Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Ataque em nova fase

Quarta, 22 de setembro de 2010 
Por Ivan de Carvalho
    Ataques do governo à mídia não são uma novidade histórica. Ocorrem com certa freqüência nos países cujos governos são pouco afeitos à democracia ou têm pouco afeto à liberdade. Esses ataques de quando em vez têm ocorrido no Brasil.

O fenômeno experimentou uma fase especialmente intensa durante o regime militar que consumiu a década de 70 e parte das décadas de 60 e 80 do século passado. Então, o ataque era geralmente silencioso, praticado pelo sufocamento econômico de alguns veículos, pela intimidação política implementada por inquéritos policiais e até processos judiciais e principalmente pelo silenciamento por intermédio da censura prévia.

Em alguns casos extremos, pelo ataque físico às instalações do veículo, como ocorreu, por exemplo, com a Tribuna da Imprensa, do Rio de Janeiro, que teve seus equipamentos e instalações literalmente destruídos. O processo movido por esse jornal contra o Estado brasileiro, reclamando indenização, ainda aguarda julgamento pelo STF, mas a destruição criou uma conjuntura financeira que obrigou finalmente o jornal a extinguir (suspender indefinidamente) sua edição impressa e manter apenas um site na internet.

A Tribuna da Imprensa era, na época em que foi atacada e destruída, um jornal que criticava duramente o governo. O governo mudou, mas o jornal continuou criticando duramente o governo de plantão, fosse qual fosse. Seu atual proprietário, jornalista Hélio Fernandes, sustenta que “imprensa é oposição, o resto é perfumaria”. Ou coisa semelhante.

Menos. Eu diria que menos. Mas, por causa de seu público, diante dos governos, a mídia tem algumas obrigações básicas. Quando um governo acerta, não faz mais do que sua obrigação e, portanto, não deve esperar elogios. Quando erra, descumpriu sua obrigação de fazer a coisa certa e merece críticas. Para impedir que continue errando e se compraza no erro e para que perceba o erro e sinta a necessidade de repará-lo.

Mas, no momento, no Brasil, a mídia está sob ataque severo do governo federal, principalmente do presidente Lula. Da maneira que ele está colocando as coisas, está fazendo muito mal à democracia e à liberdade que diz tanto prezar. Busca jogar os segmentos menos instruídos da sociedade brasileira contra a mídia, que, malgrado suas imperfeições, é indispensável à existência da liberdade em geral e da democracia.
Uma nova fase do ataque à mídia começa agora. A mesma fase que, na Venezuela, já está em avançado estágio de execução. Aqui, o presidente da República acusou a imprensa de agir como partido político. Isso, desta vez, talvez irritado por causa das graves denúncias – às vésperas das eleições – sobre violação de sigilo fiscal e sobre as coisas ruins no entorno da Casa Civil da Presidência da República.

Ato contínuo, as centrais sindicais, vinculadas ao governo, alguns sindicatos, partidos governistas e movimentos sociais farão na quinta-feira, em São Paulo, um “Ato contra o golpismo midiático”. O convite para o evento, divulgado pelo PT, acusa a imprensa de “castrar o voto popular”, de “deslegitimizar (sic) as instituições” e destruir a democracia. Chávez não diria melhor.

Ah, o convite para o tal “Ato contra o golpismo midiático” – apenas num primeiro momento evidente esforço para tentar vencer a eleição de governador em São Paulo – não faz, segundo O Globo, menção explícita às “denúncias de corrupção que atingem a Casa Civil da Presidência”.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta quarta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.