunciando um pensamento e uma convicção, e afirmando que a manutenção da estrutura arcaica sobre que assentam muitos setores de nossa vida está diretamente vinculada à vigência do sistema de nossas relações com os Estados Unidos.

Sei que esta minha afirmação pode chocar profundamente a muitas pessoas, inclusive a muitos americanos independentes, culturalmente emancipados. Espero, porém, que todas estas pessoas recebam esta minha afirmação sem reservas mentais, e sobre elas façam descer a sua crítica profunda, honesta e isenta.

Um dos fatores do nosso atraso não está apenas no intercâmbio econômico que vem carreando há decênios a nossa riqueza para os Estados Unidos e outras nações de vanguarda do mundo ocidental.

Não é esse intercâmbio em si mesmo, por nocivo, pernicioso que seja, o grande mal; o mal está, sobretudo, nas implicações, atentem bem, nos efeitos, nos resultados internos desse intercâmbio, que paralisa o País por reter o Brasil numa cadeia de dependência que, além de econômica, é psicológica; além de psicológica, é política.

Quando falamos nas reformas internas das quais o nosso País necessita, devemos ter em vista os efeitos e implicações aqui determinados, internamente, pela rede das relações com os Estados Unidos. Reformar, no Brasil, significa tocar nos interesses antissociais sustentados, mantidos pela rede das relações acima referidas. Ora, atentem para esse raciocínio: se tais interesses e privilégios estão incrustados no sistema de relações, são consequências das relações com os Estados Unidos, interesses que constituem o sistema interno que é associado daquelas relações externas, – como reformar sem tocar nesses interesses, como reformar sem tocar nas relações com os Estados Unidos?

Não estou aqui preconizando que se deva enfraquecer, ou que se deva romper relações entre os dois países. Isto seria um absurdo. Preconizo, sim, que estas relações se desenvolvam em outros termos.

E o que me preocupa, é que o dia em que o Brasil e os brasileiros resolverem reformar, como precisamos, o sistema de relações, iremos assistir os porta-vozes americanos nos acusarem de inovadores comunistas, intrigando-nos com a opinião pública mundial, além de se empenharem, aqui dentro, em soez campanha destinada a inutilizar os nossos esforços. (Palmas)

Hoje, ou melhor, sempre que surgir um movimento no Brasil visando reestruturar, visando reformar ou simplesmente visando colocar as coisas como as coisas devem ser colocadas, como, por exemplo, ocorreu no caso da Petrobrás, veremos o empenho em desfigurar esses movimentos, a eles atribuindo um conteúdo extremista e antiamericano. É o que a rigor acontecerá toda vez em que desejarmos modificar as coisas, sobretudo se desejarmos modificá-las fora do figurino e das receitas norte-americanas. (Palmas)

Quando subiu ao poder o Partido Democrata nos Estados Unidos, criou-se a impressão de que as nossas relações se iriam modificar, num sentido justo para o Brasil e para a América Latina.

O que vimos? Promessas sobre a intensificação de programas do tipo do Ponto 4; promessas sobre um “programa de alimentos para a paz”, etc. Poderemos, nessa linha, consolidar até as nossas dívidas – tudo isto pode ser útil, mas absolutamente não resolverá o nosso problema que não é de adiamento de dívidas ou de seu resgate.

Tem, então, como afirmam alguns pensadores e observadores nos Estados Unidos, esse País obrigação de auxiliar a América Latina?

Para aqueles que estão me ouvindo, eu direi que, de colaborar conosco, têm o dever, porque parte significativa da riqueza hoje acumulada nos Estados Unidos é parte do trabalho do nosso povo. (Palmas)

É uma afirmação que faço com independência. Se na Rússia se acumulam riquezas de outros países, eu não o sei e se o soubesse condenaria da mesma forma – estou tratando do nosso caso.

E não temos relações com a União Soviética, nem giramos em sua órbita.

Se os norte-americanos desejam ajudar-nos na criação do grande país que devemos e haveremos de ser, custe o que custar, primeiro necessitam considerar que é dever dos Estados Unidos ajudarem-nos, quanto mais não seja, pelo menos a título de ressarcimento por tudo o que o sistema espoliativo levou do Brasil para lá. E grande parte do fruto de nosso trabalho continua, ainda, sendo drenado para lá. E mais ainda: porque os termos das relações entre os dois países estão determinando o congelamento da arcaica e injusta estrutura interna, impedindo-nos de reformar, reestruturar a vida interna do Brasil, como é do justo anseio das grandes massas populares brasileiras. (Palmas)

E o que precisamos fazer para rompermos para a civilização e para o desenvolvimento?

