Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sábado, 27 de outubro de 2012

A proteção à infância e às famílias pobres no Brasil e na Argentina

Domingo, 27 de outubro de 2012
Do resistir.info

Alguns elementos acerca da mitologia propagandeada pelos sociais-democratas do PSDB e do PT 

Por Henrique Júdice Magalhães*

A narrativa corrente no Brasil é de que com a estabilização monetária de 1994 teve início uma contínua elevação do nível de vida dos brasileiros mais pobres, viabilizada pelo fim da corrosão inflacionária e reforçada por dois mecanismos principais. O primeiro deles é a política de aumento real do salário mínimo iniciada em 1995, com FHC, e intensificada a partir de 2003, ano da posse de Lula. O segundo é constituído pelos programas de transferência monetária focalizados nas famílias que tenham crianças em sua composição e estejam abaixo da linha de pobreza – especialmente o bolsa-família, criado pelo mesmo Lula e que abrange, hoje, todos os demais. A focalização dessas ações teria permitido ao país tirar aproximadamente 40 milhões de pessoas da pobreza. A sustentabilidade dessas políticas teria sido assegurada pela boa gestão econômica, baseada no equilíbrio fiscal e no respeito aos contratos do Estado com instituições financeiras internacionais e concessionárias de serviços públicos.

A Argentina, ao contrário, diz a narrativa corrente, desviou-se desse caminho. Lá, a última década teve como nota a expansão desenfreada do gasto público, complementada por uma sucessão de desvarios estatizantes. Isso teria conduzido o Estado platino ao isolamento internacional e, como resultado, sua economia está se dissolvendo em meio à alta inflação e à escassez de dólares. A população afunda na pobreza, faltam produtos básicos e o país está à beira da quebra. Enquanto isso, o governo manipula índices e a presidenta delira.

Isso repete, diuturnamente, a imprensa oligárquica e/ou mercantil daqui e de lá. Como dizem os argentinos,
allá ellos. Em outros tempos, veículos como Globo, Folha e Veja precisariam ser refutados. Hoje, após cavarem a sepultura de sua própria credibilidade, nem isso merecem. O problema é que, com variações na ênfase conferida ao papel dos governos FHC e Lula/Dilma, este é também o relato hegemônico entre intelectuais ligados ao PT e ao PSDB. Até mesmo personalidades vinculadas à esquerda mais radical (PSTU, PSoL, PCB) engolem a peta da redução da pobreza e da desigualdade operada pelo Plano Real e pelo bolsa-família. No máximo, agregam a esse reconhecimento algumas lamúrias pelo desvanecimento do ímpeto revolucionário das classes supostamente favorecidas por essas políticas. Os dois parágrafos anteriores já fazem parte do senso comum da classe média brasileira [1] – ou ao menos de sua fatia civilizada, já que a outra tem crenças distintas que serão tratadas na segunda parte deste artigo.

Há, entretanto, um problema insolúvel com essa narrativa: ela é inteiramente falsa. Inúmeros indicadores seriam capazes de demonstrá-lo. As taxas de crescimento da economia, por exemplo: desde 2003, quando assumem Kirchner e Lula, o PIB argentino – mesmo quando medido pelos critérios de agências opositoras
[2] – cresce muito mais que o brasileiro em todos os anos.

Mas já nos disse a senhora Roussef que “uma grande nação deve ser medida por aquilo que faz para suas crianças e para seus adolescentes. Não é o Produto Interno Bruto, é a capacidade do país, do governo e da sociedade de proteger o que é o seu presente e o seu futuro”
[3] . Vejamos, então, como se sai o Brasil neste tema após o octênio tucano e o decênio petista, tomando como termo de comparação a supostamente falida e caótica Argentina e cotejando os valores e condições de acesso dos programas de Seguridade Social destinados, lá e aqui, a famílias com crianças e/ou adolescentes.




