Quinta, 24 de abril de 2014
“Sem
hipocrisia: essa polícia mata pobre todo dia”
Jornal do Brasil
Após um longo e emocionado velório, o corpo de Douglas
Ferreira foi sepultado nesta quinta-feira (24), no Cemitério São João Bastista,
em Botafogo. Emocionados, amigos e parentes do dançarino cantaram enquanto
erguiam o caixão acima da multidão. Após rezarem a oração do Pai Nosso,
repertórios do Bonde da Madrugada, do programa Esquenta, funks sobre a violência na favela e canções religiosas foram
cantados para homenagear Douglas. Sob forte chuva, o caixão foi acompanhado por
uma multidão e, depois, encaixado em uma das gavetas. A dor, agora, dá lugar à
revolta e ao desejo de justiça.
O velório do dançarino começou no fim da tarde desta
quarta-feira (23) e terminou às 15h de hoje. No começo da tarde, uma
manifestação pacífica saiu da comunidade do Pavão-Pavãozinho até o cemitério.
Revoltados, amigos de Douglas pediam o fim da UPP: “Fora, UPP! Matou o Amarildo
e o DG”. Reunidos em frente ao Cemitério, os manifestantes gritavam “chega de
chacina! Polícia assassina”, enquanto viaturas cercavam o local com dezenas de
policiais. A presença da polícia incomodou os enlutados, que provocavam: “Sem
hipocrisia: essa polícia mata pobre todo dia”.
Diante da revolta pela morte de Douglas, o presidente do
movimento O Rio pela Paz pediu para que as “punições sejam exemplares”. Rommel
Cardozo também declarou que “a violência brutal, seja de manifestantes ou da
Polícia, deve ser coibida a todo custo” e completou: “é hora de equilibrar a
balança e governar para o povo, sem distinção de classe alta, média ou baixa. O
governo é para todos nós, ricos ou pobres, assim como a lei tem que ser”.
Em 2013, Douglas participou do documentário “Made in Brazil”,
dirigido por Wanderson Chan. No curta, ele interpreta um morador da comunidade
Pavão-Pavãzinho que é assassinado por policiais militares. A cena acontece no
alto do morro, na mesma rua em que, anteontem, seu corpo foi encontrado.
Atualmente, Douglas não morava mais na favela, mas, segundo os amigos,
costumava passar mais tempo lá do que em casa. A ex-mulher e a filha de Douglas
ainda moram na comunidade
Presença de policiais
Contrariada com a presença da polícia nas proximidades do
Cemitério, a mãe de Douglas, Maria de Fátima, contestou: “Por que tem tantos
policiais aqui? Eu não convidei ninguém, eu não quero polícia aqui. A
comunidade já está cansada, eu já estou cansada. Não tem traficante aqui. Querem conferir o que fizeram? Meu filho morreu!”.
O advogado, Rodrigo Mondego, que acompanha a família do
dançarino também reprovou a presença dos policiais. “Foi uma manifestação
fúnebre e pacífica que veio em direção ao cemitério. Desnecessário essa
quantidade de policiais aqui resguardando um velório, um enterro”, questionou. Exaltados,
amigos do cantor pediam para que a polícia se retirasse do local. “Aqui não tem
traficante, os assassinos são vocês”, gritava um grupo.
Investigações
Embora a causa da morte do dançarino já tenha sido
confirmada, a família de Douglas aguarda o laudo oficial do IML, que deverá
sair em 30 dias. O advogado que acompanha o caso disse que, até o momento, não
há dúvidas que Douglas morreu vítima de um disparo de arma de fogo, que entrou
pelas costas e saiu pelo ombro. Em um primeiro momento, a Polícia Militar
chegou a afirmar que a morte do rapaz teria sido decorrência de uma queda, que
teria acontecido quando DG pulou o muro de uma creche para se esconder do
tiroteio.
Durante o velório do dançarino, Mondego comentou as
investigações. “A gente está assessorando a família nesse primeiro
momento. Há
indícios de houve grave violação dos direitos humanos. A mãe do Douglas,
que é
técnica de enfermagem, afirmou que o corpo dele havia muitas marcas de
agressões e que o lábio estava escuro, o que pode ser um indício de que
ele foi
torturado por meio de afogamento ou sufocamento. Existem vários indícios
e
fatos que precisam ser esclarecidos. Nós estamos acompanhando tudo para
que a
justiça seja feita”, disse. A PM nega a acusação, alegando que as
escoriações são decorrentes da queda do muro. Sobre a água, que molhou
os documentos de Douglas, e que poderia indicar o afogamento citado pelo
advogado, a PM acredita que DG possa ter passado por algum lugar
molhado ou até mesmo se urinado. A Polícia Civil, contudo, disse que
seguirá com as investigações para esclarecer esse e outros pontos.