Esta pergunta conduz a uma só resposta. Ela nos coloca frente a frente ao conceito de autodeterminação.

São autodeterminadas as nações que, em primeiro lugar, disciplinam como querem as suas relações e o seu intercâmbio com as nações do Universo. Em segundo lugar, só são rigorosamente autodeterminadas as nações que, através de meios ao seu alcance são capazes de executar, realizar as reformas estruturais consideradas necessárias à sua prosperidade social e econômica.

Quanto a este ponto, no que se refere à política de autodeterminação, desejo, neste instante, fazer uma declaração insuspeita, totalmente insuspeita. Eu a faço com este espírito de independência que, peço a Deus sempre caracterize a minha atuação na vida pública o que neste, instante, desejo solenemente dizer: a política de autodeterminação, e as medidas, as providências de defesa do princípio de autodeterminação consubstanciados na política externa anunciada e iniciada pelo Presidente Jânio Quadros e pelo Chanceler Afonso Arinos, só não tem os aplausos, a solidariedade e o apoio dos que desejam ver nesse país apenas o círculo estreito de seus próprios interesses. É aquela política a que convém ao Brasil.

Vejamos, agora, numa passagem, o que deveriam fazer os Estados Unidos se realmente desejam colaborar conosco.

Em primeiro lugar, os homens públicos e as autoridades e agentes do Governo deveriam deixar de dar cobertura à ação dos interesses privados, dos trustes e monopólios americanos, (Palmas) porque, a rigor, para uma nação como a nossa, e para os povos da América Latina, eliminar a interferência dos interesses privados, de trustes e monopólios na nossa vida econômica, constitui uma espécie de pré-requisito para o desenvolvimento. (Palmas prolongadas)

Vou voltar a essa minha afirmação. Duvido muito que alguém, nesta cidade do Rio de Janeiro, consiga convencer a um trabalhador que ele deve fazer um grande esforço para o desenvolvimento do Brasil. Não o conseguirá porque esse trabalhador está convencido de que hoje ele não trabalha para o Brasil, mas para enriquecer ainda mais a “Light and Power”. (Palmas). Cito a Ligth, como poderia citar centenas e centenas de organizações espoliadoras que se beneficiam direta ou indiretamente do trabalho dos brasileiros.

O problema do controle, da ingerência, do controle remoto de grandes setores da nossa economia, da presença de grandes organizações e da casta de milionários seus associados e dependentes indígenas, (Palmas) operando em imensos setores da nossa economia, precisa ser resolvido, porque é ele que gera no povo brasileiro e nos povos da América Latina uma psicologia contrária ao esforço e ao sacrifício para o desenvolvimento. E, sem romper esta psicologia, torna-se muito difícil a mobilização para o desenvolvimento. O desenvolvimento não se faz sem mobilização humana, sem a participação das grandes massas, porque tudo é o homem quem faz, tudo depende do homem, tudo depende do povo e de bons dirigentes.

Entendam os homens públicos dos Estados Unidos, se puderem; entendam se puderem a afirmação acima feita; mas, entendendo-a ou não, tenham absoluta certeza de que dificilmente os planos que pretendem realizar na América Latina alcançarão resultados se aquele pré-requisito para o desenvolvimento que é o da remoção da interferência dos interesses de grupos econômicos americanos da nossa economia, não for preliminarmente atendido.

Em segundo lugar, que nos seja permitido realizar as reformas internas, das quais necessitamos. Reformas estruturais e, sobretudo, reformas que nos permitam assumir o controle das organizações que interferem negativamente em nossa prosperidade econômica e social; só após essas reformas, o humilde trabalhador, modesto, e simples, que esteja movimentando as nossas máquinas ou mesmo cuidando da terra, terá a certeza de que o fruto de seu trabalho, a riqueza que está criando é nossa, é do Brasil, é dos brasileiros. (Palmas)

Se os Estados Unidos desejam fazer grandes empréstimos ao Brasil, e se quiserem ser nossos amigos, não pensem em emprestar às organizações privadas americanas aqui sediadas, porque, neste caso, estarão agravando a nossa situação. Que emprestem ao poder público, de governo para governo.

