Terça, 30 de junho de 2015
Por Juliano Medeiros*
Quando a crise econômica
de 2008 transformou-se em crise da dívida nos países do sul da Europa, a
Grécia vivia um sistema político praticamente bipartidário. Como
acontecia em outros países do continente, liberais e social-democratas
alternavam-se de eleição em eleição, compartilhando de programas muito
semelhantes. A crise, porém, fez ruir o equilíbrio de forças e os dois
principais partidos – o Partido Socialista e a Nova Democracia – foram
soterrados pelos escombros da insatisfação popular. Comprometidos com o
ajuste fiscal e a retirada de direitos exigidos pela Troika formada pelo
Banco Central Europeu, União Europeia e Fundo Monetário Internacional,
os tradicionais partidos gregos foram perdendo espaço para alternativas
políticas críticas ao plano de ajustes implementado desde 2008. Na
cartilha da “austeridade” imposta pela Troika estavam a demissão de
funcionários públicos, o corte de aposentadorias, o aumento de impostos
indiretos, dentre outras medidas que redundaram num aprofundamento da
crise social e econômica.
Quando foram convocadas novas eleições para o parlamento grego, em
janeiro deste ano, todos sabiam que os partidos “anti-austeridade”
teriam um bom desempenho. O favorito dentre eles, o Syriza, conquistou a
maioria do parlamento e compôs o governo elegendo Alexis Tsipras como
primeiro-ministro. Em seu plano para combater a crise estava uma
combinação original: reverter as medidas de austeridade que retiraram
direitos, livrar a Grécia da dependência em relação à Troika
renegociando os termos da dívida grega e manter o país na zona do euro. O
Syriza não era o único partido a denunciar os efeitos nocivos dos
acordos firmados pelos governos anteriores. Outros partidos, à esquerda e
à direita, seguiam a mesma receita. Porém, o Syriza era o único a
defender ferrenhamente a manutenção da Grécia na zona do euro, o que foi
visto pela população como um diferencial em relação a outras forças de
esquerda, garantindo a vitória de Tsipras e seu partido.
Porém, a realidade mostrou-se mais complexa do que poderiam supor os
eleitores de Tsipras. Vencendo, o Syriza firmava dois compromissos de
difícil conciliação: manter a Grécia na zona do euro e reverter as
medidas de austeridade acordadas com a Troika. A manutenção do euro como
moeda no país depende, sobretudo, da continuidade dos pagamentos da
dívida grega – uma dívida absolutamente impagável. A estratégia de
Tsipras e seus negociadores foi a de pressionar publicamente os
representantes dos organismos multilaterais, mostrando o alto custo
social das medidas exigidas e conquistando apoio popular para o
enfrentamento que travavam no exterior. A Troika, por sua vez, seguiu
exigindo que a Grécia implementasse medidas de austeridade para, em
troca, manter o financiamento da dívida grega e aceitar uma
renegociação. Ao mesmo tempo, no plano interno Tsipras lutou para
reverter algumas das medidas que retiraram direitos do povo grego,
recuperando aposentadorias, anulando demissões e restabelecendo alguns
serviços básicos, como o fornecimento de gás aos mais pobres. Essas
medidas, no entanto, exigem recursos que hoje o Estado não tem. Por
isso a insistência de Tsipras em chegar a um acordo que permita a
manutenção dos empréstimos, sem os quais a economia grega entraria em
colapso – ao menos, momentaneamente. Porém, renegociando a dívida
e aumentando os impostos sobre os mais ricos, como defende o Syriza, em
pouco tempo o governo teria condições de se refinanciar e viabilizar a
retomada dos direitos usurpados nos acordos com a Troika.
Num cenário em que a Grécia deixe de pagar a dívida, investindo esses
recursos no financiamento de sua própria sua economia, o país pode ser
excluído da zona do euro, o que traria como consequência a restauração
da moeda anterior – o dracma – muito menos valorizada que o euro. Além
disso, a saída da zona do euro representaria, simbolicamente, uma
derrota do projeto vitorioso nas eleições de janeiro deste ano e o
fracasso das promessas do Syriza. Mesmo que o abandono do euro possa ser
compensado com outras alianças econômicas no médio prazo – como China e
Rússia – fazendo do dracma uma moeda competitiva, o elemento simbólico
seria forte demais, o que forçaria a convocação de novas eleições.
Nesse contexto de enormes dificuldades, o governo grego tem tido uma
postura impecável: defendeu os direitos dos mais pobres, denunciou a
armadilha montada pela Troika para manter o país refém de seus
interesses, instalou uma comissão para a auditoria da dívida grega e
recusou-se a implementar medidas que representassem qualquer ataque aos
direitos sociais. Mesmo as contrapropostas apresentadas recentemente,
aumentando impostos das grandes empresas e antecipando a contribuição
previdenciária das mesmas, embora interpretadas pela grande imprensa
como um recuo em relação ao programa do Syriza, estão dentro de limites
aceitáveis para um governo que atua com uma margem de manobra tão
estreita.
As negociações estão chegando a um momento decisivo. O FMI já se
retirou da mesa de diálogo duas vezes e os organismos europeus
recusam-se a aceitar uma renegociação da dívida grega sem que o governo
retire direitos, mesmo sabendo que ela é absolutamente impagável. Querem
a rendição de Atenas porque sabem que uma vitória grega nas negociações
pode estimular outros povos a buscar uma alternativa radical fora da
velha polarização entre direita e centro-esquerda. A concessão a uma
revisão da dívida, nesse caso, é o de menos: o que está em jogo é o
futuro da Europa e a contenção dos ventos de mudança que já sopram na
Espanha e Irlanda.
Diante deste cenário, o governo grego optou por uma saída radical:
convocar um plebiscito para que o povo grego decida a saída para o
impasse. Isso porque, o mandato concedido pela soberania grega ao Syriza
tinha limites claros, a saber, manter a Grécia na zona do euro sem
aplicar as medidas exigidas pela Troika. Isso mostrou-se impossível, já
que a Troika recusa-se a aceitar qualquer acordo que proteja os direitos
dos cidadãos gregos. O Syriza, assim, age com a máxima dignidade
possível. Se o povo grego optar pela implementação das medidas exigidas
pela Troika, provavelmente o Syriza convocará novas eleições, pois não
aceitará implementar um programa que não é o seu. Se, ao contrário, a
maioria decidir contra as medidas de austeridade, então o Syriza estará
legitimado para conduzir a Grécia para fora da zona do euro e liderar a
reconstrução do país com uma nova moeda, novos parceiros comerciais e
novas alianças estratégicas. Se der certo, isso abrirá as alamedas de
uma nova Europa.
A firmeza de princípios com que o Syriza defendeu os interesses do povo
grego até aqui merece o apoio de todos os socialistas. Ao contrário de
confirmar a tese dos céticos para os quais não há saída, Tsipras e o
Syriza deram uma verdadeira lição de como fazer política em favor dos
mais pobres. Mostraram que “nada deve parecer impossível de mudar”.
Entregam agora o destino da Grécia aos gregos. Que decidam com a mesma
sabedoria com que soterraram os partidos da ordem em janeiro deste ano.
*Juliano Medeiros é Secretário Nacional de Comunicação do PSOL.