Terça, 27 de fevereiro de 2012
Por Ivan de Carvalho

O senador Demóstenes Torres
afirma que suas relações com Carlinhos Cachoeira são exclusivamente de amizade,
não tendo jamais envolvido qualquer comportamento que constitua infração à lei
penal ou outra qualquer. É o que ele disse. Quanto à Polícia Federal, não disse
nada.
Mas a Polícia Federal, não pela primeira vez e
com toda a certeza não pela última vez, mas como há muito já se tornou rotina,
está fazendo vazar frases ou pequenos trechos de conversas telefônicas havidas
entre o senador e o investigado Carlinhos Cachoeira. Descontextualizadas, as
frases ou trechos de conversas podem dar margem a suspeitas e até acusações
informações, sejam da mídia, sejam de políticos adversários e não há garantia
de que tais acusações ou suspeitas sejam verdadeiras, assim como não se pode
ter certeza de que sejam falsas.
Mas é para obter esse resultado, exatamente, que
se prestam e geralmente objetivam esses vazamentos pinçados, seletivos. O
senador Demóstenes Torres, por seu advogado, já requereu acesso a todo o
material que o envolve e que haja sido colhido pela Polícia Federal, não tendo
até ontem obtido esse acesso.
No entanto, tudo indica que ele não figura como
investigado na investigação, como mostra, com evidente razão, seu advogado. É
que o senador tem foro privilegiado, que é o Supremo Tribunal Federal. No
momento em que o juiz da 11ª Vara Federal de Goiânia chegasse à conclusão que o
senador deveria ser investigado, ele estaria obrigado a declinar de sua
competência, passando o caso à esfera do STF. Se não o fez é porque o senador
Demóstenes Torres não figura como investigado na Operação Monte Carlo. Se
figurasse, a investigação estaria sendo clandestina, ao arrepio da
Constituição. E estaria sendo assim em uma situação jurídica tão clara que é
inadmissível que um juiz estivesse aceitando e dando condições para tal
absurdo.
Chega-se assim, até prova em contrário, à
conclusão de que o senador Torres não está sendo investigado. Ora, aí é que as
coisas ficam mais estranhas. Entende-se que o juiz da 11ª Vara Federal de
Goiânia haja autorizado à PF empreender a escuta das conversas de Carlinhos
Cachoeira, que é investigado na Operação Monte Carlo. Então, quando este fala
com o senador ou vice-versa, a PF escuta e grava o que diz o senador.
Isto já leva a uma situação esquisita, jurídica e
politicamente, mas sobretudo do ponto de vista da cidadania. É uma pessoa que
só pode ser alvo de escuta eletrônica pela Polícia Federal com autorização de
ministro do Supremo Tribunal Federal sendo escutado e gravado sem essa
autorização. Dirão que é por acaso, que o alvo era Carlinhos Cachoeira, e que
essas gravações não valem como prova judicial contra o senador. E realmente não
valem. Mas valem como arma política, forma pela qual já estão sendo usadas, já
que para isso mesmo a PF providencia seus vazamentos seletivos.
Seja o que for que aconteça com o senador
Demóstenes Torres, tenha ele se comportado mal ou não – e essa dúvida
estabelecida com base em comportamentos indevidos do Estado já é má em si mesma
– a cidadania e o respeito à lei já perderam mais uma batalha.
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta terça.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.