Segunda, 22 de junho de 2015
Do MPF
Tese jurídica desenvolvida pelo MPF foi decisiva
para a devolução dos animais
A partir de
atuação do Ministério Público Federal (MPF), o Brasil conseguiu a repatriação
de sete filhotes de uma jiboia leucística rara contrabandeada para os Estados
Unidos em 2009, por meio da fronteira de Roraima com a Guiana, após desaparecer
da Fundação Zoológico de Niterói. A cerimônia de transferência das serpentes
ocorreu em 17 de junho, na Embaixada brasileira em Washington, Estados Unidos,
com a presença do procurador da República Carlos Bruno Ferreira da Silva, do
diretor do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica
Internacional (DRCI) do Ministério da Justiça, Ricardo Saadi, e da Polícia
Federal.
Serpentes
leucísticas são aquelas em que a pigmentação concentra-se em uma parte do
corpo, diferenciando-se assim das albinas, que são completamente desprovidas de
pigmentos. Após a morte ou desaparecimento da cobra contrabandeada, chamada
Princesa Diamante e apelidada de "Lucy", cuja coloração
concentrava-se nos olhos, restaram seus filhotes, nascidos em cativeiro nos
Estados Unidos. Conforme decisão da Corte de Utah, a transferência das sete
serpentes ocorreu com a presença de autoridades especializadas no manejo de
répteis.
As
serpentes estavam em poder do comerciante de animais Jeremy Stone, que oferecia
a venda na internet os filhotes, que não são leucísticos, por até 60 mil
dólares. Um espécime como este de jiboia leucística, uma cobra constritora não
peçonhenta (Boa constrictor constrictor), possui alto valor no mercado
clandestino de animais, chegando a valer um milhão de dólares, além de ter
grande importância científica.
A batalha
pela defesa do patrimônio genético brasileiro para repatriação das serpentes
foi iniciada pelo MPF em Roraima (MPF/RR), pelo procurador da República Paulo
Taek, com o apoio do Ibama. Em 2013, o MPF/RR denunciou à Justiça Federal os
envolvidos no caso por crimes contra a fauna e o meio ambiente, furto,
contrabando, além de fraude processual. Em 2014, Jeremy Stone fez um acordo com
a Procuradoria de Utah e declarou-se culpado do crime.
"Por
se tratar de espécie rara e em risco de extinção, estes animais despertam a
cobiça de criadores de serpentes e são objeto de transações financeiras
vultosas no mercado clandestino de tráfico de animais silvestres”, explica o
procurador da República Fábio Brito Sanches, titular do ofício de Defesa do
Meio Ambiente do MPF/RR e atual responsável pela ação penal.
Atuação
do MPF - O MPF/RR
atuou na investigação criminal e no processo penal em razão de Roraima fazer
fronteira com a Guiana, local por onde a serpente matriz foi levada. Só o MPF
poderia dar início ao processo por ser o titular da ação penal, que foi
proposta em outubro de 2013 perante a 2ª Vara Federal de Boa Vista, Roraima. Em
13 de março de 2014, em decisão na ação penal, a Justiça Federal brasileira
determinou a repatriação das cobras. A Secretaria de Cooperação Internacional
(SCI) da Procuradoria-Geral da República (PGR) foi responsável pelo
fornecimento de atualizações processuais, pela tradução de pedidos e documentos
e pela apresentação de manifestações às autoridades americanas.
A
Procuradoria da República em Roraima e a SCI desenvolveram a tese jurídica de
que a Corte de Utah não precisava esperar o trânsito em julgado da sentença
penal condenatória, ou seja, a decisão definitiva do Brasil, porque as
serpentes foram levadas sem licença do Ibama e, portanto, não poderiam estar
legalmente nos Estados Unidos, independentemente do resultado da ação penal.
O
secretário de Cooperação Internacional, procurador regional da República
Vladimir Aras, explica que, normalmente, o confisco e a repatriação de bens só
acontecem após a apresentação ao Estado requerido de uma decisão penal
condenatória definitiva proferida no Estado requerente. "No entanto, a
devolução dos animais foi possível antes disso, graças ao plea agreement
(acordo de cooperação) de Jeremy Stone com a Procuradoria de Utah, a uma decisão
brasileira e a uma tese jurídica estruturada pelo MPF, sobre a ilicitude
originária da aquisição de um bem da fauna nacional", diz. Aras acentuou
que "o trabalho minucioso dos procuradores Paulo Taek e Fábio Sanches,
desde a fase do inquérito, foi fundamental para esse desfecho."
A partir da
articulação com outros órgãos, como o DRCI, a Polícia Federal e o Ibama, bem
como por meio da cooperação com as autoridades americanas no Estado de Utah, a
repatriação foi possível após menos de dois anos. Agora, segundo o secretário
de cooperação internacional adjunto, procurador Carlos Bruno Ferreira da Silva,
os brasileiros envolvidos estão sendo processados pelo MPF na Justiça Federal
de Roraima e os americanos já estão presos em Utah, por crime federal, após assumirem
a culpa para não irem a julgamento.
Ainda
segundo Vladimir Aras, a repatriação é uma vitória do MPF/RR e dos órgãos
nacionais que atuam na cooperação internacional, em uma área muito sensível,
que é a tutela do meio ambiente. "Este evento representa também uma
importante repatriação de ativos, no sentido econômico, pois estima-se que cada
um dos animais pode valer até 60 mil dólares no mercado, devido à possibilidade
de carregarem a mutação genética herdada da matriz", diz. "Ao invocar
a CITES (Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Flora e Fauna
Selvagens em Perigo de Extinção) na denúncia, o procurador Paulo Taek adotou
uma estratégia fundamental para obter cooperação das autoridades
americanas", conclui Aras. A espécie está listada no Anexo II da Convenção
CITES.
Entenda
o caso – Em 2006,
a espécie rara da jiboia foi encontrada por um bombeiro no meio da mata, no Rio
de Janeiro, e levada para a Fundação Jardim Zoológico de Niterói. Na época, o
local era administrado por Giselda Candiotto e o seu cônjuge José Carlos
Schirmer. Investigações posteriores mostraram que eles usavam o lugar como
fachada para o tráfico de animais silvestres.
Os
denunciados reconheceram o valor econômico da serpente no mercado estrangeiro e
passaram a procurar por algum interessado na sua aquisição. Foi quando Jeremy
Stone, um dos maiores criadores de serpentes dos Estados Unidos, mostrou
interesse na compra do animal. Em fevereiro de 2007, ele veio ao Brasil para
ver pessoalmente a cobra e negociar a compra com a gestora do zoológico.
Após
negociações e testes do grau de segurança da fronteira brasileira, em janeiro
de 2009, a cobra foi levada para Manaus para que a operação fosse concluída.
Jeremy Stone e sua irmã Keri Ann Stone tentaram deixar o Brasil com a cobra em
um cruzeiro e também por avião, mas não tiveram sucesso. Jeremy, no entanto,
conseguiu retirar o animal ilegalmente do Brasil pela cidade de Bonfim,
atravessando a fronteira de Roraima com a Guiana, onde conseguiu a exportação
de 121 cobras guianenses, e levou a jiboia brasileira escondida entre elas.