Segunda, 29
de dezembro de 2014
Por
Siro Darlan, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio
de Janeiro e Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia.
O Papa Francisco fez uma autocrítica da Igreja Católica
enumerando 15 “enfermidades” que acometem qualquer corporação ou grupo humano,
afirmando que: “Uma Cúria que não faz autocrítica, não se atualiza e não tenta
melhorar é um corpo doente”. Podemos aplicar essa reflexão a nossa
magistratura, com o perigo de causar um certo desconforto àqueles que se acham
acima do bem e do mal. Mas já que estamos virando o ano seria bom usar uma
certa analogia.
1. Sentir-se imortal ou indispensável. Recentemente foram
vários casos de magistrados que se colocaram acima das leis como se não fossem
obrigados a cumprir e fazer cumprir a Constituição e as leis como qualquer
cidadão. E como afirma Francisco, os magistrados também são como os aviões, só
são notícias quando caem.
2. Martalismo: Lembrando a passagem da Bíblia que se
refere a Marta, também os juízes são acometidos pelo excesso de trabalho e as
cobranças constantes por produção que os leva ao estresse e a má qualidade dos
julgamentos.
3. Dura mentalidade: Quando alguém perde a serenidade
interior, a vivacidade e a audácia e se esconde atrás de papéis, deixando de
serem intérpretes da lei do nosso tempo para serem meros repetidores das normas
sem se dar conta que nossos julgamentos são de homens como nós somos.
4. Excessiva planificação: É a tentação de alguns
administradores dos Tribunais de transformar os juízes em operários do direito
e contratam Fundações para aumentar a produção e o lucro. Os Juízes são
colocados como cobradores de taxas e impostos e se transformam numa caixa
registradora. Tornam-se contabilistas.
5. Alzheimer judicial: Ocorre quando magistrados
esquecem-se do artigo 5 da lei de Introdução ao Código Civil que prescreve que
o juiz não deve seguir friamente a lei e sim atender aos fins sociais, ou seja,
não deve ser apenas um juiz de direito, mas também um humanista, observando o
bem comum a que a lei se destina. Nem deve se distanciar demais da realidade
daqueles que julga sob pena de viver num mundo imaginário e irreal.
6. Rivalidade e vanglória: Há juízes que gostam de
honrarias e tem certo apego aos degraus que devem percorrer na carreira.
Portanto não se dão conta dos micos que pagam quando se submetem ao que
chamamos de “beija mão e lava-pés”, ou seja, submetem-se a humilhantes pedidos
a seus julgadores votantes e para isso usam de argumentos que não honram a toga
que vestem. Isso ocorre pela falta de democratização dos critérios de escolha
tanto dos dirigentes dos tribunais como das promoções dos magistrados.
7. Má coordenação: Ora se somos todos magistrados, qual a
razão de usarmos títulos diferentes: desembargadores e juízes. Se somos um
único corpo, o que explica essa falta de harmonia para uma melhor
funcionalidade.
8. Esquizofrenia existencial: Temos leis e a Constituição
que devem ser nosso guia de trabalho. No entanto, embora tenhamos o dever de
cumprir e fazer cumprir essas leis convivemos com injustiças sociais como se
vivêssemos uma vida dupla, fruto de uma hipocrisia que não nos deixa ver que o
sistema penitenciário é um desrespeito às leis que por descumprirem-nas
mandamos para ele. Convivemos com governantes que rasgam as leis, se corrompem
e corrompem promotores e magistrados e nada com eles acontece que sirva de
exemplo.
9. Terrorismo das fofocas: Quase como uma decorrência da
enfermidade acima, é a doença dos covardes que não tendo a coragem de falar
diretamente, falam pelas costas. Tanto vale para aqueles que falam mal dos
juízes sem levar a denúncia aos órgãos competentes quanto para os próprios
colegas que se utilizam dessa doença para prejudicar a imagem do colega.
Defendamo-nos do terrorismo das fofocas.
10. Divinizar os chefes: É a doença do carreirismo e
oportunismo. São pessoas que atuam na magistratura apenas em função do que
devem obter para si e não de servir através do poder que exercem. Tivemos casos
de Ministros que deram publicidade a sua saga carreirista ao acender uma vela
para Deus e outra para o Diabo.
11. A indiferença: Pode causar um mal muito grande à vida
comunitária pela perda da “sinceridade e calor das relações humanas”, e de
“quando por ciúme sente-se alegria em ver a queda dos outros em vez de ajudar a
levantar”. Ou ainda a indiferença com os dramas humanos que são levados a
julgar.
12. Cara de enterro: O Papa chamou por esse título, mas
nós podemos enquadrar pela cara de mal que fazem alguns magistrados não
cumprimentando as partes, os advogados, sendo rudes e grosseiros como se
estivessem na função de julgar com má vontade e não pelo prazer de fazer
Justiça, como é seu dever ético.
13. Acumular bens materiais: Não é nenhuma doença acumular
bens materiais, mas nós magistrados não podemos fazer usos de nossas funções
para obter vantagens, como por exemplo, adquirir bens através de leilões ou
outras formas que nossa função nos impede.
14. Círculos fechados: Sendo a função judicante social e
comunitária não podem os magistrados viver isolados de sua comunidade, vivendo
em grupos exclusivamente de seus pares porque além de afastar-se da realidade
de sua cidade, de seus vizinhos e amigos, terão muita dificuldade, quando se
aposentarem de serem aceitos.
15. O lucro excessivo e o exibicionismo: Ocorre quando o poder que nos foi outorgado pelo povo é utilizado para seu próprio serviço e não para servir ao povo que é o verdadeiro detento desse poder. Ou ainda quando transforma esse poder em mercadoria para obter mais ganhos ou mais poder.
15. O lucro excessivo e o exibicionismo: Ocorre quando o poder que nos foi outorgado pelo povo é utilizado para seu próprio serviço e não para servir ao povo que é o verdadeiro detento desse poder. Ou ainda quando transforma esse poder em mercadoria para obter mais ganhos ou mais poder.
É claro que, assim como o Papa Francisco fez com a Igreja,
não se trata de generalizar, nem acusar esse ou aquele magistrado de ser
portador de qualquer “enfermidade”, até porque acredito que em sua imensa
maioria os juízes são bons, trabalhadores e honestos, mas uma reflexão dessas
no início de mais uma temporada de trabalhos deve nos fazer muito bem.
Fonte: Blog do Siro Darlan