Segunda, 23 de fevereiro de 2015
Do site Outras Palavras
Realizadora de “Citizenfour”, o
documentário sobre as denúncias de Edward Snowden, alerta: controle
social e esvaziamento da democracia ampliaram-se, após revelações.
Esperança é consciência. Tom Englehardt, do Tom Dispatch, entrevista
Laura Poitras.
23 de Fevereiro, 2015
Diretora de “Citizenfour”, o documentário sobre denúncias de Edward Snowden, alerta: controle social e esvaziamento da democracia ampliaram-se, após revelações. Esperança é consciência
Tom Englehardt, do Tom Dispatch, entrevista Laura Poitras | Tradução: Mariana Bercht Ruy
Temos aqui uma estatística da nova era de vigilância global. Quantos norte-americanos possuem a chamada security clearance, que permite acesso aos dados sigilosos, das agências de espionagem, sobre pessoas e organizações? Resposta: 5,1 milhões – número que reflete o crescimento explosivo do Estado de segurança nacional no pós-11 de setembro. É algo equivalente à população da Noruega. E ainda assim é apenas 1,6% da população norte-americana. A intenção é deixar os 98,4% restantes às cegas, num número crescentes de assuntos. E isso é apresentado como se fosse algo “em favor de nossa própria segurança”.
Estes fatos oferecem uma nova definição de democracia, na qual as
pessoas devem saber apenas aquilo que o sistema de segurança nacional
conta a elas. Sob esse sistema, a ignorância é o pré-requisito
necessário e legalmente imposto para que as pessoas sintam-se
protegidas. É significativo: o único delito pelo qual aqueles que estão
dentro do sistema de segurança nacional podem ser responsabilizados, na
Washington pós-11 de setembro, não é mentir diante do Congresso,
destruir evidências de um crime, torturar, sequestrar, assassinar ou
provocar morte de prisioneiros em sistemas prisionais extralegais — mas
denunciar irregularidades. Ou seja, contar à sociedade algo que seu
governo esteja fazendo. E esse “crime”, apenas esse, tem sido perseguido
com toda a força da lei e mais – com um vigor nunca visto na história
do país. Para oferecer um único exemplo, o único norte-americano preso
pelo programa de tortura da CIA da era Bush foi John Kiriakou – um
denunciante da CIA que revelou, a um repórter, o nome de um agente
envolvido no programa.
Nesses anos, uma Casa Branca cada vez mais imperial lançou várias guerras (redefinidas pelos seus defensores como outra coisa qualquer), além uma campanha internacional de assassinatos [por meio de drones], na qual a Presidência tem a sua própria “lista negra” e o presidente decide sobre ataques globais do tipo que matou Bin Laden.
E ainda assim isso não significa que nós, o povo, não
saibamos nada. Contra obstáculos crescentes, surgiram algumas boas
reportagens na imprensa “mainstream” – feitas por James Risen e Barton
Gellman – sobre as atividades extra-legais do estado de segurança. Acima
de tudo, apesar do uso regular que o governo Obama faz da Lei de
Espionagem, da época da I Guerra Mundial, denunciantes têm dado um passo
adiante dentro do governo para, às vezes, oferecer informações
surpreendentes sobre o sistema que foi implantado em nosso nome, mas sem
nosso conhecimento.
Entre eles, destaca-se um jovem, cujo nome é
agora conhecido em todo o mundo. Em junho de 2013, graças ao jornalista
Glenn Greenwald e à produtora Laura Poitras, Edward Snowden, que
trabalhou na NSA e anteriormente na CIA, entrou em nossas vidas a partir
de um quarto de hotel em Hong Kong. Com um tesouro de documentos que
ainda estão sendo publicados, ele mudou a perspectiva pela qual
praticamente todos nós víamos o mundo. Está sendo acusado sob a Lei de
Espionagem. Se de fato ele era um “espião”, a espionagem que fez foi por
nós e pelo mundo. O que ele revelou, a um planeta chocado, foi um
estado de vigilância global cujos alcance e ambições eram únicos. Um
sistema baseado em uma única premissa: que a privacidade já não existe e
que ninguém é, em teoria (e, em grande medida, na prática) invigiável.
