Do Blogue Náufrago da Utopia
DESEMBARQUE
Por Hélio Schwartsman |
A
esquerda marxista nunca deu muita bola para o Judiciário. Era tido como
uma parte da superestrutura voltada especificamente a manter as
relações de produção (infraestrutura) em termos favoráveis à burguesia.
Há, portanto, certa ironia no fato de os herdeiros da esquerda marxista
se aferrarem a supostos legalismos e minudências jurídicas para tentar
preservar o mandato de Dilma Rousseff.
Como sabiam os marxistas de outrora, a disputa pelo poder não se dá por
vias judiciais, mas é eminentemente política –quando não
escancaradamente militar, como no caso de revoluções. E é justamente da
esfera política que deverá vir o atestado de óbito do governo Dilma.
Com o desembarque do PMDB consumado, as extrapolações matemáticas
sugerem que ela não pode mais contar com os 171 deputados necessários
para barrar o impeachment.
No atual cenário, é irrelevante se a peça jurídica que substancia o
pedido de afastamento está bem fundamentada, se o tipo criminal está bem
descrito, se a presunção de inocência está sendo respeitada. O
impeachment pelos chamados crimes de responsabilidade, embora vista as roupas de procedimento judicial, é essencialmente um juízo político.
É por isso que ele é julgado por parlamentares e não pelo STF, como ocorreria se a presidente fosse acusada de delitos penais.
É por isso que a lista dos crimes de responsabilidade inclui coringas
como ferir "a dignidade, a honra e o decoro do cargo", que significa
qualquer coisa que os julgadores queiram que signifique.
Se Dilma de fato cair, terá caído não porque perpetrou crimes
monstruosos –até pode tê-los cometido, mas isso não está em questão– ou
porque foi vítima de um golpe, mas mais simplesmente porque perdeu sua base política.
Um governo que não consegue convencer um terço dos parlamentares a ficar
em casa em vez de ir votar para derrubá-la não tem mesmo condições de
continuar.
DESENLACE
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Por Celso Lungaretti |
Há
muito venho afirmando que Dilma Rousseff inevitavelmente vai cair e
que, quando chegar o momento de seu afastamento, os embasamentos
jurídicos magicamente serão encontrados, daí a ociosidade de discussões
tipo "pedaladas fiscais justificam perda do mandato?".
Com
um pouco mais de paciência do que eu, o Hélio Schwartsman explica
exatamente isto. E está certíssimo quanto ao fato de que nós, os
revolucionários que lemos os clássicos do marxismo e do anarquismo,
sempre consideramos o Judiciário um Poder que, em última análise, serve à
classe dominante e não ao conjunto da população.
Só
discordo do argumento final do filósofo. Dilma, na verdade, não tem
condições de continuar por algo muito mais grave do que a falta de apoio
parlamentar: o fato de há 15 meses não estar conseguindo governar,
enquanto o povo sofre o diabo durante a mais aguda recessão da História
brasileira. Se nada for feito, a dita cuja logo evoluirá para depressão
econômica –que, num país pobre como o nosso, vai matar gente como moscas.
Vejo,
portanto, a coisa de forma bem mais simples. Dilma já deu demonstração
cabal de que não conseguirá reverter o quadro catastrófico da nossa
economia. E, não o fazendo, as vítimas da penúria e do desemprego, mais
dia, menos dia, tentarão arrancar na marra o que estão impossibilitados
de obter com o suor de seus rostos.
A convulsão social significará um salto no escuro, que vai fazer nossa democracia balançar e talvez desmanchar-se no ar.
É
o pior cenário possível para a esquerda, que acaba de virar pó de
traque (ou coisa pior ainda, a julgar pelo fedor...) e terá de ser
reconstruída tijolo por tijolo. A possibilidade de fazê-lo numa
democracia é bem maior do que sob nova ditadura.
São,
portanto a constatação óbvia de que perderemos qualquer batalha que
travarmos enquanto estivermos no auge do desprestígio, e minha
solidariedade primordial para com os milhões de coitadezas que já se
encontram na rua da amargura e para com outros tantos ameaçados de a
eles se juntarem, os motivos de eu considerar a queda de Dilma o mal
menor nas atuais circunstâncias.
Precisamos nos preservar para podermos voltar à carga quando existirem chances reais de vitória. Agora não há.
Como também inexiste qualquer motivo plausível para optarmos pelo tudo ou nada, pois o governo que está sendo derrubado nada tem ou teve de revolucionário em momento nenhum dos últimos 13 anos e três meses!