Trabalhadores empregados na economia formal: salário-família x asignación por hijo

Comecemos pela economia formal e pelos trabalhadores empregados. A prestação de Seguridade Social brasileira relativa à infância e destinada a esse público é o salário-família. Já seu correlato na Argentina chama-se asignación por hijo. Ambas são custeadas pelas contribuições previdenciárias e administradas pelas respectivas autarquias do setor (INSS e Anses).

No Brasil, o salário-família é de 22 reais por filho, pagos a quem tenha remuneração mensal bruta até R$ 915,05; há, em tese, uma faixa na qual o valor seria de 31 reais, mas como seu teto (R$ 608,80) é menor que o salário mínimo (R$ 622), sua existência é mesmo apenas teórica. Na Argentina, a asignación por hijo vai de $ 340 (R$ 162 [4] ) a $ 733 (R$ 349 [5] ) por filho quando a remuneração bruta dos pais, somada, for de até $ 3,2 mil (R$ 1.523); $ 250 (R$ 119) a $ 662 (R$ 315) se estiver entre isso e $ 4,4 mil (R$ 2.095); $ 160 (R$ 76) a $ 635 (R$ 302) caso supere esse teto sem passar de $ 6 mil (R$ 2.857); e $ 90 a $ 357 (R$ 43 a R$ 170) para o último estrato, no qual situam-se os pais com ganhos decorrentes do trabalho que, somados, sejam superiores a esse limite e não maiores que $ 14.000 (R$ 6,7 mil). Nessa última faixa, o benefício só é devido se esse parâmetro não superar $ 7 mil (3,3 mil) para nenhum deles.

Mesmo considerando que no Brasil podem ser pagos dois salários-família (ao pai e à mãe) pela mesma criança e na Argentina não, a diferença é chocante, mais ainda considerando que esse comparativo refere-se a crianças com boa saúde. Se o filho tiver alguma deficiência, a Seguridade Social argentina paga ao pai ou à mãe um valor mensal entre $ 1.200 (R$ 575) e $ 2.400 (R$ 1.150) na primeira faixa de remuneração; $ 900 (R$ 430) e $ 2.400 (R$ 1.150) na segunda; e $ 600 (R$ 286) a $ 2.400 (R$ 1.150) se a remuneração bruta dos genitores superar $ 4,4 mil (R$ 2,1 mil), sem o teto aplicável ordinariamente.

O problema começa nesses números, mas não termina neles. O salário-família brasileiro só pode ser pago entre o nascimento e o dia em que a criança completa 14 anos de idade; o argentino, da concepção [6] até o aniversário de 18 anos (nos dois casos, o limite etário não se aplica aos filhos deficientes). No Brasil, apenas os empregados não-domésticos com carteira assinada, trabalhadores avulsos [7] e aposentados o recebem – mas, no último caso, apenas se a aposentadoria tiver ocorrido na condição de empregado ou avulso e se tiverem mais de 65 (homens) ou 60 anos (mulheres) ou tiverem se aposentado por idade ou invalidez. Sua negativa a quem tenha se aposentado em outra categoria que não as de empregado e autônomo, diga-se de passagem, decorre de um dispositivo ilegal, o art. 82, IV, do Decreto 3.048, que infringe o art. 65, § único da Lei 8.213. Já na Argentina, não há idade mínima para a asignación por hijo aos aposentados nem às pensionistas – que, assim como os beneficiários do seguro-desemprego, lá têm acesso a ela e aqui não. 

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Até aqui, a comparação foi possível por existirem, nos dois países, institutos equivalentes. Mas a Seguridade Social argentina abrange, ainda, prestações inexistentes no Brasil, como o benefício de parcela única pago quando do parto, no valor de $ 600 (R$ 286). Dizer que aqui não há algo assim não é igual, neste caso a dizer que a legislação brasileira não prevê nada do tipo: a LOAS obriga os municípios a pagar um benefício-natalidade e o INSS a fazê-lo enquanto isso não ocorrer. Porém, essa prestação – que valeria, hoje, R$ 85 pelos critérios de reajuste adotados desde então pela Previdência – foi extinta por um decreto ilegal de FHC nos últimos dias de 1995 [8] . O que não existe no Brasil nem mesmo em tese é a ajuda escolar de $ 170 (R$ 81) a $ 680 (R$ 324), paga anualmente, ou o benefício por adoção de $ 3,6 mil (R$ 1.714) em cota única.