Os criadores do sistema imaginaram uma única exceção:
eles próprios. Foi, ao menos em parte, por isso que, quando Snowden nos
permitiu espreitá-los, eles extravasaram ódio. Seja como for que tenham
reagido, do ponto de vista político, é claro que também sentiram-se
violados – algo que, até onde se sabe, deixou-os sem qualquer empatia
diante do resto de nós. Snowden provou, de qualquer forma, que o sistema
nasceu pronto para dar um tiro pela culatra.
Dezesseis meses depois que os documentos da NSA começaram a ser lançados pelo Guardian e pelo Washington Post, talvez seja possível falar numa Era Snowden. E agora, um novo filme notável, Citizenfour, que teve pré-estreia no Festival de Filmes de Nova York em 10 de outubro, oferece uma janela para como tudo aconteceu. Já foi mencionado como possível vencedor do Oscar.
Laura Poitras, a diretora, é produtora de documentários,
jornalista e artista. Tornou-se – assim como o repórter Glenn Greenwald –
quase tão amplamente conhecida quanto o próprio Snowden. Seu novo
filme, o último em uma trilogia (os anteriores são My Country, My
Country sobre a Guerra do Iraque, e The Oath, sobre Guantanamo),
remete-nos a junho de 2013 e nos leva ao quarto de hotel em Hong Kong em
que Snowden começou a fazer suas revelações a Glenn Greenwald, Ewen
MacAskill (do Guardian), e a própria Laura. Antes
daquele momento, estávamos quase literalmente no escuro. Depois dele,
temos mais noção, pelo menos, da natureza da escuridão que nos envolve.
Tendo visto seu filme, dialoguei com Poitras em uma pequena sala de conferências de um hotel em Nova York para discutir como o mundo mudou e qual foi o papel dela nisso.
Você poderia começar expondo brevemente o que você acredita que
aprendemos com Edward Snowden sobre como o mundo realmente funciona?
Laura Poitras: O mais impressionante que Snowden revelou é a profundidade do que a NSA e os chamados Cinco Olhos [Five Eyes, países
anglo-saxões aliados: EUA, Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova
Zelândia] estão fazendo: sua fome por todos os dados, o enorme arrastão
de vigilância onde tentam coletar o fluxo de todas as comunicações e
fazê-lo de várias formas diferentes. Seu ethos é “coletar tudo”.
Trabalhei em uma história com Jim Risen, do New York Times, sobre
um documento – um plano de quatro anos para a interceptação de sinais. É
um termo cunhado pelos autores. Para eles, a internet é isso: a base
para uma era de ouro na qual se espia todo mundo.
Esse foco em vigilância do planeta maciça, dissimulada, e na forma de
arrastão é certamente o mais impressionante. Muitos programas fizeram
isso. Além disso, a NSA e a GCHQ [inteligência britânica] fazem coisas
como atacar engenheiros de telecomunicações. Um artigo publicado pelo The Intercept, e baseado em documentos da NSA providos por Snowden, tinha um capítulo intitulado “Eu caço Syadmins”
[administradores de sistema]. Eles tentaram encontrar os guardiões das
informações, as pessoas que protegem os dados dos clientes, e
atingi-los. Além disso, temos a coleta passiva de tudo: as informações
que não conseguem de um jeito, obtêm de outro.
Eu acho que uma das coisas mais chocantes é como nossos
governantes sabiam pouco sobre o que a NSA fazia. O Congresso está
aprendendo a partir de reportagens, o que é impressionante. Snowden e
William Binney [ex-funcionário da NSA], que também está no filme como
delator de uma outra geração, são técnicos que entendem os perigos. Nós,
leigos, talvez entendamos alguma coisa dessas tecnologias, mas eles
realmente compreendem o perigo existente na forma como elas podem ser
usadas. Uma das coisas mais assustadoras, na minha opinião, é a
capacidade de pesquisa retroativa, de voltar no tempo e descobrir os
contatos que qualquer pessoa manteve e os locais que frequentou. No que
diz respeito à minha profissão de jornalista, isso permite ao governo
rastrear o que você está reportando, com quem fala e aonde vai. Não
importa se eu tenho ou não o comprometimento de proteger minhas fontes: o
governo tem acesso a informações que talvez lhe permitam identificar
com quem estou falando.
