Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

terça-feira, 27 de março de 2012

Mais uma batalha perdida

Terça, 27 de fevereiro de 2012 
Por Ivan de Carvalho

O caso das gravações ou supostas gravações da Polícia Federal na Operação Monte Carlo e que envolvem o senador Demóstenes Torres, democrata de Goiás e um dos mais competentes parlamentares da oposição ao governo Dilma Rousseff – da mesma forma que foi oposição ao governo Lula – expõem um aspecto que diz respeito à cidadania, independentemente de quais sejam ou hajam sido as relações entre Torres e o empresário e investigado Carlos Augusto Ramos, mais conhecido como Carlinhos Cachoeira.
            
     O senador Demóstenes Torres afirma que suas relações com Carlinhos Cachoeira são exclusivamente de amizade, não tendo jamais envolvido qualquer comportamento que constitua infração à lei penal ou outra qualquer. É o que ele disse. Quanto à Polícia Federal, não disse nada.

Mas a Polícia Federal, não pela primeira vez e com toda a certeza não pela última vez, mas como há muito já se tornou rotina, está fazendo vazar frases ou pequenos trechos de conversas telefônicas havidas entre o senador e o investigado Carlinhos Cachoeira. Descontextualizadas, as frases ou trechos de conversas podem dar margem a suspeitas e até acusações informações, sejam da mídia, sejam de políticos adversários e não há garantia de que tais acusações ou suspeitas sejam verdadeiras, assim como não se pode ter certeza de que sejam falsas.

Mas é para obter esse resultado, exatamente, que se prestam e geralmente objetivam esses vazamentos pinçados, seletivos. O senador Demóstenes Torres, por seu advogado, já requereu acesso a todo o material que o envolve e que haja sido colhido pela Polícia Federal, não tendo até ontem obtido esse acesso.

No entanto, tudo indica que ele não figura como investigado na investigação, como mostra, com evidente razão, seu advogado. É que o senador tem foro privilegiado, que é o Supremo Tribunal Federal. No momento em que o juiz da 11ª Vara Federal de Goiânia chegasse à conclusão que o senador deveria ser investigado, ele estaria obrigado a declinar de sua competência, passando o caso à esfera do STF. Se não o fez é porque o senador Demóstenes Torres não figura como investigado na Operação Monte Carlo. Se figurasse, a investigação estaria sendo clandestina, ao arrepio da Constituição. E estaria sendo assim em uma situação jurídica tão clara que é inadmissível que um juiz estivesse aceitando e dando condições para tal absurdo.

Chega-se assim, até prova em contrário, à conclusão de que o senador Torres não está sendo investigado. Ora, aí é que as coisas ficam mais estranhas. Entende-se que o juiz da 11ª Vara Federal de Goiânia haja autorizado à PF empreender a escuta das conversas de Carlinhos Cachoeira, que é investigado na Operação Monte Carlo. Então, quando este fala com o senador ou vice-versa, a PF escuta e grava o que diz o senador.

Isto já leva a uma situação esquisita, jurídica e politicamente, mas sobretudo do ponto de vista da cidadania. É uma pessoa que só pode ser alvo de escuta eletrônica pela Polícia Federal com autorização de ministro do Supremo Tribunal Federal sendo escutado e gravado sem essa autorização. Dirão que é por acaso, que o alvo era Carlinhos Cachoeira, e que essas gravações não valem como prova judicial contra o senador. E realmente não valem. Mas valem como arma política, forma pela qual já estão sendo usadas, já que para isso mesmo a PF providencia seus vazamentos seletivos.

Seja o que for que aconteça com o senador Demóstenes Torres, tenha ele se comportado mal ou não – e essa dúvida estabelecida com base em comportamentos indevidos do Estado já é má em si mesma – a cidadania e o respeito à lei já perderam mais uma batalha.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta terça.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.