Quinta, 29 de março de 2012
Por Ivan de Carvalho
A legislação que proíbe
dirigir sob o efeito de álcool e certas drogas é praticamente letra morta desde
ontem. Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça decidiu que o bafômetro –
que é específico para detectar álcool – e o exame de sangue são os únicos meios
que podem provar a embriaguez ao volante. A decisão não tratou de drogas, mas,
pela lógica da decisão, seu uso só poderia ser provado pelo exame de sangue.
A decisão foi adotada no julgamento de um
recurso do Ministério Público contra decisão do Tribunal de Justiça do Distrito
Federal que absolvera um motorista que havia se recusado a fazer o teste do
bafômetro. A decisão é apenas para o caso específico, mas representa uma clara
sinalização para todos os casos similares no país.
Uma polêmica foi aberta
durante o julgamento, quando o desembargador convocado Adilson Macabu alegou
que somente o bafômetro e o exame de sangue poderiam ser usados como meio de
prova para determinar se o acusado tinha no sangue um teor de álcool superior
ao permitido por lei para efeito de dirigir veículo.
O placar do julgamento foi de
quatro votos contra três. O grupo minoritário de ministros do STF, liderado
pelo relator, ministro Marco Aurélio Belizze, defendeu incluir outros possíveis
meios de prova da embriaguez, a exemplo do exame clínico do motorista e o
depoimento de testemunhas. Mas Adilson Macabu argumentou contrariamente, no
sentido de descartar todos os meios de prova como ineptos para medir o teor
alcoólico no sangue, exceto o teste do bafômetro e o exame de sangue.
Houve empate na votação, por três votos contra
três, e o voto de minerva, dado pela presidente da Terceira Seção do STJ,
ministra Maria Thereza Assis Moura, desempatou descartando os demais meios de
prova e, portanto, admitindo apenas o teste do bafômetro e o exame de sangue.
A Terceira Seção do STJ decidiu tendo em conta o
princípio constitucional e do Direito Penal de que ninguém é obrigado a
produzir prova contra si mesmo. Assim, ninguém é obrigado a fazer o teste do
bafômetro ou submeter-se a um exame de sangue. Quanto ao exame clínico e o
depoimento de testemunhas, podem até evidenciar embriaguês, mas não podem
fornecer uma prova material e nem quantificar com precisão quanto álcool está
circulando no sangue, de modo a se saber com segurança, sem nenhuma dúvida, se
ultrapassava o mínimo legal e em que medida. Ou até se existe algum álcool
envolvido.
Assim, para o tipo de caso examinado pelo STJ –
quando há uma quantidade limite de álcool que não pode ser ultrapassada sem
constituir crime, mas há uma pequena quantidade permitida – se o motorista se
nega a fazer o teste do bafômetro e o exame de sangue, ele esta totalmente
livre da acusação de dirigir embriagado. E se causa um acidente, estará livre,
por falta de provas, da agravante por dirigir alcoolizado. A não ser, como
ressalvou um dos julgadores, que se mude a lei.
Está sendo tentada uma emenda pior do que o
soneto. Um projeto em tramitação na Câmara dos Deputados, de autoria do
deputado Jonas Donizette, do PSB, condiciona a emissão da carteira nacional de
habilitação à concordância prévia do condutor, em se submeter, sempre que
solicitado, a testes ou exames para identificar a presença de álcool ou outras
substâncias psicoativas em seu organismo. Pela proposta, o condutor fica
obrigado a assinar o termo de autorização prévia tanto na emissão da primeira
habilitação quando nas renovações.
Boa intenção? Até pode ser, mas uma proposta
abestada e autoritária. Violência, mediante chantagem, contra aquele princípio
de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo. O projeto, se
transformado em lei, será inconstitucional e também desconhecerá um princípio
básico do Direito Penal. A chantagem: só recebe a CNH se assinar o termo, o que
representaria uma renúncia forçada a um direito constitucional e princípio
fundamental do Direito Penal ou uma renúncia ao direito a habilitar-se para
dirigir veículo.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta quinta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.