Perguntando a mesma coisa de outra forma: como o
mundo seria sem Edward Snowden? Porque me parece que, de alguma forma,
nós estamos na Era Snowden
Laura Poitras: Snowden nos permitiu escolher sobre como
queremos avançar para o futuro. Estamos em uma encruzilhada e ainda não
sabemos qual caminho vamos tomar. Sem Snowden, praticamente todo mundo
ainda estaria no escuro sobre a quantidade de informação que o governo
norte-americano está coletando. Acho que ele mudou a consciência sobre
os perigos da vigilância. Sabemos que muitos advogados deixam seus
celulares fora das suas reuniões, agora. As pessoas estão começando a
compreender que os aparelhos que carregamos conosco revelam nossa
localização, com quem estamos falando, e todo tipo de informações. Houve
uma mudança de consciência real, depois das revelações de Snowden.
Apesar disso, não houve nenhuma mudança na atitude do governo dos EUA
Laura Poitras: Os especialistas nos campos de vigilância,
privacidade e tecnologia dizem que é necessário atuar em dois campos: o
político e o tecnológico. O caminho tecnológico é a criptografia.
Funciona e, se você quer privacidade, deveria usar. Já há mudanças em
grandes empresas – Google e Apple, por exemplo –, que agora entendem
quão vulneráveis são os dados dos seus clientes. Também percebem que,
desse modo, seus negócios também se tornam vulneráveis. Por isso,
também, há uso crescente das tecnologias de criptografia. Porém, nenhum
programa foi desmantelado em Washington, apesar da pressão
internacional.
Em Citizenfour, uma hora da ação se passa em um quarto de hotel em Hong Kong, com Snowden, Glenn Greenwald, Ewan MacAskill e você. Isso
é fascinante. Snowden é quase preternaturalmente cativante e senhor de
si. Imagino um romancista em cuja mente simplesmente entra o personagem
dos sonhos. Deve ter sido assim com você e Snowden. Mas e se fosse um
cara cinzento, com os mesmos documentos e coisas muito menos
inteligentes para dizer sobre eles? Em outras palavras como exatamente a
pessoa que ele era afetou o seu filme e reconstruiu seu mundo?
Laura Poitras: São duas questões importantes. Uma: qual foi a
minha primeira sensação? Outra: como eu acho que isso teve impacto no
filme? Editamos o filme e o exibimos para pequenos grupos. Não tive
dúvida de que Snowden é articulado e verdadeiro, na tela. Mas vê-lo em
uma sala cheia [na pré-estreia do Festival de Filmes de Nova York, em 10
de outubro], foi tipo, uau! Ele realmente domina a tela! E eu tive uma
nova experiência sobre o filme, em uma sala cheia.
Mas qual foi sua primeira experiência com ele? Quero dizer, você não sabia quem ia conhecer, certo?
Laura Poitras: Eu mantive correspondência com uma fonte
anônima por cerca de cinco meses antes. No processo de desenvolver um
diálogo, você constrói ideias, é claro, sobre quem a pessoa talvez seja.
Achava que ele seria uma pessoa com quarenta e tantos anos, ou pouco
mais de cinquenta. Percebi que deveria ser da geração da internet por
ser super ligado em tecnologia. Mas pensei que, dado o nível de acesso e
informação que podia discutir, devera ser mais velho. Minha primeira
experiência foi a necessidade de reprogramar minhas expectativas.
Fantástico, sensacional, ele é jovem e carismático. Fiquei pensando:
uau, isso muito tão desorientador, preciso fazer um reboot.
Retrospectivamente, posse ver que é realmente forte que alguém tão
inteligente, tão jovem e com tanto a perder tenha arriscado tanto.
