Sábado, 2 de agosto de 2014
As remunerações a indicados por Lula e pelo partido chegam a R$ 36 mil – e alguns deles nem precisam aparecer para trabalhar
MURILO RAMOS
Revista Época
Um espectro ronda a casa 787 da Rua José Bonifácio, numa esquina do
centro de São Bernardo do Campo, em São Paulo – o espectro do
empreguismo. De longe, vê-se apenas uma casa amarela, simples e estreita
como as demais da região. De perto, subitamente, tudo o que é sólido se
desmancha no ar e – buuu! – sobram somente os fantasmas. Naquele
endereço, na cidade paulista onde o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva
mora e fez sua carreira, funciona o “escritório de representação”, em
São Paulo, do Conselho Nacional do Serviço Social da Indústria, o Sesi. A
casa amarela mal-assombrada fica a 40 metros do Sindicato dos
Metalúrgicos do ABC, em que Lula se projetou como um dos maiores líderes
políticos do Brasil. O sindicato mais famoso do país continua sob o
comando de Lula e seus aliados. A casa amarela foi criada por esses
aliados no governo de Lula. Quem a banca são as indústrias do país. Todo
ano, elas são obrigadas a financiar as atividades do Sesi, cuja
principal finalidade é qualificar os trabalhadores das indústrias. A
casa amarela é um dos melhores lugares do Brasil para (não) trabalhar. O
escritório é modesto, mas os salários são inimagináveis – e as jornadas
de trabalho, imaginárias. Difícil é entrar. É preciso ser amigo de
petistas poderosos.
Na manhã da última quarta-feira, ÉPOCA reuniu coragem para bater à
porta da casa amarela. Estava em busca de Marlene Araújo Lula da Silva,
uma das noras do ex-presidente Lula. No papel e na conta bancária, ela
trabalha ali. A reportagem encontrou apenas dois sindicalistas, além da
copeira Maria e da secretária Silvana. Dona Maria parece ser a mais
produtiva do lugar. Faz um ótimo café. Talvez por medo, não fala sobre
as aparições. Assim que ÉPOCA perguntou pela nora de Lula, a secretária
Silvana tratou de alertá-la por telefone. Cerca de 45 minutos depois,
Marlene finalmente estacionava seu Hyundai Tucson preto na garagem.
Casada com o quarto filho de Lula, Sandro Luís Lula da Silva, Marlene
raramente aparece no serviço, apesar de ter um salário de R$ 13.500
mensais. Diz ser “formada em eventos”. Questionada sobre o que faz no
Sesi, onde está empregada desde 2007, Marlene foi vaga. Disse trabalhar
em programas do Sesi na capital paulista e na região do ABC. “Trabalho
com relações institucionais. Fico muito tempo fora do escritório. Tenho
uma jornada flexível. Quem me contratou foi o Jair Meneguelli”, afirmou.
Meneguelli é o presidente do Sesi. Sindicalista e amigo de Lula, ocupa o
cargo desde que o PT chegou ao Planalto, em 2003. “Mas por que está
fazendo essas perguntas? Se você está me procurando, deve ser pela
ligação que tenho de sobrenome”, disse.
Marlene é apenas um dos fantasmas vermelhos que, segundo descobriu a
Controladoria-Geral da União, a CGU, habitam a casa amarela. No começo
do ano, funcionários do Sesi procuraram a CGU para denunciar a
existência de fantasmas nos quadros da entidade. Todos indicados por
Lula e outros próceres do PT. Os auditores da CGU, como caça-fantasmas,
foram a campo. Encontraram apenas ectoplasmas. Estiveram na casa amarela
e jamais flagraram a nora de Lula trabalhando. Experimentaram ligar em
horários alternados, na tentativa de achá-la na labuta. Nenhum vestígio.
Por fim, decidiram perguntar ao Sesi que atividades Marlene exercera
nos últimos tempos. A resposta foi evasiva. Agora, a CGU trabalha num
relatório sobre a caça aos fantasmas.