É ainda digno de nota que, em 2006, o Congresso aprovou a Lei 11.324, cujo art. 3º estendia o salário-família às empregadas domésticas. Ao sancioná-la, Lula, alegando falta de recursos, vetou-o. Na justificativa do veto – acatado pelo Legislativo – , a despesa que essa extensão acarretaria ao INSS era estimada em R$ 318 milhões por ano. Considerando que isso equivale a 0,1% do gasto anual do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), fica claro que a preocupação era outra: proteger sonegadores contra uma avalanche de processos, dado que 70% dessa categoria trabalha sem carteira assinada
[9] e o acesso ao salário-família depende da formalização do vínculo de emprego.

População de menores rendimentos: bolsa-família x asignación universal por hijo para protección social


O que se alardeia como grande feito do decênio petista, no entanto, não é o salário-família, mas o programa bolsa-família (PBF), de transferências monetárias a famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza. Os valores monetários que delimitam esses quadros foram estabelecidos por decreto e são, hoje, R$ 140 ($ 294) e R$ 70 ($ 147)
per capita ao mês, respectivamente.

O governo argentino, que tem fama de manipular indicadores, não chegou a tanto. O questionado Indec fixa a linha de pobreza em $ 1.555 (R$ 740)
para uma família de quatro pessoas, o que dá $ 389, ou R$ 190, per capita . A observação empírica demonstra [10] que os preços de supermercado na capital argentina são menores, na média, que os das cidades brasileiras que lhe seriam comparáveis: São Paulo (maior centro industrial e financeiro), Brasília (capital) e Rio de Janeiro (principal destino turístico e polo cultural). Mas as tarifas públicas na Argentina são muito menores que no Brasil. Os valores do transporte coletivo em Buenos Aires, por exemplo, são de $ 2 (R$ 0,95) para os ônibus, $ 2,50 (R$ 1,19) para o metrô e $ 1,50 (R$ 0,71) para os trens. Em São Paulo, o custo é de R$ 3 ($ 6,30) para qualquer dessas opções. No Rio – única dessas cidades com um sistema de transporte comparável ao da capital argentina em abrangência territorial e horária – , os ônibus custam R$ 2,75 ($5,77), os trens R$ 2,90 ($ 6,09) e o metrô R$ 3,20 ($ 6,72). No DF, a passagem de ônibus sai a R$ 4 ($ 8,40) e a de metrô a R$ 3 ($ 6,20). Essa (des)proporção de preços se repete nas tarifas de água, luz, gás e telefone. Do preço da moradia – para aluguel ou compra – , é melhor nem falar.

Os valores transferidos pelo PBF são R$ 32 ($ 67) mensais por gestante, criança de até 15 anos ou nutriz, sendo que o total de benefícios ao conjunto dessas pessoas não pode passar de cinco; e R$ 38 ($ 80) por adolescente de 16 ou 17 anos, até o limite de dois. Para as famílias situadas abaixo da linha de extrema pobreza do decreto, há, ainda, um pagamento mensal fixo (independente do número de filhos) de R$ 70. Recentemente, criou-se outro, cujo valor corresponde à diferença entre o rendimento
per capita familiar (em cujo cálculo incluem-se os benefícios anteriores) e a linha de pobreza extrema.

Essa última prestação – paga a famílias com crianças de até 6 anos chama-se “benefício para superação da extrema pobreza na primeira infância” e constitui um verdadeiro prodígio. Através dela, o governo da senhora Roussef pretende erradicar, por decreto, a miséria. Mas só a miséria do decreto.


