Quarta, 24 de dezembro de 2014
Ivan Richard - Repórter da Agência Brasil
Em
meio à movimentação de carros, do comércio e de pessoas praticando
atividades físicas, o Templo Honpa Hongwanji, ou Templo Shin Budista
Terra Pura, de Brasília - que fica em paisagem bucólica, quase
escondido, apesar de grandioso - é um convite à reflexão e à meditação.
Erguido
pelos primeiros imigrantes japoneses que chegaram à capital federal
durante a construção, o templo está localizado em uma das áreas mais
nobres da cidade, entre as quadras 315 e 316 da Asa Sul, a
aproximadamente dez quilômetros do Congresso Nacional.
A
arquitetura oriental, que mescla leveza e imponência, remete logo, no
primeiro olhar, às casas japonesas, de telhados altos e curvilíneos. Os
bambus presentes nos jardins dão ainda mais suavidade ao local. Apesar
da proximidade com o comércio da quadra, o espaço é calmo e silencioso.
Parte da cultura brasiliense, o Templo Budista tornou-se nesta semana patrimônio histórico da capital. Decreto publicado no Diário Oficial do DF protege
o templo de modificações na obra original, o sino Bonshô e seu
campanário, além do pórtico de entrada e dos dois localizados nas
laterais.
“Os
templo de antigamente, em qualquer lugar do mundo, eram centros
culturais. Eram escolas, dava-se aulas para as crianças, atendia-se aos
idosos, era onde a comunidade se encontrava. Aos poucos, eles foram
perdendo essa característica e passaram a ser locais onde se realizam
cerimônias, ofícios”, disse à Agência Brasil o monge Sato, responsável pelo local.
“Patrimônio
histórico, para mim, tem dois significados importantes e foi essa tese
que defendi no Conselho de Cultura para que o requerimento fosse para a
frente: primeiro, patrimônio não é bem material. Tudo bem que a
arquitetura seja bonita e isso é um bem que faz parte de Brasília, mas
há a parte histórica. Não para ficarmos com saudade, olhando para trás.
Histórico é a referência que temos para olhar para o futuro. Essa missão
do patrimônio histórico veio daí: um bem cultural que aponte para o
futuro como dom Bosco, Juscelino [Kubitscheck] e outros pioneiros
quiseram”, argumentou o monge.
Erguido pelos imigrantes japoneses
para manter vivas suas raízes e a cultura, o templo hoje é um espaço
aberto a toda a comunidade, com encontros de meditação (cantada,
recitada, contemplativa e silenciosa), sessões de massagem e aulas de
artes marciais.
“Embora a área tenha sido concedida aos japoneses
para a construção de um templo, ela tem essa missão ecumênica, de
servir à cidade. Hoje, a frequência dos não japoneses aqui é muito
grande”, ressaltou Sato. Principalmente no mês de agosto, quando é
realizada a tradicional quermesse.
De acordo com o monge Sato,
foi Juscelino Kubitschek que convidou imigrantes japoneses a virem para
Brasília à época da construção da cidade. “Ele queria que as pessoas não
comessem apenas carne, mas também legumes, vegetais e frutas, que eram
cultivados pelos japoneses. Então, os japoneses estão aqui desde o
começo para servir à população”.
Na nova capital, acrescentou, os
japoneses pediram ao então presidente do país uma área para a
construção de um templo. “A equipe de Juscelino - Lúcio Costa e Israel
Pinheiro - disse que teria que ser no Plano Piloto, sendo que a
comunidade japonesa morava distante do centro. Por isso foi concedido
esse lote tão nobre da cidade, porque Juscelino queria que a capital
fosse ecumênica, onde todas as religiões fossem representadas”.
Manuseando
entre os dedos o Juzu, uma espécie de terço usado pelos católicos, o
monge Sato explicou que o budismo convive tranquilamente com as
religiões. “A primeira vez em que vim ao templo, tinha mais de 50 anos e
estava vivendo uma crise política existencial. Subi os degraus por
acaso e depois aprendi que no budismo não tem nada por acaso”, contou.
Segundo
ele, naquele dia o monge que comanda o templo falava sobre a compaixão
de Buda e isso provocou uma mudança em sua vida. “O que é a luz da
compaixão?, perguntava. Deve ser algo parecido com o amor incondicional,
como o da mãe. Está sempre salvando, iluminando e a gente não sabe.
Isso me chamou atenção”, lembrou.
Sato contou que dali em diante
se ofereceu para ajudar o monge, principalmente com a língua portuguesa,
e começou a caminhada até ser ordenado em 1998. Desde então está a
frente do templo brasiliense.
No último evento do ano, no próximo
dia 31, haverá o tradicional ritual de passagem de ano, com a cerimônia
das 108 batidas no sino Bonshô. “São 108 esperanças sobre as quais
refletimos para renová-las”, disse ele.