Sábado, 27 de abril de 2013
Por Ivan de Carvaho

É evidente
que neste caso a “tempestade em copo d’água” é apenas frase feita. A frase
reutilizada pelo deputado Décio Lima tem exatamente o cristalino propósito de
confundir, um pouco a mídia e largamente a sociedade brasileira. Porque, em
verdade, tanto a PEC 33 quanto a decisão da Comissão de Constituição e Justiça
de considerá-la constitucional são furacões desencadeados contra o regime
democrático.
A comissão
da Câmara, diz seu presidente petista Décio Lima, “não entrou no mérito” da PEC
33, apenas admitiu sua admissibilidade – o que significa que a julgou constitucional
e conforme o nosso sistema jurídico. Mas é exatamente aí que está o verdadeiro
mérito – melhor dizendo, demérito – dessa proposta de emenda constitucional.
Ela é inconstitucional.
Entre os
teóricos da Revolução Francesa de 1789, havia, sobre a natureza da democracia,
duas teorias. Uma de Montesquieu, que propunha a estruturação do Estado em três
Poderes, independentes e harmônicos – o Legislativo, o Executivo e o Judiciário
– funcionando de forma que nenhum deles pudesse subjugar os demais. O equilíbrio
do sistema era fundamental para Montesquieu. A teoria de Montesquieu foi, antes
mesmo de deflagrada a Revolução Francesa com a tomada da Bastilha, adotada pela
Revolução Americana, que a adotou na Constituição dos Estados Unidos da
América.
A outra teoria
tinha como criador e expoente máximo o filósofo Jean Jaques Rousseau. Definia a
democracia como o governo da maioria, sem ressalvas. A maioria não tinha
obstáculos, podia fazer o que quisesse. A minoria que se danasse. Evidente que
Rousseau deve ter fritado os neurônios em algum estágio da elaboração de sua
teoria, pois, ao invés de um regime democrático, ele propunha,
inquestionavelmente, a ditadura da maioria.
Nos regimes
democráticos, a teoria de Rousseau não tinha como prevalecer. Mas, ironia das
coisas e das ideias, acabou, de certa forma, sendo assimilada pelo marxismo e
sendo aplicada, com distorções que mais ainda a perverteram, nos países
comunistas. Com base em que o “proletariado” constituía a maioria – e uma
maioria explorada – Marx propôs a “ditadura do proletariado”. Lembram-se da
ditadura da maioria que, para os neurônios de Rousseau, constituiria o regime
democrático? Pois é.
Mas os
regimes comunistas não iriam parar aí. Já imaginaram a “maioria”, o
proletariado inteiro governando? Nada disso, vamos botar ordem na coisa, pensou
Lenin. O proletariado será representado pelo Partido, que decidirá e falará em
nome dele e principalmente o controlará. E de fato ocorreu largamente no mundo
e ainda ocorre em alguns lugares.
Pode ser que,
no Brasil, considerável número de políticos e alguns partidos preservem, mesmo
todo atrapalhado pelo espetacular colapso que sofreu em âmbito mundial, o sonho
de Marx e Lenin. E busquem concretizá-lo por vias transversas, com a aplicação
da teoria “democrática” de Rousseau, do domínio absoluto da maioria sobre o
todo – no caso, da maioria parlamentar –, para o que será preciso, antes,
desmontar o sistema estruturado na divisão de Poderes proposta pela teoria de
Montesquieu.
É o que
tenta fazer a PEC 33, ao pretender sobrepor o Congresso ao STF e roubar a este
atribuições constitucionais fundamentais, atingindo exatamente cláusulas
pétreas sobre a independência dos Poderes. A principal questão do mérito da PEC
33 é esta, sua inconstitucionalidade, e foi isto que a Comissão de Constituição
e Justiça da Câmara examinou. Ao contrário do que disse seu presidente, a CCJ
entrou no mérito, sim, entrou no âmago do mérito, e decidiu contra a parte da Constituição
de 88 que não pode ser emendada e contra toda a tradição constitucional
brasileira, excetuando-se período ditatorial sob Getúlio Vargas.
- - - - - - - - - - - - - - - - - -
Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da
Bahia deste sábado.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.