Segunda, 20 de maio de 2013
Da Pública
Agência de Reportagem e Jornalismo Investigativo
Memórias dos parentes de agentes da repressão revelam como os tentáculos
da ditadura militar no Brasil chegaram às relações familiares
ra sábado de manhã e o encontro havia sido marcado para dali a
algumas horas. Com a certeza da entrevista, os detalhes antecipados em
conversas informais pairavam no ar. As constantes mudanças de endereço.
Amizades quase inexistentes na infância. Os “tiras” que a acompanhavam
no caminho para a aula, e a sensação ruim diante da figura de um deles.
Um telefonema anônimo pedindo para ela avisar ao “papaizinho” que sabiam
da rotina dela.
G.* viveu a infância e a adolescência nos mesmos 19 anos de atuação
profissional do seu pai, um delegado que trabalhou durante o período do
regime militar brasileiro no Departamento de Ordem Política e Social de
São Paulo (DOPS), um dos órgãos repressores da ditadura.
O nervosismo e o medo de menina permanecem na mulher de meia idade
que prefere cancelar o encontro para evitar um desconforto na família,
mas dá indício das repercussões dessas histórias em si mesma. “Minha
intenção na época [do trabalho de conclusão de curso da faculdade de
artes] era fazer uma performance no ex-DOPS. Tinha em mente fazer uma
representação da liberdade em uma das celas, em argila em tamanho
natural, com alguém filmando em tempo real. Depois começar a
interrogá-la, e golpeá-la, de forma que ao final da atuação a estátua se
transformasse num amontoado de argila inerte novamente”, revela, sobre o
curso que fez já depois dos 40 anos.
A atitude de G.* prenunciou o receio de outros filhos de agentes da
repressão em falar abertamente de suas memórias. Outras duas famílias – a
de Rubens Tucunduva, que também foi delegado do DOPS, e a de Erasmo
Dias, secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo – não se
alongam nas respostas. Cristina Cardozo de Mello Tucunduva, 47 anos, a
filha caçula de Rubens Tucunduva, diz que era “muito pequena” para
lembrar-se das impressões causadas pelo trabalho de seu pai. Mas conta
que seus dois irmãos mais velhos também eram escoltados para a escola e,
em certas ocasiões, chegaram a não participar do recreio por segurança.
A caçula usa o termo “traumático” para justificar a negativa dos irmãos
em conceder entrevista. O homem que ao lado do delegado Sérgio Paranhos
Fleury comandou o cerco ao líder da guerrilha armada Carlos Marighella,
era para ela simplesmente um pai herói.