A conta é simples: divide-se o valor total auferido pela família pelo número de integrantes e verifica-se quanto falta para atingir um rendimento
per capita de R$ 70,01, valor a partir do qual considera-se cruzada a linha da pobreza extrema. Uma família com dez membros e ganho monetário por pessoa de R$ 69,99, por exemplo, receberia R$ 0,20 (vinte centavos), arredondados – suprema generosidade! – para o número inteiro par imediatamente superior, ou seja, R$ 2 (dois reais) por mês [11] . Pena que o efeito da mágica termina no dia em que a última criança da família completa 7 anos; afinal, os recursos são escassos, o país tem compromissos a honrar (diferentemente dos perdulários argentinos, que quitaram sua dívida com o FMI e o Banco Mundial por 25% do valor de face) e, nessa idade, convém que os brasileiros já estejam preparados para enfrentar as agruras da vida (os filhos das famílias abastadas, dedutíveis do Imposto de Renda dos pais até os 25 anos, são assunto para a segunda parte deste artigo).

Essa é a metodologia que embasa o anúncio de que 8,7 milhões de brasileiros saíram da indigência entre maio e setembro, feito por Dilma em 03/10
[12] . O governo brasileiro não apenas manipula indicadores como leva muito a sério os indicadores que manipula.

Disso, pelo menos, não se pode acusar Cristina Fernández. Nada na Seguridade Social argentina é condicionado pela linha de pobreza do Indec e, em regra, os salários e proventos aumentam em percentuais muito mais próximos à inflação medida pelas consultorias privadas que aos índices oficiais
[13] . Isso vale tanto para os fixados pelo governo (salário mínimo, aposentadorias) quanto para os definidos por negociação sindical. Vale também para a asignación universal por hijo para protección social (AUH), cujo valor por filho é o mesmo da asignación por hijo da menor faixa de ganhos vinculados ao trabalho, sem os acréscimos regionais. A AUH teve um aumento de 26% em setembro último, passando de $ 270 (R$ 129) para $ 340 (R$ 162) por criança ou adolescente. Para filhos com deficiência, o valor é $ 1.200 (R$ 575) por cada um e não há limite de idade.

Para receber a AUH, o que se exige é que nenhum dos genitores tenha direito à
asignación por hijo do tópico anterior nem ganhe mais que o salário mínimo – atualmente, $ 2.670 [14] (R$ 1.271), mais que o dobro do vigente no Brasil [15] . Recebem a asignación universal donas de casa, trabalhadoras informais, desempregadas que não estejam recebendo seguro-desemprego, trabalhadoras sazonais na entressafra, microempreendedoras e trabalhadoras domésticas (com ou sem vínculo de emprego), entre outras. Há um limite de cinco benefícios por mãe, o que perfaz um teto de $ 1.700 (R$ 810). No caso de filhos com deficiência, esse teto fica em $ 6.000 (R$ 2.857), na situação extrema de um núcleo famíliar com cinco ou mais filhos nessa condição.

Mães de 7 ou mais filhos têm direito, ainda, a uma pensão assistencial vitalícia (inacumulável com a AUH) de $ 1.880 (R$ 895), valor ao qual se acresce, em algumas localidades, um complemento por zona desfavorável de 40%, passando a $ 2.632 (R$ 1.253). Essa pensão é condicionada aos requisitos de não estar amparada pelas garantias da relação de emprego, não ser titular de aposentadoria ou pensão por viuvez nem ter qualquer outro ganho monetário maior que o próprio valor da prestação assistencial em questão. Para recebê-la, não é necessário que os filhos sejam menores, solteiros, nem que estejam vivos ou morem com a mãe. 

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No que se refere aos filhos com deficiência, convém ainda assinalar que o benefício de prestação continuada (BPC) [17] da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), equivalente ao salário mínimo, não pode ser considerado um sucedâneo da AUH, já que a Argentina também tem uma pensão assistencial (não-contributiva) por deficiência. Essa pensão é cumulável com a asignación universal por hijo con discapacidad, dado que o titular de uma é a própria pessoa com deficiência e o da outra é a o parente sobre quem recaia o dever legal de proporcionar-lhe amparo econômico. Equivale a 70% da aposentadoria mínima e está, hoje, em $ 1.326 (R$ 627), valor que se acresce em 40% nas zonas desfavoráveis, passando a $ 1856 (R$ 884). Os requisitos de acesso a ela são uma incapacidade laboral de 76% e ganho monetário pessoal não maior que seu próprio valor.