Sobre os boatos de um possível envolvimento de Douglas com traficantes,
o tio do rapaz, Alexandre Vieira, defendeu o sobrinho morto. “Cabe a quem
acusar, provar. Tudo que estamos falando sobre ele aqui, nós temos testemunhas
para provar. Cabe a outra parte, apresentar as suas testemunhas”. Alexandre
também falou sobre a “índole maravilhosa” do rapaz: “Com ele não tinha essa de
celebridade. O Douglas brigava pelos direitos dos outros. Ele sabia fazer da
presença dele, algo especial”.
Abalada, a mãe de Douglas negou que o filho tivesse
envolvimento com o tráfico. Ela declarou que não iria “deixar que manchem a
imagem dele”. Fátima também lamentou a morte do filho e prometeu lugar pela
justiça até que tudo seja esclarecido. “Ele era uma pessoa linda, maravilhosa,
com sorriso cativante. Foi uma perda enorme para todo mundo. A Polícia
Pacificadora é uma mentira. Ela não salva, ela mata, ela maltrata. A comunidade
virou labirinto”, disse.
Revolta
Morador da comunidade do Cantagalo, Leandro Augusto era
amigo de Douglas. Ele acompanhou a manifestação e se disse “absolutamente
revoltado” com a morte de DG. Segundo Leandro, “as comunidades de Tabajaras,
Pavão, Pavãzinho, Cantagalo, Babilônia e Chapéu Mangueira estão unidas por
conta dessa injustiça, querendo justiça”. O amigo de Douglas comparou as UPPs
às ditaduras e criticou: “O que houve na favela foi uma inversão: os
traficantes antes andavam armados, hoje os policiais andam armados até os
dentes. Apontam armas para a criança e para o morador. Às vezes o morador fica
assustado e corre e, ao invés de averiguar, o policial primeiro atira para
depois perguntar. Foi isso que aconteceu com o DG”. Leandro também criticou a
atuação dos PMs nas favelas. Para ele “existe excesso, abuso de autoridade e
despreparo. O governo fez um projeto com uma amplitude tão grande e não
consegue preparar os policiais com o título que têm: Unidade de Polícia
Pacificadora. Na verdade, a UPP traz a guerra, o terror e apavora o morador”.
Amigos há mais de 15 anos, os dançarinos do Bonde da Madrugada
também estiveram no velório. O grupo existe há 10 anos e, atualmente, se
apresenta no programa “Esquenta”. Charles de Souza, um dos integrantes, disse
que ainda não sabe qual será o futuro do grupo, que foi idealizado por DG. “Agora
é o momento de lembrar dele de uma forma carinhosa, mas a verdade é que a gente está triste. Estou
sem palavras. Não estamos acreditando realmente que ele não está mais aqui. É impossível
esquecer o sorriso marcante dele. A gente quer a verdade, quer saber como
aconteceu isso. Tiraram um irmão da gente. A ferida está aberta e não vai
cicatrizar. O grupo está sem uma perna e não está conseguindo absorver isso.
Esse vazio não vai ter como preencher”.
A apresentadora Regina Casé também compareceu ao Cemitério São
João Batista. Ela cumprimentou a família do dançarino e se reuniu com o elenco
do Programa. Emocionada, Regina declarou: “Não me interessa quem ele fosse, mesmo
se eu não o conhecesse e visse os noticiários de ontem, eu ficaria chocada de
qualquer maneira. O DG era um cara alegre, criativo e um trabalhador
incansável. O tempo todo inventando coisas lindas, empurrando os outros meninos
para frente. Ele não era mais um, ele era importantíssimo”.
Famosa pelos comentários ácidos que faz nos programas, Luane
Dias desmontou a personagem para homenagear o amigo. Bastante abalada ela disse
que se sente “impotente” por ter que esperar o julgamento para que a justiça
seja feita. Sobre o amigo, ela foi sucinta: “Vai ser sempre um espaço vazio,
mesmo que coloquem outra pessoa no lugar. Não vai ter ninguém para ocupar o
lugar dele porque ele era único, ele era maravilhoso”.