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(Millôr Fernandes)

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Cristovam: Dilma errou ao falar em 'superar' a miséria

Terça, 26 de fevereiro de 2013

Marilia Coêlho - Agência Senado


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O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) criticou, nesta segunda-feira (25), o fato de a presidente da República, Dilma Rousseff, ter usado, na semana passada, o verbo “superar” ao se referir a 22 milhões de famílias que deixaram a situação de miséria extrema. Para Cristovam, a presidente empregou o verbo de forma errada, criando uma ilusão de que os pobres deixaram definitivamente a situação em que se encontravam.
Para o líder do PDT, embora tenha o mérito de aliviar a fome, o programa Bolsa Família ainda não fez as pessoas superarem a pobreza.
- Elas voltarão à pobreza, por exemplo, se a inflação continuar, e tudo indica que a inflação vai corroer as transferências de renda - afirmou.
A inflação, para Cristovam, é um grande problema que pode impedir a superação da pobreza. Ele afirmou que, se a inflação voltar a uma taxa de, por exemplo, 8% ao ano, em apenas quatro anos se perderão quase 50% do valor da transferência de renda do Bolsa Família.
Outra questão levantada pelo senador é a necessidade de medidas estruturais para alcançar de fato a superação da miséria.
- Mesmo com a renda beneficiada pela Bolsa Família, elas permanecem na mesma situação social, porque a situação social não é definida só por um aumento da renda, nem mesmo se fosse um aumento substancial. A posição social depende das condições de habitação, depende das condições de segurança, depende, fundamentalmente, da saúde e da escola onde essa pessoa está - observou.
Cristovam disse que, ao falar sobre superação da miséria, Dilma pode ter criado uma "grave ilusão". Para o senador, em vez de superação da miséria, há no país uma “miséria da superação”.
- Nós empobrecemos o conceito de superar. O conceito de superar é aquele que diz que houve uma revolução, houve uma mudança, houve uma passagem. Não houve passagem. As famílias da Bolsa Família continuam no mesmo estágio de pobreza, apenas com um alívio, por exemplo, na questão da fome.
Ao comentar o discurso de Cristovam, a senadora Ana Amélia (PP-RS) afirmou que seria interessante o beneficiário do programa social não deixar de receber o benefício ao passar a trabalhar com carteira assinada.
- A carteira assinada é a inclusão social, a mais digna inclusão social - disse a senadora gaúcha.
Acompanhamento dos pais

Cristovam Buarque também criticou a manifestação do governo contra um projeto de sua autoria que condiciona o recebimento dos benefícios do Bolsa Família à visita de pais ou responsáveis à escola dos filhos pelo menos uma vez por ano. O PLS 449/2007 tramita atualmente na Comissão de Educação e Cultura da Câmara.
- Eu conversei com a ministra. Ela é radical: isso daí não se pode exigir. O governo não aceita. A prova é que não há ideia de superar, a não ser no discurso. Existe, sim, a ideia de assistir. Por isso, a presidente errou, do ponto de vista de linguagem, ao usar o verbo superar a miséria, quando, no máximo, está tentando assistir aos pobres - concluiu.
Clique no link abaixo e leia na íntegra o discursos do senador


