Quinta, 25 de agosto de 2011
Por
Ivan de Carvalho

Isto é o que está explícito
no projeto e, se aprovado, pode ser transformado em lei. Mas evidentemente que
se vier a existir esta lei, logo sua interpretação ou algum acréscimo
legislativo se encarregará de ampliar seu sentido. O poder público sem demora
passaria a ficar impedido de contratar para um recital qualquer poeta cujas
poesias (ou algumas delas) depreciem as mulheres ou incentivem o preconceito ou
a violência contra elas.
Só isto? Não. Acréscimo
legislativo ou interpretações judiciais que logo formariam jurisprudência
tornariam proibido ao poder público contratar o autor ou estimular, com
patrocínios ou outros instrumentos, a produção de qualquer obra de arte ou sem
arte (música, poesia, escultura, pintura, edição de livros de prosa ou verso,
álbuns de fotografias, produção, divulgação ou exibição de filmes e vídeos) que
incorram nos malfeitos já referidos e definidos no projeto da deputada Luiza
Maia. Bem assim, mostras ou exposições que incluam material lesivo às mulheres
na definição do projeto da deputada petista Luiza Maia.
O projeto fala de poder
público e como tal deve ser entendido o Estado da Bahia e seus municípios, pois
a lei estadual não pode regular a União. Mas devem ser incluídas as empresas
públicas estaduais e municipais e também as empresas de economia mista, pelo
menos as empresas de economia mista cujo controle acionário seja do Estado da
Bahia ou de algum de seus municípios.
Note-se que o projeto, uma
vez transformado em lei e se tiver seu sentido ampliado por analogia, por
intermédio de acréscimos legislativos ou jurisprudência, ganhará um raio de
ação muito amplo. Eu não me preocuparia com a falta de contratos,
financiamentos ou patrocínios e outros estímulos onerosos do poder público para
esse tipo de coisas e nem mesmo para cantores, músicos, cineastas, poetas e
outros artistas que, mesmo sem destratar as mulheres, devem construir eles
mesmos suas carreiras ou obter ajuda privada, sem onerar o contribuinte.
Afinal, o contribuinte no
Brasil já é vítima de cruel esganadura e o que lhe retira o Estado brasileiro
(e não vai pelo ralo da corrupção ou da má gestão) já não dá para manter um
admissível sistema de saúde, uma educação aceitável, uma segurança que se
respeite e seja respeitada pela criminalidade, dentre tantas outras coisas.
Diante disso, parece uma espécie de sadismo aplicado pelo poder público a toda
a população contratar cantores, bons ou debilóides, ou financiar festas com
dinheiro público, por exemplo.
No entanto, o projeto da
deputada Luiza Maia é complexo, pois no mínimo tangencia a questão da liberdade
de expressão. Estou escrevendo que tangencia por não proibir a exibição de “obras
de arte” que tenham o conteúdo que o projeto condena, mas apenas proibir que o
poder público contrate seus autores ou executores. De qualquer forma, no
entanto, o Estado estaria fazendo uma discriminação sobre o tratamento
financeiro a dar a uma produção artística a partir de uma avaliação prévia do
seu conteúdo. A Constituição permite isto? E quem, em nome do Estado, faria a
avaliação?
Assim, o parecer que a
seção baiana da OAB vai dar sobre a constitucionalidade do projeto de lei
“antibaixaria” – apelido que ganhou da imprensa – é importante. E imagino que
tenham também alguma relevância pontos levantados agora aqui neste espaço.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta quinta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.