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(Millôr Fernandes)

sábado, 27 de abril de 2013

O debate da redução da maioridade penal: a racionalidade não foi convidada, afirma o deputado Ivan Valente

Sábado, 27 de abril de 2013
Leia a seguir o discurso do deputados Ivan Valente, Psol-São Paulo, sobre a redução da maioridade penal.

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, uma das tarefas mais difíceis para quem está envolvido diretamente com a política é remar contra a maré. Momentos de grande comoção tendem a concentrar as atenções da opinião pública e enviesá-la no sentido do que aparentemente é a solução definitiva para a violência crescente. A questão é que, na imensa maioria dessas ocasiões, não há racionalidade, não há argumentos. O debate passional, influenciado por situações de grande apelo trazem o risco de que ações que repercutem por gerações sejam tomadas de maneira arbitrária e por demagogos que buscam na maré do senso comum conseguir ganhos políticos imediatos.

Aqueles que conseguem ter a dimensão da totalidade da situação social do Brasil, que conhecem a sua história e as mazelas que nos legaram as elites, se lembrariam do filme Tropa de Elite 2. O enredo do filme amarra violência policial, desigualdade social e corrupção de maneira a mostrar como políticos sem escrúpulos se aproveitam desse emaranhado perverso.

Em uma cena emblemática, o governador encarnado na história dialoga com seus assessores diante da TV, que transmite um programa policialesco ancorado por um virtual candidato a vereador. Aos apelos do apresentador por justiça e aos números da audiência do programa, o governador dá o sinal verde para a operação que limparia a área para o início do domínio da milícia paramilitar em um morro carioca.

Trazemos este exemplo para ilustrar o que se tornou a tábua de salvação de políticos que não medem consequências quando se trata de garantir a própria eleição. É o apelo à redução da maioridade penal a nova tendência entre os demagogos de plantão, responsáveis por políticas de segurança pública falidas e que têm se mostrado em todas as evidências um verdadeiro desastre.


E o que querem esses senhores, detentores de mandatos públicos? A proposta do governador de São Paulo Geraldo Alckmin é de aumentar de três para oito anos o período de detenção de jovens até18 anos, em caso de ato infracional equivalente aos crimes hediondos. Outro ponto é que o infrator que completar 18 anos deverá ficar em regime especial nas fundações de ressocialização em vez de permanecer com os menores de 17 anos. O que seriam estas unidades não se diz, mas parece evidente que se trata de criar, na prática, presídios para adolescentes sem entrar em conflito com o Estatuto da Criança e do Adolescente.

O comportamento do tucano é embasado por uma opinião difusa na sociedade, mas que ganha corpo quando grandes tragédias acontecem, sensibilizando a população. No caso, a o assassinato de um jovem de 19 anos durante um roubo de celular, por outro que estava a três dias de completar 18 e, portanto, não pode se imputado como maior de idade. É justamente nesses momentos que surgem as pesquisas de opinião, como a produzida pelo Datafolha e divulgada nesta semana, que mostra que 93% dos moradores da capital paulista concordam com a diminuição da idade em que uma pessoa deve responder criminalmente por seus atos. Número é certamente impressionante, mas também tem incoerências próprias do debate feito com base em frases de efeito.

Curiosamente, segundo a mesma pesquisa, apenas 52% acreditam que a redução da maioridade penal implicaria na melhoria dos índices de criminalidade. Ora, se não resolve, por que a outra metade defende tal medida? A resposta é que não se trata de formular uma política séria de segurança pública, mas sim de vingar a uma sociedade amedrontada. Não raro, os defensores da redução não têm argumentos razoáveis, mas a demagogia nunca precisou se explicar. Além do mais, dizer que é a opinião majoritária que conta é um atentado contra a democracia, afinal, ela serve justamente para garantir os direitos da minoria contra a opressão da maioria.

Na maioria dos países de alto Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) a maioridade penal é de 18 anos. O único país entre eles que pune jovens como adultos, os Estados Unidos, onde a maioridade é de 12 anos, é justamente o país com os piores índices de criminalidade. Muitos países já fizeram experiências nesse sentido, mas o resultado é sempre o mesmo: não funciona. A diferença fundamental estre esses países e o Brasil é que neles a incidência do crime é ínfima, por uma questão muito simples: há um problema social seríssimo no Brasil, que é resultado direto da desigualdade social. Tanto que, quando um jovem de classe média comete um crime, não se torna notícia.

Mas os demagogos, quando confrontados, apelam sempre para o é preciso fazer alguma coisa. Sim, é preciso honrar o cargo para o qual foi eleito e fazer política pública séria e duradoura. Como temos visto nos últimos meses, o problema da segurança pública em São Paulo é muito mais sério e envolve, inclusive, casos de corrupção policial. Assim como não é séria a maneira como o Palácio dos Bandeirantes, há 20 anos nas mãos do PSDB, trata a reabilitação de jovens infratores.

Em todo esse período, a única iniciativa para mudar o panorama apavorante da antiga Febem foi mudar o seu nome para Fundação Casa, que de casa não tem absolutamente nada, não ensina cidadania, pelo contrário. Transforma jovens encarcerados – na imensa maioria das vezes por pequenos delitos – em potenciais criminosos. Será mesmo que reduzir a maioridade penal e coloca-los em penitenciárias já abarrotadas e falidas do ponto de vista da reinserção social teria algum resultado positivo? O sistema carcerário brasileiro é reconhecidamente um dos piores do mundo.

A política do medo imposta no estado, de repressão violenta e indiscriminada, as reações proporcionais do crime organizado, e a verdadeiro genocídio contra os jovens pobres e na maioria das vezes negros das periferias, já se mostrou um profundo e terrível equívoco, porque não vai à raiz do problema, que é social. Mas a gestão tucana já se mostrou incapaz de pensar políticas progressistas de redução das desigualdades. É melhor jogar para a torcida, porque a eleição já está na cara do gol.