Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Um caso didático

Sexta, 2 de novembro de 2012
Por Ivan de Carvalho
Quebrando a monotonia da crise habitual no setor de segurança pública, a cidade de São Paulo e sua região metropolitana experimentam ultimamente uma crise dentro da crise. Uma violência extraordinária dentro da grande violência ordinária.

            No meio do tiroteio surgiu um inacreditável bate-boca entre os governos estadual e federal. O primeiro é chefiado pelo governador tucano Geraldo Alckmin e o segundo pela presidente da República Dilma Rousseff, petista. Mas o bate-boca não se travou (pelo menos isto não aconteceu) entre os dois chefes de governo.

            Aconteceu um nível abaixo, entre o ministro da Justiça, o petista militante José Eduardo Cardoso e o secretário de segurança do Estado de São Paulo, Antonio Ferreira Pinto. Este declarou que o governo federal não ofereceu ajuda ao Estado de São Paulo para conter a onda de violência (lá, está morrendo, em média, um policial a cada 32 horas).

O ministro da Justiça retorquiu que ofereceu, sim, ajuda na área de inteligência (informações colhidas pela Polícia Federal sobre o que estaria se passando no mundo do crime e vagas em presídios federais de segurança máxima para segregar os chefes do crime organizado que estão ordenando as ações dos bandidos de dentro dos presídios.

O bate-boca continuou, com o secretário estadual de Segurança Pública dizendo que o governo paulista aceita, sim, ajuda na área de inteligência, mas quanto a vagas em presídios federais, dispensa, pois São Paulo “é autosuficiente” no que diz respeito a vagas em presídio de segurança máxima, pois tem o presídio de Presidente Venceslau.

Aí já estava ficando ridículo esse negócio de oferecer apenas ajuda imaterial (dados de inteligência) e vagas não necessárias por isto mesmo rejeitadas e não oferecer ações objetivas, ao contrário do que ocorreu no Rio de Janeiro, e esforço para controlar a entrada de drogas e armas pelas fronteiras.

Ao governo paulista competia ter posto nas tais vagas de que dispõe os chefes do crime que estão dando as ordens de presídios menos vigiados e não está explicado porque esteve se demorando em fazer isto, podendo-se presumir que foi por incompetência ou burrice mesmo.

Felizmente desde ontem o bate-boca subiu de nível e foi promovido à categoria de diálogo travado entre a presidente Dilma Rousseff e o governador Geraldo Alckmin, com esperança – para os paulistas – de que o diálogo evolua para as chamadas “medidas concretas”.

O rumo que vai tomando esse caso no setor de segurança pública em São Paulo deve ser esclarecedor, didático mesmo, para quem quer que sustente que, em um país civilizado, com regime democrático (além de republicano), se pode tratar como inimigos estados ou municípios governados por adversários políticos.

Em verdade, sempre que se tentar “punir” o adversário por ser adversário, vai se punir o eleitorado que elegeu esse adversário para governador ou prefeito e, pior e mais vergonhoso tanto quanto inaceitável, o povo que vive no estado ou município negativamente discriminado. Inaceitável e vergonhoso porque todo presidente ou governador foi também eleito para dar o melhor tratamento possível a toda a população que vive em sua jurisdição. E também porque os recursos que manejam não são seus e o poder que têm sobre eles foi dado para que os usem para o bem geral, não para realizar picuinhas políticas nem viabilizar jogos de poder em seu próprio benefício.
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Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta sexta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.