Há ainda, uma diferença entre a AUH e o PBF que não se traduz em números nem cabe em tabela nenhuma: a primeira é um direito público subjetivo e um dever do Estado para com quem reúna os requisitos de acesso a ela; o segundo não. A lei que o institui prevê – contrariando a própria Constituição brasileira, em cujos termos a Assistência Social “será prestada a quem dela necessitar” (art. 203) – que “o Poder Executivo deverá compatibilizar a quantidade de beneficiários do Programa Bolsa Família com as dotações orçamentárias existentes” (art. 6º § único). Para receber o bolsa-família não basta, portanto, sequer o rendimento familiar
per capita inferior a R$ 140, e nem mesmo a R$ 70: é preciso contar com a boa vontade do governo, do Congresso e rezar para que sobre dinheiro suficiente depois que o Estado termine de remunerar seus rentistas.

Conclusão


Embora não seja – como deve estar claro a essa altura – o que diz a imprensa monopolista daqui e de lá, a Argentina tampouco é um Estado de Bem-Estar escandinavo. É, sim, um país onde o capitalismo dependente encontra-se em reestruturação depois de quatro catástrofes consecutivas que ele mesmo provocou: o banho de sangue de 1974-83, a hiperinflação de meados dos anos 80, o esfacelamento social dos 90 e o colapso de 2001. Ainda assim, deve haver algum motivo além do idioma para que seja Buenos Aires, e não o Rio ou São Paulo, o destino preferencial dos trabalhadores que emigram de países como Bolívia, Paraguai ou Peru em busca de uma vida melhor.


Esta não é uma hagiografia de Néstor Kirchner e Cristina Fernández. O fato de o salário mínimo argentino ser o mais alto da América Latina não invalida os motivos das organizações argentinas de trabalhadores para não estarem felizes com seu último aumento. O valor e abrangência das
asignaciones por hijo não elidem o fato de que muitas famílias tiveram perdas quando o enquadramento por faixa remuneratória passou a dar-se pela soma dos ganhos dos pais, e não pelo salário do que ganha menos. O recente projeto de reforma da lei de acidentes de trabalho é melhor que a legislação atual, mas fica aquém das decisões da Corte Suprema sobre o assunto e não rompe com a concepção privatista herdada dos anos 90 – diferentemente do que ocorreu no caso dos fundos privados de aposentadorias e pensões, encampados por Cristina em 2008.

Tudo somado, a Argentina é um país com um copo meio cheio e meio vazio. Cumprindo seu papel, organizações políticas de esquerda e movimentos populares de lá apontam para a metade vazia. Aqui no Brasil, por outro lado, algumas gotas já são suficientes para que quem mais devia manter o senso crítico (intelectuais e sindicalistas, por exemplo) festeje. O lance mais recente dessa mistura de oficialismo e alienação é um manifesto em que alguns economistas da Universidade de Campinas (Unicamp) só faltam oferecer ajuda humanitária à Europa
[18] .
Reconhecer as fraquezas e contradições do Estado argentino e de seus governantes, por outro lado, só deixa ainda mais patente a indigência dos mecanismos de proteção existentes no Brasil às famílias trabalhadoras e a seus filhos. Afinal, não se esta comparando capitalismo com socialismo nem capitalismo central com capitalismo periférico. A questão, aqui, é tão-só entre capitalismos dependentes com e sem aquilo que, em bom espanhol, se costuma chamar de huevos.
Notas

[1] A de verdade, não essa com rendimento familiar per capita entre R$ 291 e R$ 1.019 inventada por Ricardo Paes de Barros e Marcelo Neri – agraciados pela presidenta por essa impostura com uma assessoria ministerial de alto nível e com a presidência do IPEA, respectivamente.

