Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

A metodologia dos protestos

Sexta, 28 de outubro de 2011
 Por Ivan de Carvalho
Nos Estados Unidos, a indignação popular com as centenas e mais centenas de bilhões de dólares – ultrapassando folgadamente a casa do trilhão – tomados aos contribuintes pelo governo para cobrir os rombos produzidos pela gestão esperta, temerária e gananciosa do mercado financeiro, bancos à frente, desencadeou o movimento “Ocupar Wall Street”.
 

    Por enquanto, o movimento tem reunido, em suas manifestações, apenas centenas de pessoas em algumas, uma ou duas mil em outras. Mas tendo começado em Manhattan com uma manifestação de cerca de 700 pessoas que se acorrentaram para dificultar a remoção, espalha-se em focos como uma epidemia em início de desenvolvimento por vários Estados e cidades do país.
 

    Zelosas com a questão dos direitos humanos, as autoridades não atacam diretamente o movimento por seu objetivo – o de acordar a sociedade para pressionar o governo a deixar de por a nação a serviço dos bancos sob a alegação de que os rentistas (aplicadores) seriam atingidos e isso seria uma desgraça. O que muito provavelmente é verdade. Não atacam pelo objetivo, mas já estão sentindo necessidade de arrumar pequenos pretextos para realizar prisões, como mais uma vez ocorreu ontem.
 

    No entanto, o movimento “Ocupar Wall Street” seria regiamente recompensado se conseguisse uma vitória praticamente impossível, a de quebrar o vínculo de cumplicidade entre o mercado e o Estado e de levar este último a adotar estratégia que o leve a deixar de operar como um mero servidor do mercado financeiro, um aplicado empregado, que sacrifica seus representados (a sociedade, os eleitores, os contribuintes, os cidadãos todos) para melhor servir seu insaciável amo e senhor. Se for preciso, o Estado sacrificará os direitos humanos tão valorizados nos Estados Unidos para poder sacrificar os humanos ao mercado.
 

    Bem, aqui no Brasil, a situação ainda não é esta ou – apesar da enorme carga posta sobre a sociedade pela trilionária dívida pública da União – pelo menos as manifestações populares estão longe de tratar do tema que mobiliza os protestos nos Estados Unidos.
 

    Aqui estamos ainda no estágio do protesto contra a corrupção. E há uma diferença de metodologia nas manifestações. Talvez esteja na hora de, ao tempo em que se dá continuidade à metodologia usada nas manifestações de protesto até aqui, que se iniciaram no 7 de setembro, se o MCC avaliar que há condições favoráveis, promover nova rodada no feriado de 15 de novembro, dia da proclamação da República.
 

   Mas a metodologia dos jovens norte-americanos é interessante e pode ser utilizada aqui, sem que isto signifique abandonar a metodologia já em curso no Brasil. A questão é chamar a atenção, despertar o interesse da sociedade, pautar a mídia. Sem violência, sem delitos, naturalmente.
 

    Mas se umas mil pessoas houvessem chegado e sentado diante do Ministério do Esporte na semana passada, amarradas com correntes ou algemadas (por elas mesmas, não há problema) durante todo um dia e, talvez, empunhando vassouras (haveria um grupo logístico, claro, para distribuir lanches, água, sucos), então não haveria nem como o governo nem como a grande mídia (e no rastro dela, a média, a pequena, a micro) ignorarem o fenômeno.
 

    E se coisas desse tipo se repetissem com freqüência, como está ocorrendo nos Estados Unidos, então o céu poderia ser o limite. Não se extinguiria a corrupção, mas pelo menos a falta de vergonha ficaria bem mais envergonhada e a estratégia do “casco duro” lançada pelo presidente Lula iria amolecer bastante.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta sexta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.
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