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(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Orçamento federal de 2013: 42% vai para a dívida pública. Entrevista especial com Maria Lucia Fattorelli

Segunda, 17 de setembro de 2012
Do Instituto Humanita Unisinos
“A dívida pública passa a crescer de forma descontrolada, levando o governo a contingenciar o orçamento das áreas sociais”, diz a auditora fiscal.

Confira a entrevista.

Quase a metade do orçamento federal do próximo ano, exatos 42%, está destinada ao pagamento da dívida pública brasileira. Dos 2,14 trilhões de reais, 900 bilhões serão gastos com o “pagamento de juros e amortizações da dívida pública, enquanto estão previstos, por exemplo, 71,7 bilhões para educação, 87,7 bilhões para a saúde, ou 5 bilhões para a reforma agrária”, informa Maria Lucia Fattorelli (foto), coordenadora da Auditoria Cidadã, à IHU On-Line.

Em sua avaliação, o orçamento da União está repetindo a mesma prática adotada há décadas, ou seja, “concede absoluta prioridade ao pagamento dos juros e amortizações da dívida pública – interna e externa”. Os valores destinados à dívida, ressalta, “nunca deixam de ser gastos”. Entretanto, os “valores designados para áreas sociais podem não ser totalmente executados (...) sob a justificativa de garantir o cumprimento da chamada meta de superávit primário, uma reserva orçamentária destinada exclusivamente ao pagamento da dívida pública”.

Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por e-mail, Maria Lucia enfatiza que o pagamento da dívida “favorece uma reduzida parcela de rentistas, que, à custa das restrições cada vez maiores aos direitos sociais, têm registrado lucros recordes”. E dispara: “A dívida pública se transformou em um mero instrumento do mercado financeiro. Em lugar de servir como meio de obtenção de recursos para financiar o Estado e incrementar as condições de vida de todos os brasileiros, tornou-se um mecanismo de subtração de crescentes volumes de recursos públicos, inviabilizando a destinação de verbas para áreas sociais e provocando a piora nas condições de vida da sociedade em geral, enquanto favorece o setor financeiro”.

Maria Lucia Fattorelli é auditora fiscal e coordenadora da organização brasileira Auditoria Cidadã da Dívida. Foi membro da Comissão de Auditoria Integral da Dívida Pública – CAIC no Equador em 2007-2008. Participou ativamente nos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a dívida realizada no Brasil. É autora de Auditoria Da Divida Externa. Questão De Soberania (Contraponto Editora, 2003).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais são as principais características da peça orçamentária da União para o ano de 2013? Qual é o peso que a dívida pública assume no conjunto do orçamento?

Maria Lucia Fattorelli – O Orçamento Federal de 2013 é de 2,14 trilhões de reais e, repetindo a mesma prática adotada há décadas, concede absoluta prioridade ao pagamento dos juros e amortizações da dívida pública – interna e externa. Essa dívida jamais foi auditada, a despeito do que determina o artigo 26 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988.

A peça orçamentária de 2013 reserva 900 bilhões de reais (correspondente a 42% do Orçamento Geral da União) para o pagamento de juros e amortizações da dívida pública, enquanto estão previstos, por exemplo, 71,7 bilhões para educação, 87,7 bilhões para a saúde, ou 5 bilhões para a reforma agrária.

Enquanto os valores destinados à dívida nunca deixam de ser gastos, os valores designados para áreas sociais podem não ser totalmente executados, tendo em vista as desvinculações (Desvinculação de Receita da União – DRU) e contingenciamentos que têm sido feitos reiteradamente pelo poder Executivo sob a justificativa de garantir o cumprimento da chamada meta de superávit primário, uma reserva orçamentária destinada exclusivamente ao pagamento da dívida pública.

É importante mencionar que esse privilégio ao pagamento da dívida favorece uma reduzida parcela de rentistas, que, à custa das restrições cada vez maiores aos direitos sociais, têm registrado lucros recordes. Isso tem ocorrido mesmo com as anunciadas reduções da taxa básica de juros (taxa Selic), pois, pelo atual sistema de lançamento de títulos da dívida pública, apenas doze bancos podem adquiri-los junto ao Tesouro Nacional. Esses bancos, chamados de dealers, somente compram títulos quando a taxa de juros oferecida atinge o patamar que eles desejam. Com isso, apesar da queda da Selic, na prática continuamos a pagar a maior taxa de juros do mundo, ou seja:

– enquanto o governo alardeia a comemoração sobre a redução da Taxa Selic para 7,5% ao ano, o custo médio efetivo da dívida pública federal está 11,3% ao ano (Tabela do Tesouro Nacional – Quadro 4.1);

– justamente quando a Selic passou a cair o Tesouro Nacional passou a vender os títulos lastreados em taxas fixas bem superiores à Selic, o que demonstra o forte poder dos bancos sobre a administração da dívida pública no Brasil;

– atualmente apenas uma parcela equivalente a 24,57% da dívida mobiliária de responsabilidade do Tesouro Nacional está atrelada à Selic.

Instrumento do mercado financeiro 
Leia a íntegra da entrevista