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(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Ditadura: Para PGR, Justiça deve retomar ação contra coronel Ustra


Quinta, 18 de junho de 2015
Do MPF
Segundo Janot, sequestro qualificado de Edgar de Aquino Duarte tem natureza permanente e não foi abrangido pela Lei da Anistia
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que a Justiça Federal de São Paulo retome o julgamento do coronel reformado do Exército Carlos Brilhante Ustra, acusado pelo crime de sequestro qualificado de Edgar de Aquino Duarte, durante a ditadura militar. Janot solicitou urgência no julgamento em razão de o crime ter ocorrido em 1971 e testemunhas e acusados já se encontrarem em idade avançada.

A manifestação do PGR refere-se à Reclamação 19.760/SP, apresentada à 9ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciário de São Paulo, em que a defesa de Ustra questiona se o sequestro foi abrangido pela Lei da Anistia (Lei 6.683/1979). A Justiça Federal de SP afastou a aplicação da lei e indeferiu o pedido, alegando ter o crime de sequestro natureza permanente. A relatora da Reclamação no STF, ministra Rosa Weber, decidiu liminarmente, em abril de 2014, que o caso deveria ser suspenso, pois o tema está pendente de julgamento na Corte.
Segundo Janot, o STF julgou a constitucionalidade da Lei da Anistia, declarando sua validade para fatos ocorridos entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979. No caso do coronel Ustra, no entanto, o PGR argumenta que o caráter permanente do crime de sequestro afasta a aplicação da Lei da Anistia. “Enquanto os agentes não apontarem onde se encontra Edgar de Aquino Duarte ou seu corpo for encontrado, a conduta de sequestro está presente”, afirma o PGR. A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) já reconheceu expressamente o caráter permanente do desaparecimento forçado de pessoas.
Na manifestação, o procurador-geral lembra que o próprio STF, em casos idênticos, deferiu a extradição de agentes acusados pela Argentina de terem participado de sequestros ocorridos há quase 40 anos, argumentando que, enquanto não se souber do paradeiro da vítima, a privação de liberdade continua. Ainda de acordo com o procurador-geral, enquanto o crime ocorre, não se pode falar em prescrição.
“Torturas, mortes e desaparecimentos não eram acontecimentos isolados no quadro da época, mas a parte mais violenta e clandestina de um sistema organizado para suprimir, a todo custo, a oposição ao regime, não raro mediante ações criminosas cometidas e acobertadas por agentes do Estado”, apontou o PGR na manifestação. O desaparecimento forçado foi cometido contra ao menos 150 pessoas, segundo a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos.
Direito internacional -  O PGR cita a Convenção das Nações Unidade sobre a Não-Aplicabilidade de Crimes de Guerra e Crimes contra a Humanidade e a decisão CIDH para embasar o argumento de que crimes de lesa-humanidade não prescrevem. Janot lembra que o Brasil já foi condenado, em 2010, pela CIDH no caso da Gomes Lund vs. Brasil (Guerrilha do Araguaia), quando a Corte reiterou ser inamissível aplicar a prescrição ou impedir a investigação e a punição dos responsáveis pelos crimes cometidos.
Na condenação, o Brasil ficou obrigado a promover a responsabilização penal dos autores de graves violações a direitos humanos, inclusive no caso de desaparecimento forçado de pessoas. Assim, conforme aponta Janot, para a CIDH, “a Lei da Anistia não é documento jurídico válido para obstar a punição daqueles responsáveis pela prática de crimes de lesa-humanidade.”
Janot argumenta que as decisões da Corte geram obrigações para todos os órgãos estatais brasileiros. Em 1992, o Brasil promulgou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e, em 2002, reconheceu sua competência em todos os casos relacionados à sua interpretação ou aplicação. Segundo o parecer, essa decisão não é incompatível com a Lei da Anistia. No julgamento da ADPF 153, em que fez o controle de constitucionalidade da Lei 6.683/1979, o STF não esgotou o controle de validade da Lei da Anistia, pois não abarcou questões tratadas pela Convenção. Nesse caso, há o exercício do sistema de duplo controle. “Quando o Brasil aceitou a Convenção, se obrigou, de boa-fé, a respeitar e cumprir as decisões da Corte”, sustenta.
Denúncia – Em 2012, o Ministério Público Federal em São Paulo (MPF/SP) denunciou Ustra, comandante do Destacamento de Operações Internas de São Paulo (DOI-Codi-SP) no período de 1970 a 1974, pelo crime de sequestro qualificado de Aquino Duarte. Na ocasião, também passaram à condição de réus pelo mesmo crime o delegado aposentado Alcides Singillo e o delegado Carlos Alberto Augusto, ambos da Polícia Civil.
Veja aqui a íntegra da manifestação do PGR.