Segunda, 29 de junho de 2015
Devemos ser claros: quase
nenhum do enorme manancial de dinheiro emprestado à Grécia foi
verdadeiramente para lá. Foi canalizado para pagar aos credores do setor
privado – incluindo bancos alemães e franceses. O que a Grécia obteve
foi uma ninharia, mas pagou um elevado preço para preservar os sistemas
bancários desses países. Artigo de Joseph Stiglitz, Prémio Nobel da
Economia.
29 de Junho, 2015
O crescimento exponencial de disputa e conflitualidade no
seio da Europa pode parecer a quem está de fora como sendo o resultado
inevitável do amargo fim do jogo entre a Grécia e os seus credores. Na verdade,
os líderes europeus estão finalmente a revelar a verdadeira natureza da disputa
da dívida em curso, e a resposta não é agradável: é sobre poder e democracia
muito mais do que dinheiro e economia.
Claro, a política econômica por detrás do programa que a
troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário
Internacional) tem impingido à Grécia há cinco anos tem sido abismal,
resultando num declínio de 25% do PIB do país. Não consigo pensar em nenhuma
depressão que alguma vez tenha sido tão deliberada e que tenha tido tais
consequências catastróficas: a taxa de desemprego entre os jovens da Grécia,
por exemplo, já ultrapassa os 60%.
É surpreendente que a troika se tenha recusado a aceitar a
responsabilidade por alguma coisa destas ou admitir o quão maus tenham sido as
suas previsões e modelos. Mas, o que é ainda mais surpreendente é que os
líderes europeus não tenham sequer aprendido. A troika ainda exige que a Grécia
alcance um excedente orçamental primário (excluindo o pagamento de juros) de
3,5% do PIB em 2018.
Economistas de todo o mundo condenaram essa meta como
punitiva, porque exigi-la resultará inevitavelmente numa recessão mais
profunda. Na verdade, mesmo que a dívida da Grécia seja reestruturada para além
de qualquer coisa imaginável, o país permanecerá em depressão se os eleitores se
comprometerem com a meta da troika no referendo, a ser realizado sob pressão
este fim de semana.
No que respeita a transformar um grande déficit primário num
excedente, poucos países fizeram algo parecido com o que os gregos alcançaram
nos últimos cinco anos. E, embora o custo em termos de sofrimento humano tenha
sido extremamente elevado, as propostas recentes do governo grego fizeram um
longo caminho para serem atendidas as exigências dos seus credores.
Devemos ser claros: quase nenhum do enorme manancial de
dinheiro emprestado à Grécia foi verdadeiramente para lá. Foi canalizado para
pagar aos credores do setor privado – incluindo bancos alemães e franceses. O
que a Grécia obteve foi uma ninharia, mas pagou um elevado preço para preservar
os sistemas bancários desses países. O FMI e os outros credores “oficiais” não
precisam do dinheiro que está a ser exigido. Num cenário business-as-usual, o
dinheiro recebido, provavelmente, serviria para ser novamente emprestado à
Grécia.
Mas, novamente, o que interessa não é o dinheiro. É sobre
usar "prazos" para forçar a Grécia a ceder e aceitar o inaceitável -
não apenas medidas de austeridade, mas outras políticas regressivas e
punitivas.
Mas por que é que a Europa está a fazer isto? Por que é que
os líderes da União Europeia estão a resistir ao referendo e a recusar-se a
estender, por alguns dias, o prazo de 30 de junho para o próximo pagamento da
Grécia ao FMI? Não foi a Europa toda formada em cima da ideia da democracia?
Em janeiro, os cidadãos da Grécia votaram por um governo
comprometido em acabar com a austeridade. Se o governo estivesse simplesmente a
cumprir as suas promessas eleitorais, já teria rejeitado a proposta. Mas queria
dar aos gregos uma hipótese para refletirem sobre esta questão, tão
determinante para o bem-estar futuro do seu país.
Esta preocupação com a legitimidade popular é incompatível
com a política da zona euro, que nunca foi um projeto muito democrático. A
maioria dos seus governos não procurou aprovação do seu povo quando entregou a
soberania monetária ao BCE. Quando a Suécia o fez, os suecos disseram não.
Entenderam que o desemprego subiria se a política monetária do país fosse
estabelecia por um banco central que incidisse única e exclusivamente sobre a
inflação (e também que houvesse uma atenção insuficiente para com a
estabilidade financeira). A economia sofreria, porque o modelo subjacente à
zona euro se baseou em relações de poder desfavoráveis aos trabalhadores.
E, com certeza, o que estamos a ver agora, 16 anos após a
zona euro ter institucionalizado essas relações, é a antítese da democracia:
muitos líderes europeus querem ver o fim do governo de esquerda do
primeiro-ministro Alexis Tsipras. Afinal de contas, é extremamente
inconveniente ter na Grécia um governo que é tão contrário aos tipos de
política que tanto fizeram para aumentar a desigualdade em muitos países
avançados, e que é tão empenhado em reduzir o poder desenfreado da riqueza.
Parecem acreditar que podem, eventualmente, derrubar o governo grego forçando-o
a aceitar um acordo que viola o seu mandato.
É difícil aconselhar os gregos a como votar a 5 de julho.
Nenhuma alternativa – aceitação ou rejeição dos termos da troika – vai ser
fácil, e ambos carregam enormes riscos. Um voto sim significa depressão quase
sem fim. Talvez um país empobrecido – que já vendeu todos os seus ativos e cujo
povo jovem brilhante emigrou – poderá finalmente conseguir um perdão da dívida;
talvez, depois de se ter transformado numa economia de rendimento médio, a
Grécia poderá finalmente receber apoio do Banco Mundial. Tudo isto pode
acontecer na próxima década, ou talvez na década seguinte.
Por contraste, um voto não abre, pelo menos, a possibilidade
de a Grécia, com a sua forte tradição democrática, pegar no destino pelas suas
próprias mãos. Os gregos poderão ganhar a oportunidade de moldar um futuro que,
embora não tão próspero quanto o passado, é muito mais esperançoso que a
inconcebível tortura do presente.
Eu sei como votaria.
Tradução de Fabian Figueiredo para
esquerda.net.
Artigo
publicado em Project Syndicate