[2] Por exemplo, http://mansueto.wordpress.com/2012/05/02/argentina-eles-modificam-tambem-o-pib/ . Que o governo argentino infle o PIB e os índices de crescimento, não é impossível. Mas Mansueto de Almeida (coordenador de Política Monetária e Financeira do Ministério da Fazenda na época do dólar a R$ 1) e outros papagaios da direita econômica operante no Brasil desconfiam que até a CIA ( http://www.indexmundi.com/g/g.aspx?c=ar&v=66&l=pt e http://www.indexmundi.com/g/g.aspx?v=66&c=br&l=pt ) seja manipulada pelo governo de Cristina Fernández.

[3] www1.folha.uol.com.br/...

[4] Como anteparo à cantilena sobre a inflação argentina e seus índices oficiais, Dispensou-se a conversão pela paridade de poder de compra (PPC). Optou-se pela conversão na base de R$1=$2,10, que corresponde a uma taxa de câmbio estável ao longo dos dois ou três últimos anos. Caso se utilizassem os dados PPC do FMI para 2011 ( pt.wikipedia.org/wiki/Anexo:Lista_de_pa%C3%ADses_por_PIB_nominal_per_capita e pt.wikipedia.org/wiki/... ), o resultado da comparação seria ainda mais favorável à Argentina. Os dados do FMI, como os da CIA, são manipulados por Guillermo Moreno...
[5] A variação de valor dá-se conforme a região do país. Em localidades subpovoadas, com baixo nível de atividade econômica ou muito frias, o valor é maior; a diferença, contudo, não se aplica aos beneficiários do seguro-desemprego.

[6] Entre a concepção e o parto, o benefício chama-se asignación prenatal ; seus valores e critérios de concepção, porém, são os mesmos da asignación por hijo.

[7] Trabalhadores avulsos, conforme a lei brasileira, são aqueles que prestam serviços a vários patrões durante um mesmo mês, semana ou dia, tendo sua escala de serviço determinada pelo sindicato ou por um órgão gestor – caso dos estivadores por exemplo.

[8] Ver /jus.com.br/revista/texto/20880/... . Deveriam estar em vigor, desde 2008, os benefícios natalidade e funeral estabelecidos na Resolução 212 de 2006 do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), mas, segundo levantamento realizado pelo MDS em 2009, menos de 30% dos municípios brasileiros a cumpriam.

[9] O veto ao art. 3º da Lei 11.324 pode ser lido em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/Msg/Vep/VEP-577-06.htm . A despesa anualizada do RGPS (02/2011 a 01/2012), em g1.globo.com/economia/noticia/2012/03/... . O percentual de trabalho sem carteira entre as trabalhadoras domésticas está em www.ebc.com.br/2012/09/... .

[10] Quem quiser colocar à prova esse dado não precisa fazer mais que viajar a Buenos Aires. Aproveitem: está barato.

[11] Critério estabelecido no art. 19 § 3º do Decreto 5.209/04, na redação dada pelo Decreto 7.758/12: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/Decreto/D5209.htm . Ali encontram-se também todos os valores aqui mencionados relativos ao bolsa-família.

[12] blog.planalto.gov.br/
[13] Sem desconhecer a truculência da intervenção no Indec, a diferença entre as reações da imprensa monopolista, das agências privadas e do FMI à manipulação de números na Argentina e no Brasil deve-se ao fato de que, lá, parte da remuneração do capital monopolista está atrelada à inflação oficial. Em www.lanacion.com.ar/ , pode-se ler que, de 2007 à metade de 2009, a mudança na metodologia de cálculo do índice de preços ao consumidor possibilitou ao governo argentino a economia de US$ 15,6 bilhões no pagamento de títulos da dívida pública. Não há outro motivo para Clarín e La Nación, sócios dos governos que mais deprimiram o padrão de vida dos trabalhadores argentinos, exigirem de Cristina Fernández o que nunca exigiram de ninguém: que a inflação oficial reflita a alta dos preços no supermercado – o que, de resto, não ocorre em parte alguma (ou a inflação medida pelo IBGE acaso é igual ao ICV do Dieese?). Surreal é que os jornais em questão tenham conseguido fazer isso ao mesmo tempo em que apoiavam uma sublevação de formadores de preços de alimentos ocorrida em 2008 contra a tentativa governamental de limitar a margem de lucro das exportações e evitar, assim, a alta dos preços internos.

