Terça, 1 de novembro de 2011
Por
Ivan de Carvalho

Mas justamente pela imensa popularidade que tinha
no momento de deixar o governo e pela influência preponderante que tem sobre o
seu partido, que detém a Presidência da República e inúmeras outras posições
políticas em todo o país – obtidas por eleições e por nomeações –, bem como
pela capacidade de articulação de que desfruta no âmbito da coalizão de
governo, o câncer de laringe de Lula é fator essencial da política brasileira a
partir do último fim de semana, quando recebeu diagnóstico definitivo, ante os
resultados da biópsia realizada.
Referi-me, ontem, neste espaço, ao nível crítico
de incerteza a que a doença levou a política brasileira, agora governada pelo
que se pode chamar de “princípio da incerteza”. É claro que a atividade
política e as lutas pelo poder político estão muito longe de constituir uma
ciência exata. Mas os graus de incerteza naturalmente variam a depender dos
elementos em jogo.
Nas primeiras notícias, afirmou-se que a doença
de Lula tinha “mais de 60 por cento” de chances de cura. No domingo à noite, em
entrevista ao Fantástico, o médico pessoal de Lula, Roberto Kalil Filho,
apresentou estimativa melhor, chance de cura “de 80 por cento, o que é muito
bom”. Mas, como ainda restam 20 por cento, o fator incerteza é muito
expressivo. O tumor tem três centímetros e foi qualificado pela equipe médica
como “não muito grande”. É o tipo mais comum de câncer de laringe, tem
agressividade média, será tratado com quimioterapia e radioterapia.
Inicialmente, afastou-se a realização de
cirurgia, por não ser neste momento considerada indispensável. A cirurgia,
explicou a equipe médica, atingiria as cordas vocais do ex-presidente. Este é
um problema sério para qualquer pessoa, mas para Lula, um líder político e
popular, que usa a palavra como um dos principais instrumentos de sua atividade,
seria um desastre. De qualquer maneira, daqui a 40 dias avançados exames de
imagem vão avaliar os resultados da quimioterapia e radioterapia. Espera-se que
sejam bons, mas, se não forem, a hipótese de cirurgia voltará a ser examinada.
Lula poderia ser o candidato do PT a presidente
em 2014, mesmo que a presidente Dilma Rousseff esteja bem junto ao eleitorado.
Mas se ela não estiver popular, o PT tinha Lula como – para repetir uma
expressão que já usei antes – rede de segurança. Lula é o melhor candidato
reserva possível. A persistência dessa condição vai depender muito da evolução
da doença e do tratamento.
E é isto que eleva a nível crítico a incerteza em
toda a política brasileira e desde já, não somente em 2014 ou 2012, ano de
eleições municipais. O PT está solidário, como o povo brasileiro, com o
político, em muitos casos, com a pessoa de Lula, sempre (não há de se ficar
levando em conta alguns espíritos de porco). Mas, internamente, o PT está
agitadíssimo e a coalizão de governo não estará alheia ao mesmo estado mental.
É como se houvessem passado uma borracha na
página. “Esqueçam o que estava escrito aí. Vamos começar uma nova história. E
não sabemos ainda o que escrever sobre o personagem principal”.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta terça.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.