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(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Comida enganosa

Segunda, 22 de abril de 2013
Por Ivan de Carvalho
O aumento da renda dos habitantes do Norte e Nordeste do Brasil e alterações de hábitos alimentares provocadas principalmente por esse aumento da renda levou a um salto nas taxas de mortalidade por doenças cardíacas nessas regiões.

Um estudo da Pontifícia Universidade Católica do Paraná analisou as mortes por infarto e angina ocorridas no Brasil entre 2000 e 2010 – um total aproximado de 1 milhão de casos, superada apenas pelo número de mortes por acidentes vasculares cerebrais (AVCs).

         O estudo, objeto de reportagem de Estelita Carazzai divulgada no site da Folha de S. Paulo, demonstrou que, enquanto os índices de mortalidade por doenças cardíacas se manteve estável no conjunto do país, caindo até 25 por cento no Sul e Sudeste, eles aumentaram no Norte e Nordeste. Entre os homens nordestinos, por exemplo, o aumento representa um salto que se pode chamar até de espetacular – 34 por cento.

         Uma das explicações para o notável aumento do percentual de óbitos constatado pelo estudo – e sem dúvida a mais importante delas – foi a mudança de hábitos alimentares induzida, principalmente, pelo aumento da renda dos habitantes das duas regiões.

Nortistas e nordestinos passaram a consumir mais alimentos industrializados, hipercalóricos e ricos em sódio, que agravam fatores de risco cardíaco como a hipertensão, a obesidade e elevação das taxas de colesterol. O pesquisador José Rocha Faria Neto, cardiologista e professor da universidade que fez o estudo, assinala que “O Brasil tem bons programas, como a oferta de medicamentos gratuitos para diabéticos e hipertensos, mas a coisa tinha que ser mais embaixo”, disse ele, completando: “Educar o povo a comer, por exemplo”.

Ensinar o povo a comer. Dar-lhe informações. Os governos federal, estaduais e municipais poderiam destinar uma parte considerável do dinheiro dos impostos que gasta com propaganda para fazer uma campanha sobre alimentação saudável.

Mas o poder público não faz isto nem pensa nisto. Muito pelo contrário, a União tem, por exemplo, uma legislação que conduz o consumidor a erro.

Editada em 2003 e com aplicação obrigatória a partir de 2006, a Resolução nº 360 da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que torna obrigatória a rotulagem nutricional, permite à indústria de alimentos dar um drible espetacular no consumidor, quando estabelece as exigências sobre informações a respeito da nociva gordura trans nos rótulos.

Como? Assim: quando você pegar um produto e ler, em letras graúdas, que ele tem “ZERO gordura trans na porção”, significa, na verdade, que ele contém gordura trans na porção. O contrário do que o regulamento da Anvisa permite seja informado no rótulo.

Claro que tem uma “explicação”. É que a Anvisa estabeleceu que quando o conteúdo de gorduras trans na porção for igual ou inferior a 0,2 grama, a informação nutricional será expressa como “zero” ou “não contém”. Pode botar “zero gordura trans na porção” ou “não contém gordura trans na porção”, mas contém. Estão, governo e indústria, enganando o consumidor e a indústria ainda aproveita a brecha maliciosa no regulamento da Anvisa para fazer propaganda enganosa, pondo em grande destaque nas embalagens ou rótulos o ZERO, como já assinalado. E, é claro, a indústria ajusta a “porção” de cada produto de modo que a quantidade de gordura trans não ultrapasse, nela, 0,2 grama. Se cinco biscoitos ultrapassam ligeiramente o limite, a “porção” será fixada em quatro biscoitos – e o Zero ou o “Não Contém” enganosos estarão lá. A gordura trans, uma “gordura plástica”, segundo o cardiologista e nutrólogo Lair Ribeiro, é rejeitada pelo corpo e acaba indo para o fígado que, em um esforço “para se limpar, aumenta a produção de colesterol”.
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Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta segunda.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.