Não quero com isto dizer que devemos expulsar pura e simplesmente do Brasil as empresas americanas.

Não, elas podem ficar aqui, podem ficar, mas sob o nosso controle, com participação minoritária nas organizações.

Agora mesmo, estou em discussão no Rio Grande do Sul com a empresa telefônica, subsidiária que é de um grande truste norte-americano. Eu não vou encampá-la. Eu não a quero comprar, inclusive porque o seu equipamento não serve para mais nada. Fundei uma sociedade de economia mista e fiz um convite à aludida empresa para participar da sociedade, mas, apenas e no máximo, com 25% do capital.

O problema que coloco em foco, isto é, o de assumirmos o controle das empresas americanas, é, em última análise, um dos aspectos mais sensíveis do problema de nossa autodeterminação, dado que nenhum povo pode ser senhor do seu destino, enquanto sobre este se deliberar nos escritórios de Nova Iorque. (Palmas)

De outra parte, como poderemos considerar bem intencionados ou nossos amigos, os dirigentes norte-americanos, se os EE.UU. continuarem dando cobertura a privilégios, a situações antissociais existentes em nosso País, dos quais são exatamente titulares aqueles que se proclamam aqui dentro os maiores amigos e defensores dos Estados Unidos? (Palmas prolongadas)

Em verdade, meus Patrícios, se isso não for feito, dificilmente há de ser equacionada a situação do nosso País e da América Latina. Podem os Estados Unidos realizar quantos “programas de alimentos para a paz” quiserem; podem fazer quantas vezes quiserem consolidações de dívidas; podem nos continuar vendendo equipamentos financiados; podem nos propor quantas “alianças para o progresso” desejarem; podem nos fazer empréstimos e financiamentos e investimentos da maneira que quiserem, o máximo que conseguirão fazer aqui no Brasil é enriquecer grupos, ou, ainda, fazer mais alguns milionários enquanto vai inquietantemente aumentando a pobreza do povo brasileiro. (Palmas)

Então, o nosso país não terá condições para vencer o subdesenvolvimento e a corrida contra o tempo. Porque hoje há um fato novo que até agora não havia causado maior impressão: quando o Brasil possuía 30 milhões de habitantes, uma taxa de crescimento demográfico de 2,5 não era nada; mas agora, com quase 70 milhões de habitantes e uma taxa de crescimento demográfico de 2,7, eis que nos encontramos frente a frente a uma violenta explosão populacional.

O Nordeste terá em 20 e poucos anos 50 milhões de habitantes. Só na cidade do Recife, apesar das condições que conhecemos, terá cerca de 3 milhões de habitantes. Então pergunto: se os Estados Unidos não concordarem em modificar profundamente os termos de nossas relações, por conseguinte, das implicações internas e externas, se continuarem com a política que nos acenam, o que esperam de nós?

Que receita é esta, meus Patrícios? É exatamente a receita que aplicaram a Cuba. (Palmas prolongadas. A assistência de pé aplaude o orador).

Fácil é dizer, em relação a Cuba, que melhor seria que tudo ali tivesse sido resolvido pacificamente. Mas, diante das intransigências e das incompreensões que foram impostas àquela nação e àquele povo, como pensar assim?

Precisamos todos estudar e acompanhar atentamente o chamado “caso cubano”. Eu não estou aqui fazendo a defesa ou um elogio pessoal do Sr. Fidel Castro – estou falando com a consciência de minhas palavras. É que, a rigor, nenhum país e nenhum povo latino-americano pode deixar de atentar para as causas determinantes do chamado “caso cubano”, porque no caso cubano pode haver um espelho do que, desditosamente, venha ser o nosso futuro, se os termos de nossas relações com ou EUA continuarem como até agora. (Palmas)

Sou um dos que sustentam a tese de que devemos acompanhar atentamente o que lá aconteceu. Se hoje Cuba e seus dirigentes, estão desligados quase do mundo ocidental, isto se deve exclusivamente aos Estados Unidos, à intransigência, à intolerância dos dirigentes públicos e dos chamados homens de negócios norte-americanos. (Palmas)

