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(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

A verdade, uma vítima

Quinta, 25 de outubro de 2012
Por Ivan de Carvalho
         1. Em campanhas eleitorais, uma das principais vítimas – outras sempre existem – é a verdade.
 
      Veja-se, por exemplo, o que disse ontem, no subúrbio de Salvador, o ex-presidente Lula, no afã de defender para si mesmo a paternidade, que ninguém lhe nega, do programa Bolsa Família. “O povo pobre não merece mentira. Eu jamais bateria nele, mas agora ele mente dizendo que o avô dele criou o Bolsa Família”.

        Essa história de bater e não bater é outra, mas quando Lula diz que “ele mente dizendo que o avô criou o Bolsa Família”, não é o candidato a prefeito de Salvador, ACM Neto – a quem ele se referia – que está mentindo.

     O candidato, em nenhum momento, disse que o avô, senador Antonio Carlos Magalhães, morto em julho de 2007, há mais de cinco anos, portanto, criou o programa Bolsa Família. O que o candidato Neto disse, inclusive em debate com o candidato petista Nelson Pelegrino na TV Itapoan/Record, foi que a criação do Bolsa Família foi facilitada pela criação anterior do Fundo de Combate à Pobreza – o que aconteceu por emenda constitucional idealizada e proposta pelo senador ACM e aprovada pelo Congresso no ano 2000. O Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza foi criado com vigência até o fim de 2010 e prorrogado, por outra emenda constitucional – não mais de iniciativa de ACM, que já havia morrido – por tempo indeterminado. Seu objetivo foi “viabilizar a todos os brasileiros acesso a níveis dignos de subsistência”, o que seria feito com ações suplementares de nutrição, habitação, educação, saúde, reforço de renda familiar e outras.

       Note-se a mecânica do ataque de Lula. Primeiro, atribui ao candidato democrata ACM Neto uma afirmação que este não fez (de que seu avô criou o Bolsa Família) e em seguida o acusa de estar mentindo com a suposta afirmação inventada pelo próprio ex-presidente. Aliás, um ex-presidente não devia usar esse tipo de truques.

Francamente, ninguém devia.

Mas dá para entender, ainda que não para justificar. O ex-presidente da República possivelmente queria, além de ajudar o candidato do PT na campanha eleitoral, marcar para a história sua condição simultânea de autor e precursor do Bolsa Família. A história, no entanto, lhe creditará apenas a autoria. O precursor, obviamente, foi outra pessoa.

   2. No seu curto discurso de ontem no subúrbio, o ex-presidente Lula preferiu não repetir um comportamento que marcou sua atuação no comício da Praça Castro Alves, na campanha para o primeiro turno das eleições. Ontem, ele, não voltou a chamar o candidato ACM Neto de “naniquinho”, finalmente entendendo que isso, sobre ser bullying, pode ofender a todos os “baixinhos”, incluindo os eleitores baixinhos, que são muitos.

Antes da visita de Lula a Salvador, ontem, a presidente Dilma Rousseff, em comício na capital baiana, disparou: “Aqui não pode ter um governinho, um governo pequenininho”. O público do comício entendeu perfeitamente a alusão à pequena estatura física do candidato democrata ACM Neto, que, aliás, não fez qualquer manifestação a respeito até ontem.

O programa de Pelegrino na televisão chegou a transmitir a frase inteira, mas a repercussão parece não ter sido boa, pois a frase foi entendida mesmo como bullying e começou a causar mal estar. Então uma parte da frase foi suprimida do programa, de modo que o discurso da presidente passou a conter apenas parte da frase – “Aqui não pode ter um governinho”. De fato, “um governo pequenininho” desapareceu da peça publicitária.

A presidente bem que poderia e ainda pode pedir desculpas, como ACM Neto – talvez até aconselhado pelo avô, então ainda vivo – publicamente pediu a Lula, no muito falado caso da surra.
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Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta quinta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.