Por
Luciano Martins Costa
Comentário
para o programa radiofônico do Observatório da Imprensa nº 2618, em 1/6/2015
É sabido por dez entre dez profissionais de
comunicação que, com exceção da chamada agenda pública, ou seja, dos
acontecimentos que se passam nas instituições que precisam obrigatoriamente se
comunicar regularmente com a sociedade, que jornais, revistas e outros veículos
da mídia tradicional são muito dependentes das assessorias de imprensa. Sem os press-releases, notas e declarações
passadas pelas empresas por meio de seus assessores, a imprensa não teria
recursos para preencher a maior parte dos espaços e do tempo que têm
disponíveis diariamente.
Essa dependência, associada à progressiva redução da força
de trabalho nas redações, faz com que esse material seja publicado praticamente
sem mudanças, eventualmente até com o título sugerido pelas assessorias.
As assessorias de imprensa mais aparelhadas prefeririam
que seus textos fossem recebidos como sugestão de pauta, não como conteúdo para
ser publicado, porque, no longo prazo, essa prática desvaloriza sua própria
atividade e faz parecer muito fácil o que na verdade exige muita experiência e
planejamento.
Essa fragilidade da imprensa faz com que profissionais e
empresas com pouca qualificação e baixa exigência em termos éticos se
estabeleçam no mercado, porque também eles conseguem emplacar materiais de
valor duvidoso nos principais veículos da imprensa. Esse é o caminho usado, por
exemplo, por candidatos a celebridade, por líderes instantâneos criados nas
redes sociais e por empresas que precisam dar um lustro em suas reputações. O
fenômeno cresce nas edições de fim de semana, quando as redações precisam de
mais conteúdo para inserir entre os anúncios.
Essa prática condiciona há tempos o conteúdo dos cadernos
de negócios e as editorias de entretenimento, eventualmente dissimuladas sob o
signo de “Cultura”.
Mais recentemente, porém, também a editoria de Política
tem se tornado terreno fértil para o plantio de informações, versões, frases e
opiniões elaboradas sob medida por assessores para ganhar destaque na mídia. As
redes do Twitter e Facebook tornaram a imprensa ainda mais vulnerável a essas
ações.
Maioridade penal
Um exemplo curioso desse sistema de alimentação da
imprensa é a notícia, publicada pela Folha
de S.Paulo na edição de segunda-feira (1/6), dando conta de que uma
das filhas do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara, está
oferecendo serviços de marketing político para colegas de seu pai.
A moça admite que sua filiação, no momento em que o pai
protagoniza uma sucessão de crises de relacionamento entre os poderes da
República, facilita a obtenção de clientes, e o jornal não questiona o evidente
problema ético presente nesse fato. Apenas registra que “ela afirma não ver
conflito de interesse no que faz”.
Esse é, na verdade, o elemento central desse processo no
qual a imprensa costuma validar informações de interesse específico de empresas
ou de pessoas, abrindo mão de sua obrigação fundamental, que é checar a real
relevância pública desta ou daquela notícia. Se há algum valor no fato de que a
filha do presidente da Câmara usa a sombra do pai para ganhar dinheiro, esse
valor está justamente no evidente problema ético que ela não enxerga.
Por outro lado, a mesma imprensa que noticia tal aberração
sem qualquer senso crítico também abriga passivamente os factoides criados pelo
pai da jovem candidata à marketagem
política, como se fossem todos atos do mais alto valor para a República. O mais
recente, exibido na segunda-feira (1/6) nas primeiras páginas dos diários de
circulação nacional, destaca a intenção de Eduardo Cunha de colocar em pauta,
na Câmara dos Deputados, a PEC 171, de 1993, que propõe a redução da maioridade
penal de 18 para 16 anos.
O artifício usado pelo presidente da Câmara para se manter
no noticiário foi publicar uma nota no Twitter, na qual afirma: “A próxima
polêmica, após a conclusão da reforma política, será a redução da maioridade
penal, que votaremos até o fim de junho em plenário”.
Sua intenção é promover um referendo popular para
contornar a restrição constitucional sobre a proposta – pois, segundo muitos
juristas, sendo uma cláusula pétrea da Constituição, a maioridade penal não
pode ser alterada sem uma mudança no texto constitucional.
A maioria dos jornais parece discordar da proposta, mas
trata o anúncio com brandura, aplicando ao tema apenas a rotina banal de “ouvir
os dois lados”, sem se aprofundar no debate que movimenta juristas e entidades
sociais desde o início do ano.
Aplicada em alimentar a crise política que interessa a
Eduardo Cunha, a imprensa aquece o ovo da serpente gestado pela bancada mais
reacionária que o Congresso já abrigou desde o fim da ditadura militar.