Ele estava muito em paz com a escolha que tinha feito e sabia que as
consequências podiam significar o fim da sua vida – ainda assim, havia
tomado a decisão certa. Ele acreditava nisso e, quaisquer que fossem as
consequências, estava pronto a aceitá-las. Conhecer alguém que tomou
esse tipo de decisão é extraordinário. E poder documentar isso e também a
forma como Glenn [Greenwald] interveio e se esforçou, de modo ativo,
para que o relato se produzisse mudou a narrativa. Como Glenn e eu
enxergamos tudo de uma perspectiva externa, a narrativa desenvolveu-se
de forma a que ninguém sabia realmente como responder. Por, acho acho
que a Casa Branca ficou, a princípio, transtornada. Não é todo dia que um
denunciante está pronto para ser identificado.
Meu palpite é que Snowden nos deu o sentimento de que agora
conhecemos a natureza do estado de vigilância global que nos observa.
Mas sempre penso que ele é só um cara, vindo de um dos 17 órgãos de
inteligência interligados. Seu filme termina de forma marcante – o golpe
final – com outro ou outros informantes despontando em algum lugar do
mundo, para revelar informações sobre a enorme lista de pessoas
vigiadas, na qual você mesma está, fico curioso. O que você acredita que
ainda existe para ser descoberto? Suspeito que se delatores estão para
surgir, nas maiores cinco ou seis agências, com documentos similares aos
de Snowden, vamos ficar aturdidos com o sistema que foi criado em nosso
nome.
Laura Poitras: Não posso especular sobre aquilo que ainda não
sabemos, mas acho que você tem razão sobre a escala e escopo das coisas,
e a necessidade de essa informação tornar-se pública. Quero dizer,
considere apenas a CIA e seu esforço para impedir o Senado dos EUA de
conhecer seu programa de tortura. Considere o fato vivermos em um país
que a) legalizou a tortura b) onde ninguém nunca foi responsabilizado
por isso e agora a visão interna do governo sobre o que aconteceu está
sendo suprimida pela CIA. É uma paisagem assustadora.
Laura Poitras: Realmente, rejeito a ideia de falar sobre um,
dois ou três denunciantes. Nosso trabalho foi informado por muitas
fontes e acho que temos, diante delas, dever de gratidão por terem
assumido os riscos que assumiram. De uma perspectiva pessoal, porque
estou numa lista de pessoas vigiadas. Passei anos tentando descobrir a
razão. O governo recusou-se a confirmar ou negar a própria existência da
tal lista. Foi muito significativo que sua existência real fosse
revelada, para que o público saiba que ela existe. Agora, os tribunais
podem decidir sobre a legalidade disso. Quero dizer, a pessoa que
revelou isso fez um imenso serviço público e eu estou pessoalmente
grata.
Você se refere ao delator desconhecido, que é mencionado visual e
elipticamente ao final do seu filme, e que revelou a existência de uma
imensa lista, com os nomes de mais de 1,2 milhão de pessoas vigiadas.
Nesse contexto, como é viajar como Laura Poitras hoje? Como você encarna
o novo estado de segurança nacional?
Laura Poitras: Em 2012, estava pronta para editar e escolhi
deixar os EUA por que não sentia como se pudesse proteger minhas fontes.
A decisão foi baseada em seis anos sendo parada e questionada todas as
vezes que retornava aos EUA. Fiz as contas e percebi que seria muito
arriscado editar nos EUA. Comecei a trabalhar em Berlim em 2012. Em
janeiro de 2013, recebi o primeiro e-mail de Snowden.
Então você está protegendo…
Laura Poitras: Outra filmagem. Filmei com o denunciante da NSA William Binney, com Julian Assange, com Jacob Appelbaum do Tor Project. São
pessoas também visadas pelos EUA, e senti que esse material que eu
tinha não estava seguro. Fui incluída na lista em 2006. Fui detida e
questionada na fronteira, ao regressar aos EUA, cerca de 40 vezes. Se
contasse as paradas domésticas, e todas as vezes em que fui parada em
pontos de trânsito europeus, provavelmente chegaria a algo entre 80 e
100 vezes. Tornou-se uma coisa regular, ser questionada sobre onde
estive e com quem me encontrei. Me vi capturada em um sistema do qual
aparentemente não se pode sair, nessa lista kafkiana que os EUA nem
sequer reconhecem.