O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT – DF. Pela Liderança. Sem revisão do orador.) – Senadora Ana Amélia, Presidenta desta sessão, em primeiro lugar, muito obrigado por ter cedido o seu lugar – eu deveria falar um pouco mais tarde –, mas digo que vai ser uma comunicação muito curta. Falo, Senadora, sobre dicionário, mas sobre um verbo do dicionário que é o verbo “superar” porque a Presidenta, semana passada, usou esse verbo no sentido de que nós tínhamos conseguido a superação da miséria por 22 milhões de famílias. Ela usou o verbo erradamente.
O verbo “superar” quer dizer ir além sem voltar, e o programa feito até aqui, cujo mérito de aliviar de certa maneira a fome ninguém pode deixar de reconhecer, não conseguiu fazer essas pessoas superarem a pobreza; elas voltarão à pobreza, por exemplo, se a inflação continuar, e tudo indica que a inflação vai corroer as transferências de renda. Setenta reais por mês equivalem a nove pães. Se formos analisar quanto é por pessoa por dia, é quase nada. É muito pouco.
Mas o mais grave são dois outros fatos: primeiro é a inflação. Se a inflação voltar a uma taxa, por exemplo, de 8% ao ano, em quatro anos, se terá perdido quase 50% do valor da transferência de renda da Bolsa Escola e, portanto, ainda que considerássemos que um valor tão pequeno permitiria superar a pobreza, ela não estaria superada se tivermos inflação. Esse é um ponto. Mas o outro, que talvez seja mais grave ainda, é que a superação da pobreza exige medidas estruturais, e não apenas fiscais, de transferência de renda. As pessoas que saíssem da pobreza pela transferência de renda voltariam se a transferência de renda parasse. E isso depende do governo do momento, depende de as condições fiscais permitirem continuar gastando o dinheiro que custa esse programa maravilhoso que é a Bolsa Família.
E eu quero aqui defender o programa. Eu só estou criticando é o verbo superar, que cria uma grande ilusão. Na verdade, em vez da superação da miséria, hoje nós temos uma miséria da superação. Nós empobrecemos o conceito de superar. O conceito de superar é aquele que diz que houve uma revolução, houve uma mudança, houve uma passagem.
Não houve passagem. As famílias do Bolsa Família continuam no mesmo estágio de pobreza, apenas com um alívio, por exemplo, na questão da fome, já que percebemos agora, durante a seca no Nordeste, um número menor de retirantes, como eu me lembro, pequeno, vendo os retirantes nordestinos em direção a Recife. Hoje, como têm uma pequena renda, essas famílias já conseguem comprar no mercado produtos que vêm de fora, dos lugares onde não tivemos seca ainda. Mas alívio da pobreza, Senador Paim, não é suficiente para garantir a superação da pobreza. Os 22 milhões de brasileiros que são apresentados como retirados da miséria no período de 2011 a 2012 recebem R$70 por mês. Isso equivale a R$2,30 por dia. Para uma família de cinco membros, isso corresponde a 1,4 pão por dia por pessoa.
Pode-se até dizer que não são mais retirantes, mas não são, também, retirados da miséria. Continuam na miséria, comendo mais do que comiam, ou melhor, passando menos fome do que passavam.
Por isso, o conceito de superação está empobrecido na hora em que a Presidenta diz que houve uma superação da miséria. Volto a insistir que mais grave, ainda, é a ilusão que essa ideia passa para a opinião pública, para a cabeça dos jovens, para a cabeça, até, dessas famílias, que param de aspirar mais do que precisam com essa ilusão da ideia de que superaram a pobreza.
Mesmo com a renda beneficiada pelo Bolsa Família, elas permanecem na mesma situação social, porque a situação social não é definida só por um aumento da renda, nem mesmo se fosse um aumento substancial. A posição social depende das condições de habitação, depende das condições de segurança, depende, fundamentalmente, da saúde e da escola onde essa pessoa está.
A posição social não mudou para os milhões de brasileiros que, hoje, recebem, felizmente recebem, o Bolsa Família.
Basta uma inflação de 8% ao ano para que, em quatro anos, os atuais R$70 passem a valer R$51 e, aí, ao invés de 1,4 pão por dia, por pessoa, nós vamos ter menos de um pão por dia, por pessoa, tomando por base essa transferência de renda.
Então, não houve superação. Houve uma reduçãozinha, houve o que, hoje dia, se chamou de uma mitigação do quadro da miséria em que essas famílias estão – e felizmente, e temos de agradecer que, hoje, a generosidade das finanças públicas brasileiras conduza R$22 bilhões para essas famílias.
Isso é um avanço, embora sempre tenha havido, no Brasil, programas desse tipo: na época de D. Pedro II, havia concessões; o regime militar criou a previdência rural, que trouxe um grande alívio para algumas populações muito pobres; o governo Sarney criou um programa de distribuição de alimentos; o governo Fernando Henrique agarrou o programa Bolsa Escola do Distrito Federal e o levou para quatro milhões de famílias no Brasil; o Presidente Lula deu esse salto imenso, que mudou a cara da miséria no Brasil, sem superá-la; e, finalmente, a Presidenta Dilma ampliou-o ainda mais.
Esses R$22 bilhões, felizmente, estão sendo gastos com transferência de renda para as famílias pobres, mas eles não estão conseguindo retirar essas famílias da pobreza. Basta ver, Senadora – embora eu não consiga comprovar isto, devo dizer, mas tenho absoluta certeza –, que, entre as famílias que hoje recebem Bolsa Escola, estão pais e mães que foram crianças que recebiam Bolsa Escola. Nada indicaria mais o fracasso desse programa como superador da miséria que dizer que uma criança que hoje recebe Bolsa Família, daqui a dez, quinze anos, vai ser pai recebendo Bolsa Família. Não superamos, não superamos! Nós apequenamos o conceito de superar. Nós fizemos a miséria da superação dentro do dicionário, se formos usar esse conceito.
Agora, embora estejamos falando aqui em R$22 bilhões de gastos com Bolsa Família e mais R$770 milhões no programa recente da Presidenta Dilma, Senadora Ana Amélia, V. Exª, que é uma das mais interessadas aqui em economia, o BNDES, nos últimos quatro anos, emprestou R$360 bilhões, ou seja, 18 vezes mais que o gasto do Bolsa Família. Eu vou repetir: em quatro anos, 18 vezes a mais que em cada ano. Se juntarmos os quatro anos também do Bolsa Família, então, teríamos quatro vezes mais com o gasto do BNDES que com o gasto com a Bolsa Família. Alguns dizem: “Mas são empréstimos, vão voltar”. Gastar com pobres, sobretudo em educação, volta também.
 
