Sábado, 26 de novembro de 2011
Ministério Público investiga fraude na folha de pagamento da Aeronáutica depois de descobrir que oito mil militares demitidos nos últimos dez anos permanecem ativos em cadastro interno
por Claudio Dantas SequeiraROMBO
Fraudes na FAB podem chegar a R$ 3 bilhões, valor correspondente
a 70% do investimento previsto para o setor em 2012
O Ministério Público Federal está
debruçado no que pode ser um dos maiores escândalos de desvio de verbas
já descobertos envolvendo a Força Aérea Brasileira. Cerca de oito mil
militares que foram demitidos nos últimos dez anos continuam ativos no
cadastro interno da FAB e de órgãos federais, como o Ministério do
Trabalho e da Previdência. Na enorme lista de soldados fantasmas – que
corresponde a 12% do efetivo da Aeronáutica – constam até mortos,
segundo documentos obtidos com exclusividade por ISTOÉ e que estão sendo
analisados pelo procurador da República Valtan Timbó Furtado, do 7º
Ofício Criminal, de Brasília. Depois de analisar os papéis, que incluem
laudos internos da Aeronáutica e do Ministério da Defesa, o procurador
encontrou elementos suficientes para investigar a FAB por crime contra o
patrimônio e estelionato. “Vou pedir à Polícia Federal que instaure o
inquérito”, disse Furtado à ISTOÉ. O rombo pode alcançar R$ 3 bilhões,
valor equivalente a 70% de todo o investimento da Força Aérea previsto
para 2012 e 20% do orçamento da Defesa. Na mira do procurador estão
chefes de bases aéreas, comandantes do Estado-Maior da Aeronáutica e dos
departamentos e diretorias de pessoal a eles subordinados.
Informada do caso em abril, a presidenta da República, Dilma Rousseff,
ordenou uma devassa nas contas da Aeronáutica. Mas pediu sigilo para
evitar ferir suscetibilidades. A suspeita da fraude aconteceu quando um
grupo de ex-soldados decidiu recorrer à Justiça para tentar reingressar
na FAB. Eles são parte de um contingente de 12 mil homens que entraram
na Força Aérea entre 1994 e 2001, por meio de concurso público para o
cargo de soldado especializado. A função fazia parte do Programa de
Modernização da Administração de Pessoal, idealizado pelo brigadeiro
José Elislande Bayo, que mais tarde seria secretário de Finanças da
Aeronáutica. Em documento interno, classificado como reservado, Bayo
atacou a “cultura viciada de improviso” e “métodos ultrapassados”. Para
combater esses problemas, propôs a reestruturação de quadros e a criação
da “figura do soldado especializado”, que poderia “dispensar o
recrutamento para o serviço militar obrigatório”.
A ideia parecia boa, mas por algum motivo não funcionou. Dos 12 mil
soldados especializados que prestaram concurso, apenas quatro mil foram
aproveitados. Os demais acabaram desligados da FAB sem nenhuma
justificativa, ao término de seis anos engajados. Como o edital não
previa temporalidade, cerca de três mil desses soldados reuniram-se numa
associação, a Anese, Associação Nacional dos Ex-Soldados
Especializados, e passaram a cobrar o direito de reingresso. Foi quando
descobriram que seus cadastros continuavam ativos, apesar da demissão.
Luiz Carlos Oliveira Ferreira, por exemplo, trabalhou no Parque de
Material Aeronáutico dos Afonsos até 2001. Seu desligamento foi
publicado em boletim interno, mas a FAB não comunicou a dispensa ao TCU,
ao Ministério do Trabalho ou à Previdência. Quem consulta a RAIS
(Relação Anual de Informações Sociais), o CNIS (Cadastro Nacional de
Informações Sociais) e o Caged (Cadastro Geral de Empregados e
Desempregados) verifica que Ferreira e tantos outros, como os
ex-soldados Williams de Souza, André Miguel Braga Longo, Alexandre
Gregório, Edmilson Brasil e Anviel Rodrigues, nunca foram demitidos de
fato. “A FAB cometeu todo tipo de fraude cadastral”, acusou o ex-soldado
Marcelo Lopes, que integra a direção da Anese em Brasília.