Você foi parada quanto entrou nos EUA, dessa vez?
Laura Poitras: Não. As detenções pararam em 2012, depois de um
incidente bastante extraordinário. Eu estava voltando pelo Aeroporto de
Newark [nas proximidades de Nova York] e fui detida. Peguei meu
caderno, porque sempre tomo notas sobre quando sou parada, quem são os
agentes e coisas assim. Dessa vez, ameaçaram me algemar por tomar notas.
Disseram “Abaixe a caneta!” Alegaram que a minha caneta podia ser uma
arma e ferir alguém.
“Abaixe a caneta! A caneta é perigosa!” Eu fiquei imaginando que
fossem malucos. Várias pessoas gritavam comigo, todas as vezes que eu
movia minha caneta para baixo, para tomar notas – como se ela fosse uma
faca. Depois disso, decidi que era maluquice demais, eu precisava fazer
alguma coisa. Chamei Glenn Greenwald. Ele escreveu um texto sobre as
minhas experiências. Depois do artigo, recuaram.
Snowden nos contou muito sobre a estrutura de vigilância global que
está sendo construída. Nós sabemos muito pouco sobre o que estão fazendo
com toda essa informação. Me choca como foram inábeis em usar essa
informação em sua guerra ao terror, por exemplo. Quero dizer, eles sempre
parecem estar um passo atrás no Oriente Médio – não apenas atrás dos
acontecimentos, mas atrás do que acredito que uma pessoa, usando apenas
informações abertas, poderia informar a eles. Acho isso surpreendente.
Que sentido faz você fazer o que estão fazendo com a montanha de
informações, os yottabytes, todos os dados que estão recolhendo?
Snowden e muitas outras pessoas, inclusive Bill Binney, disseram
que essa mentalidade – de tentar sugar tudo o que podem – deixou-os tão
afogados em informações que perdem as ligações mais óbvias. No final, o
sistema que criaram não leva ao que descreveram como seu objetivo, que é
segurança – porque têm informação demais para processar.
Laura Poitras: Não sei realmente como compreender tudo isso.
Penso muito a respeito, porque fiz um filme sobre a Guerra do Iraque e
outro sobre Guantanamo. Da minha perspectiva, em resposta aos ataques de
11 de setembro, os EUA envolveram-se em atividades que criaram duas
gerações de pessoas nutridas por sentimentos anti-americano – em
resposta a coisas como Guantanamo e Abu Ghraib. Ao invés de responder a
um grupo pequeno de terroristas, criamos gerações de pessoas irritadas e
que nos odeiam. Então, penso: se o objetivo é segurança, como essas
coisas se alinham? Por que há, agora, mais gente que odeia os Estados
Unidos, mais gente que tenciona fazer-nos mal? Ou o objetivo que o
sistema de segurança proclama não é o real, ou eles são simplesmente
incapazes de dialogar com o fato de que cometeram grandes erros, pelos
quais agora pagamos.
Me impressiona como a falha converteu-se, de alguma maneira, em
rampa de lançamento para o sucesso. Quero dizer, a construção de um
aparato de inteligência sem paralelos e a a maior coleta de informações
da história veio da falha de 11 de setembro. Ninguém foi
responsabilizado, ninguém foi punido, ninguém foi rebaixado nem nada.
Todas as falhas semelhantes, incluindo uma recente, no gramado da Casa
Branca, simplesmente levam ao reforço do sistema.
Laura Poitras: Como você entende isso?
Não acho que essas pessoas estejam pensando: precisamos falhar,
para termos sucesso. Não sou conspiratório nesse sentido, mas eu acho
que, estranhamente, a falha construiu o sistema e acho isso estranho.
Mais que isso, não sei.
Laura Poitras: Não discordo. O fato de que a CIA sabia que
dois dos sequestradores do 11 de setembro estavam entrando nos Estados
Unidos, mas não notificou o FBI e ninguém perdeu seu emprego por isso, é
chocante. Ao invés disso, ocupamos o Iraque, que não tinha nada a ver
com o 11 de setembro. Quero dizer, como essas escolhas são feitas?