Como esta incompreensão e sua intransigência estão crescendo à medida que a força da grande nação americana aumenta, temo que esta incompreensão e essa intransigência recaiam um dia sobre outros povos da América Latina. Sabemos que os dirigentes revolucionários cubanos quiseram, logo que vitoriosa a Revolução, encontrar um termo de vida concreto com os Estados Unidos. Mas, montados na sua intolerância, os Estados Unidos recusaram-se a admitir qualquer forma de convívio que importasse em abolir os inaceitáveis privilégios dos grupos espoliadores, e esta é a origem do “caso cubano”. Agora pretendem nos engajar, e arrastar toda a América Latina atrelada ao carro de sua intransigência. Não. Decididamente, não. (Palmas prolongadas)

Aí estão os livros escritos por sociólogos americanos insuspeitos, por professores das universidades americanas, revelando o quadro real de Cuba antes da revolução. Como aquele povo poderia autodeterminar-se, se os cubanos de tudo quanto tinham em seu país, nada era seu? Tudo era de propriedade estrangeira e norte-americana. Como poderiam dar terras aos que não tinham terras, se a maioria das terras era de propriedade de empresas estrangeiras e norte-americanas?

Entendo que devemos acompanhar o “caso cubano” considerando-o um problema tanto da América Latina quanto do Brasil. E ao estudar o “caso cubano” precisamos não nos iludirmos com as suas consequências, mas aprender com suas causas. As consequências pouco interessam, a rigor; as causas, estas, sim, a rigor, nos interessam, e vitalmente. (Palmas)

Estas são palavras que aqui me foram permitidas, meus jovens Patrícios, com sinceridade e franqueza, pronunciar, falando de uma parte sobre os problemas que empolgam o meu Estado, e, de outra trazendo uma contribuição modesta e despretensiosa à análise que todos nós fazemos todos os dias de nossos problemas e da realidade do nosso País.

Espero que esta contribuição vos possa ser útil. Reafirmo-vos que todas as minhas palavras foram pronunciadas com aquele sentido de independência tão necessário aos que meditam hoje sobre os problemas e os destinos do Brasil e da América Latina.

Deixo-vos estas considerações, deixando-vos também a certeza de que todas as minhas palavras foram pronunciadas no sentido de vos transmitir o meu pensamento, e não na intenção de escondê-lo. Falei aos moços do meu País. Falei àquele setor de nossa população que representa o pensamento de vanguarda do povo brasileiro.

Desejo sempre conservar-me afinado convosco, acompanhando as vossas manifestações e atitudes, pulsando pelos vossos ideais e vossas aspirações e esperanças. Desejo, sinceramente, que a mocidade de hoje consiga influir decisivamente nos destinos do País, fazendo o que a nós, os da minha geração, não nos for dado fazer.

Sinto-me inteiramente solidário convosco, nas atitudes que a mocidade vem assumindo em defesa do regime. Nem poderia ser outra a minha posição. O nosso regime não nos satisfaz tal como o temos, mas se conseguirmos aperfeiçoá-lo, muito ainda poderemos esperar de sua capacidade de servir como instrumento de benemerência humana e de justiça social. Precisamos reformá-lo, mas empregando os meios com os quais ele próprio está equipado para as reformas que no texto da própria Carta Magna estão previstas. Precisamos reformá-lo, para que cada vez seja maior a participação ativa do povo brasileiro na prática democrática, e, por tal modo, que a democracia não seja apenas privilégio de alguns, mas realidade social e econômica contemplada por todo o povo brasileiro. (Palmas)

Deixo-vos a minha homenagem, a segurança do meu apreço. Deixo-vos o meu agradecimento e, principalmente, o agradecimento do povo gaúcho, que tenho a honra de representar – agradecimentos pela oportunidade oferecida ao seu governante, de falar ao País, de falar aos moços, contribuindo como esteve ao seu alcance, para a luta pela completa emancipação do nosso País. (Palmas)

Tenho a certeza de que a nossa geração ainda viverá o dia que o nosso País conseguirá efetivamente superar todos os fatores que entorpecem a nossa marcha para o desenvolvimento, para a prosperidade, para a civilização. Sobretudo anima-me a convicção inabalável de que longe não estará o dia em que estruturaremos dentro do nosso País a sociedade que sonhamos e idealizamos, sem ignorância, sem analfabetismo, sem doentes desassistidos, sem pobreza; sociedade justa e humana, na qual todos os brasileiros, principalmente, os jovens, tenham igualdade de oportunidades para prestarem serviços à grande Nação que inapelavelmente seremos.