[14] Na Argentina, o salário mínimo geral não é aplicável aos empregados rurais e às empregadas domésticas. Essas categorias têm, em regra, pisos salariais maiores. Os valores atuais desses pisos foram definidos em novembro de 2011, quando o salário mínimo era $ 2,3 mil (R$ 1.095) e serão reajustados em novembro deste ano. Para os trabalhadores do campo, eles vão, hoje, de $ 2.763, ou R$ 1.316 (peões sem especialização) a $ 3.236, ou R$ 1.541 (mecânicos tratoristas). Para as trabalhadoras domésticas, variam entre $ 2.072, ou R$ 987 (trabalhadoras sem especialização que não dormem no emprego) a $ 2.839, ou R$ 1.352 (governantas, damas de companhia, enfermeiras, institutrizes e mordomos que moram no local de trabalho), com exceção da província de Córdoba, onde vigoram pisos de $ 2.291 (R$ 1.091) para quem trabalhe em turno integral sem dormir no emprego a $ 2.526 (R$ 1.203) para trabalhadoras que desempenhem as tarefas mencionadas anteriormente. Essas informações podem ser conferidas em http://www.trabajo.gov.ar/downloads/agrario/res_cnta_071-2011.pdf , http://www.trabajo.gov.ar/downloads/domestico/res_1350-2011.pdf e http://www.trabajo.gba.gov.ar/Resoluci%C3%B3n%20MTESS%201351-11.pdf .

[15] O reajuste deu-se em agosto de 2012, durante a elaboração deste artigo; até então, o valor era 2,3 mil pesos, (R$ 1.095). Poucos dias depois, no Brasil, o governo remeteu ao congresso proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2013 prevendo o reajuste do salário mínimo para R$ 670 ($ 1.407) a partir de janeiro; em fevereiro de 2013, porém, o menor salário argentino será reajustado para $ 2.875 (R$ 1.369).

[16] Entre a concepção e o parto, o nome é asignación universal por embarazo para protección social.
[17] O BPC é um dos bons frutos da Constituição de 1988. Sendo um direito exigível, sua concepção é oposta à do PBF e, das décadas de 90 e 2000, tem apenas as distorções que o impedem de ser melhor do que seu congênere argentino. A maior delas é o condicionamento de sua concessão a um teto de rendimento familiar per capita igual ao quarto do salário mínimo brasileiro (622:4 = R$ 155, ou $ 326) – , menos de 1/8 do vigente no país vizinho. Embora deva-se reconhecer a Lula e especialmente Dilma algum esforço de humanização dos parâmetros de acesso a ele – que, pelo regulamento de FHC (Decreto 1.744/95), era negado a quem conseguisse andar, vestir-se ou higienizar-se – , dez anos de governo não foram suficientes para que o PT se decidisse a eliminar esse teto.

[18] http://www.peticaopublica.com.br/PeticaoVer.aspx?pi=P2012N30206 . Não que países como Espanha e Grécia estejam muito longe de precisar dela, mas a emergência social que começa a existir lá é a condição naturalizada da sociedade brasileira há 500 anos.


[*] Consultor do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) com atuação junto ao Ministério do Desenvolvimento Social (MDS). Ex-professor dos institutos federais de educação, ciência e tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS) e Santa Catarina (IFSC). Ex-funcionário do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Atuou como consultor da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pesquisador-bolsista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Cursa atualmente doutorado em Direito na Universidad de Buenos Aires (UBA). As posições aqui expressas são estritamente pessoais e não correspondem ao juízo oficial do PNUD ou de qualquer outra instituição.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .