‘Quais vidas importam num lugar onde a morte negra é algo comum?’, indaga manifestante sobre os 80 tiros disparados contra família no Rio
“Se Palmares não vive mais, faremos Palmares de novo. Por menos que contem a história, não te esqueço meu povo”. O poema ‘Insônias’, de José Carlos Limeira, foi recitado em coro pelas mais de 300 vozes durante a caminhada. O ato que começou às 14 h, caminhou até a sede da Presidência da República em São Paulo, na altura do metrô Consolação, às 16 h e foi encerrado por volta das 17 h. Em sua maioria de pessoas negras, os manifestantes trajavam preto, como pedia a organização do evento – que foi organizado por diversos coletivos dos movimentos negros.
Na linha de frente, com a bandeira principal, estava Douglas Belchior, professor e integrante da Uneafro. Em entrevista à Ponte, Douglas enfatiza que é preciso cobrar responsabilidade do Estado em mortes como a de Evaldo. “O governo é responsável pelas mortes das suas policias e do Exército. Isso é a síntese e tem que ser repetido. As pessoas não morrem aleatoriamente, no Brasil inclusive há uma predileção específica para a população negra que morre nas ações cotidianas da polícia, quando o Exército ultrapassa a barreira do que é aceitável agindo nas ruas, o que já é por natureza inconstitucional é para cumprir outra tarefa. A vítima desse Exército é a mesma que a da polícia”, argumenta Belchior.
O professor destaca que o governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL) acentua a situação. “A partir do governo Bolsonaro isso se aprofunda ainda mais por que você tem o reforço da narrativa violenta e racista explícita de um presidente que diz que a polícia tem que matar e quando ocorre um absurdo como esse não se pronuncia e quando se pronuncia diminui a importância da ação”, argumenta Douglas.
Para a educadora popular Maria Aguiar, 49 anos, o fuzilamento com mais de 80 tiros representa cansaço de ir às ruas pedir justiça por outro corpo negro tombado. “Nós não aguentamos mais ir para a rua para falar da morte dos nossos iguais. Mas, ao mesmo tempo, é importante a gente estar aqui para dizer que estamos vivos e estamos presentes, que a gente rechaça tudo o que está acontecendo no país. Isso aconteceu com o Evaldo, isso aconteceu com Marielle, isso aconteceu com Mestre Moa e por aí vai. Estamos aqui para dizer que vidas negras importam, vamos continuar gritando e defendendo nosso direito. Eu, enquanto mulher negra, tenho esse papel e essa missão com outros e outras”, destaca Maria.
Para o cientista social Wellington Aparecido Santos Lopes, 22 anos, o fuzilamento do músico carioca mostra que o corpo negro está em território inimigo. “O que aconteceu no Rio de Janeiro, com a morte desse músico, assassinado pelo Exército, demonstra mais do que nunca a importância que as vidas negras têm nesse território. A mobilização do movimento negro no sétimo dia de morte do músico é trazer à tona um questionamento importante: quais vidas importam num lugar onde a morte negra é algo comum?”, enfatiza Wellington.