Domingo, 24 de fevereiro de 2013
Gilberto Costa
Correspondente da Agência Brasil/EBC
Correspondente da Agência Brasil/EBC
Lisboa – Um grupo de técnicos da Comissão Europeia, Banco Central
Europeu e Fundo Monetário Internacional inicia nesta segunda-feira (25),
em Lisboa, o sétimo exame regular do programa de ajustamento financeiro
de Portugal. A missão fiscalizará as despesas públicas do Estado e
avaliará os números da macroeconomia do país. Os pareceres das missões
técnicas antecedem as liberações das parcelas do empréstimo contratado
por Portugal nas instituições denominadas Troika pelos portugueses.
Os dados e as perspectivas sobre a mesa não são bons: a economia
portuguesa encolheu 3,2% em 2012 e o Produto Interno Bruto, o PIB,
poderá continuar diminuindo em 2013 (-2%, segundo o Banco de Portugal). O
desaquecimento da economia desempregou
até dezembro passado 932 mil pessoas, o que representa 16,9% da
população economicamente ativa. A tendência é fechar mais postos de
trabalho, atingindo 17,3%, segundo previsão da Comissão Europeia.
A situação econômica tem aumentado os protestos
contra o governo e a Troika. Virou cena comum em Lisboa ver cartazes,
pichações e pinturas contra a Troika e o governo.
Manifestantes acompanham ministros de Estado em eventos públicos -
quando invariavelmente cantam Grândola Vila Morena, canção que equivale no Brasil a Apesar de Você, composta por Chico Buarque e censurada pela ditadura militar.
A
vice-presidenta da Comissão Europeia, Viviane Reding tentou tirar a
Troika do foco dos protestos. “A Troika não está fazendo coisa nenhuma”,
disse na sexta-feira (22) aos estudantes da tradicional Universidade de
Coimbra. “Eles [a equipe da Troika] fazem análise técnica não tomam
decisões (...) Os políticos é que tomam decisões”, disse.
Professor do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade
Técnica de Lisboa, o economista Alexandre Abreu acredita que a Troika e
os políticos portugueses têm tomado as decisões erradas. O programa de
ajustamento é focado na dívida pública quando o problema tem origem em
desajustes estruturais da economia lusitana, que provocam déficits
fiscais e nas transações correntes.
“Na verdade, o problema é a competitividade inserida no contexto da economia internacional”, salientou à Agência Brasil.
Segundo ele, Portugal se endividou excessivamente a partir do anos
1990, quando se beneficiou de taxas de juros favoráveis de
financiamento. Os portugueses apostaram na economia interna, hoje
limitada a 10,2 milhões de consumidores, e investiu pouco na capacidade
produtiva industrial de bens exportáveis.
Conforme Alexandre Abreu, o programa de ajustamento não observa o
problema de competitividade e ataca o déficit orçamentário, “aumentando
muitíssimo a carga fiscal e, em outro sentido, reduzindo as despesas de
apoio social [o seguro-desemprego, por exemplo] e nos componentes
centrais do Estado social [saúde, educação e seguridade]”. Os cortes nos
gastos sociais e o desemprego em massa são as principais razões dos
protestos. O cenário é de empobrecimento da economia portuguesa - com
riscos de aumento da desigualdade.
Para o economista João César das Neves,
professor catedrático da Universidade Católica Portuguesa, “é difícil
medir o aumento da desigualdade”. Ele lembra que, se houver
empobrecimento da classe média, é teoricamente possível que a
desigualdade diminua porque os estratos intermediários e pobres se
aproximarão.
Neves é favorável a que Portugal busque gerar riqueza por meio dos
setores econômicos em que é mais competitivo, mas discorda que isso
tenha que ser capitaneado necessariamente pela indústria. “Não tenho
nenhum fetichismo com a industria. Portugal é excelente em serviços, e a
exportação de serviços está aumentando. Indústria, como teve no
passado, é ficção científica, é impossível”.
Em 1978 e 1983, quando também se submeteu a um programa de ajustamento
econômico acordado com o Fundo Monetário Internacional,
Portugal conseguiu estimular a indústria com a desvalorização da
moeda, mas depois da entrada em circulação do euro não é mais possível
fazer essa política cambial unilateralmente.
A eventual volta à uma moeda própria e o abandono do euro não reúnem
consenso entre os analistas econômicos. Para Alexandre Abreu, “a saída
da zona do euro coloca problemas graves de curto prazo, porém pode ser a
única saída para evitar declínio contínuo no médio e longo prazos”. Na
avaliação de João César das Neves, o euro é “apenas a causa material da
crise”. A razão está nas dívidas que o Estado, empresas e
famílias fizeram nas duas últimas décadas. “Largar o câmbio traria
consequências desastrosas em todos os aspectos, e mesmo o setor
exportador industrial poderia ser afastado pelos mercados".