E não é só isso. Nesses empréstimos do BNDES, essa imensidão de dinheiro, que está, inclusive, aumentando a dívida pública, porque grande parte vem do Tesouro através de títulos, está sendo emprestado de forma subsidiada, ou seja, é a “Bolsa Juros”, é a “Bolsa Empréstimo”, é a “Bolsa BNDES”. Quatro vezes mais que a Bolsa Família para grandes empresários. Um deles recebeu R$9 bilhões, ou seja, o equivalente a quase metade dos 12 milhões de famílias do Bolsa Família.
Por isso, Senadora, eu não quero tomar mais o tempo, já que falo pela Liderança, o tempo é curto, mas creio que já foi suficiente para dizer aqui – eu vim lar de dicionário – do “apequenamento” do conceito de superação que a Presidenta fez na semana passada ao usar o verbo superar, quando, no máximo, poderia usar o verbo aliviar.
 

Não estamos superando a miséria, até porque ela só vai ser superada quando a escola do mais pobre brasileiro for tão boa quanto a escola do mais rico brasileiro. Aí, sim, a gente poderá dizer que superamos a miséria. Até lá, podemos até comemorar, sim, o alívio; podemos comemorar, sim, a diminuição dos que passam fome, mas não enganemos o povo, não enganemos a juventude, que passa a acreditar que o Brasil está entrando no paraíso social. Não estamos superando a miséria, e eu lamento dizer isso, mas me sinto obrigado a dizer isso, como quem tem um papel de liderança neste País e até mesmo como professor que me preocupo com a pureza do dicionário.
Era isso, Srª Presidenta.

A SRª PRESIDENTE
 (Ana Amélia. Bloco/PP – RS) – Senador Cristovam Buarque, eu fico, como o senhor, na condição de Parlamentar independente aqui no Congresso. Nossos partidos dão apoio ao Governo, mas isso não pode nos tirar a visão crítica sobre matérias relevantes como essa que V. EXª abordou com tanta propriedade.
 

E penso mesmo nesta constatação que V. Exª traz, de que o filho de hoje pode ser o pai de amanhã que vai receber os R$70,00. Isso é preocupante. A superação seria se ele não fosse o recebedor, mas tivesse uma inclusão com capacitação, com preparo profissional. Penso, até, que, do ponto de vista social e do interesse do País – não só social, mas do interesse do País – seria também interessante que essa pessoa que recebe o benefício não seja obrigada a sári do benefício se tiver uma carteira assinada. Não saia. A carteira assinada é a inclusão social, a mais digna inclusão social.
 

Até no Evangelho está dito que a gente tem que comer o pão com o suor do rosto. Então, a permanência no Programa de quem tem carteira assinada, penso, é o melhor caminho do ponto de vista social também. E queria cumprimentá-lo pela forma como abordou esse assunto, com tanto equilíbrio e com tanta seriedade, Senador Cristovam.
 

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT – DF) – Agradeço, Senadora, e acrescento apenas uma coisa.
 

Eu não entendo como o Governo, que quer superar a pobreza, se manifesta tão radicalmente contra, na Câmara dos Deputados, um projeto que incorpora um condicionante à Bolsa Família: os pais ou responsáveis irem à escola do filho uma vez por ano – uma vez por ano, pelo menos.
 

O Governo não deixa, Senador Alvaro. É um projeto meu, que passou por todos os trâmites aqui, por todas as comissões na Câmara. O Governo não aceita.
 

Eu conversei com a Ministra. Ela é radical: isso daí não se pode exigir. Como não se pode exigir isso se é isso que vai fazer com que se crie uma porta de saída para o Bolsa Escola? O Governo não aceita. Eu disse a ela que ela vai brigar. Ela tem uma força muito grande, porque o Governo tem uma maioria que atropela tudo, mas eu não vou deixar de brigar para que a gente faça pelo menos isso, porque a gente sabe que, sem os pais irem à escola, a educação não funciona. A prova é que não há ideia de superar, a não ser no discurso. Existe, sim, a ideia de assistir. O Governo está tendo a preocupação de assistir, mas não de superar.
 

Por isso, a Presidente errou, do ponto de vista de linguagem, ao usar o verbo superar a miséria, quando, no máximo, está tentando assistir aos pobres.